sexta-feira, 3 de setembro de 2021

PL 591/2021 - Privatização dos Correios - Duas violações constitucionais


Sem adentrar em demais impropriedades jurídicas constantes do PL aprovado na Câmara dos Deputados, 02 (duas) violações constitucionais são latentes no texto e vulneram de sobremaneira direitos fundamentais relativos à pessoa humana e fundamentos da ordem econômica.

De início, destaca-se que a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XII, garante o sigilo de correspondência:

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

Trata-se de um direito, ou melhor, de uma garantia fundamental, classificada, dentro da categoria dos direitos humanos, como direito de primeira geração, que visa proteger a liberdade individual do cidadão (direitos civis e políticos).

Dito isso, tem-se que no PL 591/2021 existe somente uma citação a esse direito fundamental de todo cidadão brasileiro. De forma genérica, assim dispõe o projeto:

Art. 18. O usuário dos serviços que compõem o SNSP, observado o disposto nesta Lei, tem direito:
I - à inviolabilidade do sigilo da correspondência, ressalvadas as exceções legais;

Entretanto, apesar dessa aparente proteção genérica, os artigos 30 e 31 que preveem, respectivamente, a venda do controle da empresa e o monopólio privado por, no mínimo, 5 anos, acabam por vulnerar, de forma grave, esse direito fundamental, sem qualquer ressalva ou previsão de reprimenda por parte do Poder Público.

Com a alienação total do controle da empresa de Correios para o capital privado, não existe qualquer garantia da manutenção à inviolabilidade das correspondências, considerando que o Estado passará de garantidor e executor do serviço, mandamento Constitucional que foi ignorado durante a tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, para apenas agente regulador.

Assim, a situação da atual tutela integral do Estado passará para a tutela integral privada, ou seja, um operador privado deterá todas as informações relativas aos serviços de correspondência, incluindo aí notificações judiciais, lançamentos de tributos e toda sorte de informações de comunicação escrita da população brasileira, sem falar na estrutura física e de dados com informações individuais protegidas pela Constituição Federal.

Essa pretensão legislativa tal como está posta, sem qualquer garantia ao cidadão, fere diretamente a Constituição Federal de 1988, pois vulnera garantia fundamental, que sequer pode ser afetada por emenda constitucional, por ser considerada cláusula pétrea (Inciso VI, § 4º, artigo 60, CF/88), sendo certa a inconstitucionalidade de tal previsão.

O serviço postal relativo a correspondências sempre foi público e prestado pela União Federal, por se tratar de direito e garantia individual e, nesse sentido, necessitar de especial tutela do Estado, o que deixa de acontecer com a venda integral da empresa de Correios ou de seu controle acionário.

De outro lado, tem-se que o artigo 31 do Projeto de Lei apresenta outra flagrante violação ao texto constitucional, ao estabelecer um monopólio de, no mínimo, 5 (cinco) anos, para a ECT após a venda da empresa para a iniciativa privada.

Essa previsão, além de inconstitucional, escancara a total falta de interesse do mercado privado na prestação do serviço público. Não há nada de liberal e não existe nenhuma justificativa de interesse público que embase a criação de monopólios privados para a prestação de serviços que são constitucionalmente caracterizados como serviços públicos.

Se monopólios públicos são indesejáveis, o monopólio privado é vedado pela Constituição Federal que tem, entre seus fundamentos, a livre iniciativa (artigo I, inciso IV) e como princípio da ordem econômica a livre concorrência (artigo 173, inciso IV).

Portanto, a estipulação do monopólio para uma empresa que passará a ser privada, encontra óbice constitucional, não podendo o Estado brasileiro criar um monopólio privado por lei.

É no mínimo uma idiossincrasia alegar que a ECT, enquanto empresa pública possui vantagens como o monopólio e que, por isso, precisa ser privatizada. E, no mesmo projeto, estabelecer que o monopólio persista, sem garantia de fim, para a exploração por um proprietário privado. Somente a União possui a obrigação constitucional de manter o serviço postal (art. 21, inciso X) e, portanto, apenas ela, enquanto ente público, pode ter o monopólio ou a exclusividade de exploração.

Assim, considerando as vulnerações ao texto constitucional apontadas anteriormente, relativas ao direito fundamental da inviolabilidade e sigilo de correspondência, bem como ao fundamento da livre iniciativa e ao princípio da livre concorrência, tem-se que o PL 591/2021 aprovado na Câmara dos Deputados não possui viabilidade jurídica para ser aprovado pelo Senado Federal; sendo que, eventual aprovação, com a manutenção dos vícios apontados, deverá ser discutida judicialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

No sistema jurídico brasileiro as leis buscam seu plano de validade na Constituição Federal de 1988, de modo que o PL 591/2021 é inconstitucional também nos artigos 30 e 31.


ADCAP – Associação dos Profissionais dos Correios


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