terça-feira, 25 de abril de 2017

Correios: a onda do e-commerce e a onda da privatização

Opinião e Notícia
25 abr, 2017


No último dia 28 de março, na sequência de uma série de reportagens veiculadas em alguns dos principais telejornais da Rede Globo sobre a decadência dos serviços postais em um país de resto esfacelado, o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, disse à Folha de S.Paulo que não está descartada a hipótese de privatização dos Correios do Brasil, empresa que, segundo Kassab, foi arruinada pela má gestão pretérita e, segundo o senso comum, foi castigada pela internet, ou melhor, pela substituição de serviços postais por ferramentas digitais, nomeadamente a da carta pelo e-mail. “Ou nós vamos recuperar os Correios cortando gastos e procurando encontrar receitas na prestação de serviços adicionais ou nós vamos caminhar para a privatização do todo ou de parte”, disse Kassab.

Mas, como bem é sabido, correios e internet existem em outras partes do mundo. A rigor, no mundo inteiro. E os exemplos de como empresas públicas de serviços postais de outros países vêm tentando superar as dificuldades dos tempos que correm não apontam para cortes de gastos ou tampouco indicam qualquer desespero para achar fontes adicionais de receitas, como sugere o ministro Kassab, muito menos ecoam lamentos sobre a concorrência da rede. Ao contrário. A solução tem sido investimento, e investimento em soluções que acompanhem e atendam o boom mundial do e-commerce, segmento que no Brasil deve crescer até 15% em 2017, segundo o presidente do Conselho de Comércio Eletrônico da FecomercioSP e CEO da Ebit, Pedro Guasti.

Os exemplos são muitos, mundo afora, mas em vez de ir buscá-los nos Correios das nações mais desenvolvidas, sobre os quais sempre se pode dizer que dispõem de recursos fartos para empreitadas mais arrojadas e ambiciosas (o USPS, correio norte-americano, já está testando quiosques de despacho rápido de encomendas dentro de suas agências exclusivos para quem vende no eBay), é prudente ir buscá-los em países que padecem de dificuldades estruturais e conjunturais por certo ainda maiores do que as brasileiras, tendo em vista que Kassab acena com mais uma liquidação de uma empresa pública que até há pouco, muito pouco, era modelo de eficiência em sua atividade porque, segundo ele, o governo não tem recursos para injetar ali.

São países como o Camboja, proibido de tomar empréstimos internacionais por causa de uma dívida não paga com os EUA da época da guerra do Vietnã. Em janeiro último, Ork Bora, diretor geral dos correios cambojanos, anunciou que, depois de um ano de estudo e preparação, a empresa estatal de serviços postais do país lançará ainda no primeiro semestre de 2017 uma plataforma de comércio eletrônico que permitirá a qualquer pessoa, física ou jurídica, usar a internet para vender mercadorias usando a tecnologia de quem também as entrega, reduzindo custos aos varejistas digitais. Além disso, o senhor Bora ressaltou que os correios cambojanos já estavam, àquela altura, entregando nada menos do que 100 toneladas por mês em produtos vendidos pela gigante chinesa de e-commerce Alibaba, em uma parceria de sucesso que já vem rendendo novas e significativas receitas para a estatal.

Na Nigéria, castigada pela fome, por epidemias (como uma atual de meningite), pelo Boko Haram, pela corrupção — sempre ela — e à beira de uma das maiores crises humanitárias do planeta, segundo o Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas (PMA), a empresa pública de correios, a NIPOST, também acaba de anunciar uma série de medidas para modernizar, rentabilizar e dar mais eficiência aos serviços postais. Entre essas medidas, está a estipulação de metas de geração de receitas para os gerentes regionais, dando-lhes autonomia para a criação de novos serviços que atendam às demandas locais e para aperfeiçoar os serviços já existentes. Entre essas medidas está também a criação de um departamento de comércio eletrônico, em consonância com a tendência mundial.

E, ainda no fim de 2016, na República Popular do Bangladesh, país asiático que é do tamanho do Amapá, mas que tem a oitava maior população do mundo, a maioria camponeses pobres e analfabetos, a ministra dos Correios e Telecomunicações, Tarana Halim, anunciou a criação de uma divisão, chamada “Serviços de E-commerce dos Correios”, que é o resultado concreto, a consumação de um acordo firmado anteriormente prevendo que os correios bengalis sejam responsáveis pela entrega de todas as encomendas feitas pela internet às empresas integrantes da Associação de E-commerce do Bangladesh (e-CAB, na sigla em inglês).

Nos últimos anos, o passo mais largo dado pelos Correios do Brasil no sentido de surfar na onda do e-commerce foi a criação em novembro do ano passado do serviço Correios Log, não obstante voltado apenas para os pequenos operadores do comércio eletrônico no Brasil, a quem os Correios oferecem, agora, além de coleta e entrega de mercadorias, também uma solução de logística integrada (e-fulfillment), abrangendo desde a armazenagem e o manuseio das encomendas até a logística reversa. Em “contrapartida”, os Correios mataram um mês depois o seu mais popular serviço de entregas para o e-commerce de pequeno e médio porte, o e-Sedex.

Enquanto isso, os grandes operadores do e-commerce nacional voltam-se para as transportadoras. A B2W, empresa dona das lojas Submarino e Americanas.com, adquiriu há não muito tempo duas transportadoras especializadas em entregas de pequenos volumes. O WalMart tem seus centros de distribuição no Brasil operados pela FedEx. Nenhuma grande varejista do comércio eletrônico brasileiro, com exceção do Mercado Livre, entrega mercadorias pelos correios.

A um local onde a Amazon entrega o livro I de “O Capital”, editado pela Civilização Brasileira, cobrando míseros 7,90 reais de frete (e pagando míseros R$ 3,00 por entrega, mais combustível, ao entregador terceirizado), um vendedor da Estante Virtual, que só entrega pelos Correios, cobra não menos que R$ 13,25 para enviar. Pelo Mercado Envios, a parceria do Mercado Livre com os Correios, o livro chega por R$ 20,00. Tendo em vista que o livro em si dificilmente se compra por menos de 60 reais, é bom pensar, como dizia a material mom de Karl Marx, em juntar algum capital, em vez de só ficar escrevendo — ou, no caso, lendo — sobre ele…

No último domingo, 23 de abril, o colunista da Folha de S.Paulo Janio de Freitas pareceu cantar a pedra sobre uma outra onda, a da liquidação:

“A onda, apenas iniciada, sobre venda dos Correios por causa de prejuízos tem explicação simples. O crescimento das vendas pela internet faz do serviço de entregas um dos negócios mais promissores do Brasil, sendo já sucesso financeiro em muitos países. A conversa de prejuízo, a alegada falta de perspectiva e a liquidação de agências esvaziam o valor da empresa. Para privatização, com grupos já interessados e na ativa, no ano que vem”.

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