terça-feira, 19 de outubro de 2021

No rumo errado

A submissão da Petrobras ao “mercado” resultou em tragédia para o povo brasileiro. O mesmo ocorrerá se venderem os Correios



Carta Capital

Por Flávio Dino

Os Correios tornaram-se o alvo mais recente do ataque aos serviços públicos. Com a inflação descontrolada, o desemprego recorde e a baixa atividade econômica, o governo federal, na falta de uma agenda realmente eficaz, agarra-se na suposta tábua de salvação de sempre: privatizações. A pressa no processo revela o desperto do governo Bolsonaro para apresentar alguma realização econômica, por mais danosa que seja, e aponta para uma crise futura dos serviços postais.

A privatização dos Correios choca-se contra o artigo 21º, inciso X, da Constituição Federal. Quando a exploração por concessões é admitida, tal previsão é expressa n texto magno, como se consta nos incisos XI e XII do mesmo artigo. Ademais, os Correios não podem ser avaliados apenas pela ótica dos negócios. Os defensores da privatização olham unicamente para o mercado de entregas expressas (Sedex) e repetem o mantra de que vão estimular a concorrência. Mas se esquecem dos efeitos na execução de políticas públicas, em um país extenso e com muitas dificuldades de infraestrutura.

Para compreender o quadro, basta analisar o que ocorre com a atividade bancária no Brasil. Não fossem o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Nordeste e o Banco da Amazônia, milhares de cidades simplesmente não teriam qualquer agência bancária. Isto é, as empresas privadas evidentemente priorizam seus negócios e lucros, e é papel do governo ter uma atuação que coloque em primeiro plano o interesse nacional e os direitos da população, daí porque privatizar nem sempre é a melhor opção e nem sempre é permitida pela Constituição.

Os serviços postais têm um papel fundamental de integração territorial do País. Para se ter a dimensão disso, basta dizer que 40% do municípios brasileiros só têm os Correios para enviar e receber encomendas. A empresa faz ainda a gestão dos CEPs, um registro fundamental que serve de base para políticas públicas, empresas e serviços (telefonia, energia, saneamento básico etc.). O governo também utiliza a companhia como braço logístico para transporte de documentos sigilosos, urnas eletrônicas da eleições, insumos, remédios e vacinas. Também emite certificados digitais, algo essencial na economia de hoje.

Há casos sensíveis e preocupantes, como o Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. Os Correios fazem a coleta de todos os malotes com folhas de respostas das provas. Trata-se de torno de 36 mil malotes para 5,5 milhões de provas em 1.689 municípios. É de se imaginar o risco de caos logístico, se houver privatização do atual governo.

A privatização dos Correios afetará ainda vários outros negócios privados. É o caso das editoras de livros, que já mostraram a inviabilidade do comércio eletrônico por meio de serviços postais com “preços de mercado”. Se a venda dos Correios e o marco regulatório forem realizados no padrão Bolsonaro-Guedes, podemos esperar um colapso nas políticas públicas e em atividades das empresas privadas. Basta ver o caos que criaram no País com decisões erradas sobre combustíveis, destruindo a economia de milhões de lares.

Os pontos levantados acima passam longe, muito longe, das cabeças de quem está no atual governo. Bolsonaro e seus assessores estão presos ao projeto neoliberal do século passado, que foi apresentado como a cura de todos os males. Contudo, a privatização nem mesmo equilibrou as contas públicas (sempre a maior promessa dos seus defensores), porque a dívida pública explodiu em face das taxas de juro elevadas. É ridículo, desonesto e falso dizer que se vai vender uma empresa por 1 bilhão de reais para abater parte de uma dívida federal de 5 trilhões de reais.

Nos últimos anos, vários países abandonaram a defesa radical das privatizações. Segundo o TRansnational WInstitute (TNI), 884 serviços foram reestatizados no mundo afora, entre 2000 e 2017. As reclamações mais frequentes são de preços altos dos serviços e falta de investimentos. 

O Brasil tem uma agenda mais urgente e que não passa pelas privatizações: redução da desigualdade de riqueza e renda, combate à miséria, retomada dos crescimento econômico, geração de empregos e mudanças climáticas. O caminho rumo ao futuro anão pode ser o retorno fantasmagórico de algo fracassado. A submissão da Petrobras ao “mercado” resultou em tragédias no atual cenário. O mesmo ocorrerá, caso seja vitoriosa a tese de vender os Correios.

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