'Tudo indica que estamos no caminho da privatização dos Correios'
Carta
Capital
09/05/2018
09/05/2018
A
declaração, na segunda-feira 7, do presidente dos Correios de que a empresa
fechará agências próprias em todo o país indignou funcionários e consumidores.
A
confirmação ocorreu dois dias depois de o jornal Estado de São Paulo publicar
um documento, aprovado em reunião da diretoria da empresa em fevereiro e
mantido em sigilo, que mostra o plano dos Correios de fechar 513 agências
próprias nos próximos meses e de demitir 5,3 mil funcionários.
O
cronograma do documento definia o mês de maio como o início dos fechamentos,
projetava demissões e indicava as agências em um anexo. Na lista das atingidas,
constam algumas de alta rentabilidade. A nota divulgada afirma que ainda estão
sendo realizados estudos e análises para chegar ao números exatos, mas ainda
não se sabe quando eles serão anunciados.
O
diretor da Federação Nacional de Trabalhadores de Empresas de Correios
(FENTECT), José Rivaldo da Silva, afirmou que a medida foi - e tem sido -
tomada de forma unilateral e sem diálogo com o movimento organizado de
trabalhadores. “A gente foi notificado pela imprensa. Em nenhum momento o
documento foi debatido com os sindicatos”, explica.
O
diretor também acredita que a medida tenha sido tomada a fim de beneficiar os
franqueados, pois apenas empresas próprias serão afetadas. “Você fecha a
agência, abre a franquia do pequeno empreendedor e tira a responsabilidade dos
Correios.”
Ele
avalia que a estratégia do governo tem sido a de estagnar e desmobilizar esse
serviço para depois entregá-lo ao setor privado. “Eles precarizam, o serviço
vai ficando cada dia pior, e depois é privatizado”, explica.
Segundo
ele, uma solicitação de reunião com o presidente da empresa já foi feita e os
sindicatos têm se mobilizado em torno da próxima paralisação, que ainda não tem
data para ocorrer.
CartaCapital:
Qual é a posição dos sindicatos sobre o fechamento de agências e a demissão de
funcionários confirmados pela diretoria dos Correios?
José Rivaldo da Silva: Somos contrários ao fechamento das agências e somos contrários às demissões de funcionários. Essa política que está traçada dentro dos Correios é um golpe contra os trabalhadores e contra a sociedade, porque precariza o serviço da empresa, atrasa a encomenda e deixa as comunidades sem agências, ainda com a fala de que vai resolver o problema. O problema dos Correios não é esse.
CC:
Qual é o problema?
JRS: O problema é a má administração, a troca de presidente, colocar pessoas que não entendem dos Correios para dirigir a empresa e não querer ouvir quem entende. Aí dentro de uma crise dessas no Brasil, eles colocam o trabalhador para pagar a conta. Já implementaram cota no nosso plano de saúde, agora estão dizendo que vão reduzir o número de funcionários para melhorar o atendimento da empresa, mas vai piorar ainda mais porque a encomenda vai demorar mais para ser entregue.
CC:
Essa decisão pode ser considerada uma estratégia de precarização do serviço
para uma posterior privatização da empresa?
JRS: Sim. Tudo indica que isso é um caminho rumo à privatização. A gente vai combater com mobilização. Vamos trabalhar muito para não deixar isso acontecer e fazer o que está ao nosso alcance. Em 1997, o governo tentou desmontar o serviço público, naquela onda das privatizações. Os Correios foi uma das empresas que não foram privatizadas graças aos movimentos de greve, às ocupação dentro do Congresso e dentro dos correios Correios. Nós vamos ter que retomar tudo de novo. O país vive um retrocesso.
CC:
Segundo a diretoria da empresa, a decisão foi tomada para aumentar a
rentabilidade dos Correios. Você concorda que as demissões e os fechamentos de
agências podem ser considerados uma solução para isso?
JRS: Não. Acho que para melhorar a rentabilidade dos Correios a gente precisa melhorar o atendimento, colocar toda a entrega em dia e aumentar o fluxo postal. Falam que o monopólio postal está em queda mas ele ainda representa 50% da receita. O problema de entrega e do atendimento à população é dos Correios e precisa ser resolvido pela empresa. A gente tinha 128 mil trabalhadores em 2011 e hoje a gente está com 105 mil, se demitir mais, não vamos ter mais qualidade de atendimento.
CC:
Houve diálogo com os sindicalistas antes da decisão?
JRS: Não houve nenhum diálogo. A gente foi notificado pela imprensa também. Nos surpreendeu. A gente sabia de boatos que tinham alguns documentos internos. A gente tinha até solicitado cópia, mas ela não foi repassada. A empresa desmentiu, dizia que não era isso. A gente tem até tentado notificar a empresa mas não temos conseguido.
CC:
Como os sindicatos têm se mobilizado nesse contexto?
JRS: Fomos surpreendidos por isso no final de semana e nós estamos nos organizando sobre as medidas que ainda vamos tomar. Juridicamente, nós conversamos para saber se existe alguma brecha judicial para lançarmos uma ação contrária à medida. Estamos na mobilização, juntando todos os trabalhadores e se possível até faremos uma paralisação grande para dar uma resposta direta. Já temos algumas declarações de parlamentares contra o fechamento da agência e vamos ver se eles nos ajudam a denunciar isso.
CC: A
nova diretoria dos Correios afirmou que de início as pessoas não seriam
demitidas, mas sim realocadas para outras agências.
JRS: Com o número de agências que serão fechadas talvez você não tenha espaço para realocar as pessoas nas mesmas funções que elas exerciam. Por exemplo, se eu trabalho no balcão, eu vou passar a ser carteiro e se eu não aceito ser carteiro, eu vou ser demitido. É uma situação que, como ela não foi negociada com a representação dos trabalhadores, a gente não tem os parâmetros necessários para proteger o trabalhador. A priori, a empresa tem dito isso, que vai realocar as pessoas, mas não vai ser na mesma função. Nos casos de pequenas cidade vai transferir as pessoas de cidade. É um tema que nessa semana e na próxima nós teremos que nos debruçar bastante.
CC:
Vocês acreditam que a diretoria possa voltar atrás com essa medida?
JRS: Eu não acredito que eles possam voltar atrás. Talvez haja um recuo. Eles iam fechar mais de 100 agências no Rio Grande do Norte no ano passado e a gente fez uma audiência em uma Assembléia Legislativa, com a participação de deputados federais. Conseguimos conversar com a bancada do estado e muitos deputados assinaram que a medida era um retrocesso, e a gente conseguiu segurar as demissões. Esperamos novamente conseguir mobilizar os parlamentares, principalmente em ano eleitoral, para que eles fiquem conta dessa medida do governo, senão haverá fechamentos. E a gente tem feito nossa parte de chamar os trabalhadores para a mobilização.
CC:
Como a população será afetada por essa medida?
JRS: O carteiro que passa todo dia na sua rua vai começar a passar um dia sim e um dia não ou a cada dois dias. Isso não melhora, isso aí a gente tem que estar discutindo até com os órgãos de defesa do consumidor e do Ministério Público, para entrar com representação contra a empresa. Isso fere até o direito do consumidor. Mas, de um modo em geral, de imediato, talvez a população não sinta tanto. Ela vai sentir mais a longo prazo. A nossa visão é que tudo isso passa por um modelo de privatização.
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