terça-feira, 10 de janeiro de 2017

As empresas estatais torraram R$ 1,86 bilhão em patrocínios olímpicos – valeu?


REVISTA ÉPOCA
7/1/17

A politicagem travestida de investimento esportivo deixou rastros: as companhias comandadas pelo governo não contrataram pesquisas para direcionar gastos ou medir o retorno deles no ciclo da Olimpíada no Rio 

Para uma plateia de políticos, dirigentes esportivos e atletas, em 13 de agosto de 2012, Dilma Rousseff deu a ordem para que órgãos e empresas estatais abrissem as torneiras e fizessem jorrar dinheiro público no esporte. Vestida com seu habitual terno vermelho, em solenidade no Palácio do Planalto, a então presidente deu um sorrisinho de canto de boca e interrompeu seu discurso sobre a pretensão por medalhas na Olimpíada de 2016 para uma piada. “Tenho certeza de que algumas empresas estão com um certo ciúme da Caixa porque a Caixa saiu na frente. Vocês me desculpem essa constatação”, disse. Jorge Hereda, presidente do banco àquela altura, franziu a testa enquanto segurava o queixo com um dos punhos fechados. A presidente se referia ao fato de a Caixa ter largado antes nos parrudos patrocínios ao esporte. Sete companhias comandadas pelo Estado despejaram R$ 1,86 bilhão em patrocínios a esportes olímpicos nos cinco anos entre 2012 e 2016. Caixa, Correios, Banco do Brasil, Petrobras, BNDES, Eletrobras e Infraero dividiram a responsabilidade dada por políticos de financiar mais de 20 modalidades. A Caixa, como brincou Dilma, adiantou-se e teve a maior despesa. Dos cofres dela saíram R$ 730 milhões, mais da metade só para o futebol. Os Correios gastaram R$ 465 milhões. O Banco do Brasil, R$ 463 milhões. A compilação dos dados, inédita, foi feita por ÉPOCA por meio da Lei de Acesso à Informação.

É um valor desproporcional quando comparado ao investimento em outras áreas. A Petrobras não lança uma seleção pública de novos projetos culturais desde 2012. Nos Correios, o esporte ganhou 14 vezes mais que todos os projetos culturais e sociais. Diante da ordem política para gastar, as estatais não se preocuparam em medir ou avaliar o impacto dos investimentos. Em cinco anos a Caixa só fez um monitoramento em redes sociais para checar a opinião das pessoas sobre os patrocínios esportivos. Gastou R$ 172 mil em um levantamento feito por uma empresa não revelada de 24 de abril a 18 de setembro de 2016. De resto, nada. Embora informe que possui contratos com dois institutos de pesquisa, Meta e CP2, nenhuma vez a Caixa pediu a  eles pesquisas sobre a opinião do público para saber se sua marca era lembrada por torcedores, se era associada a algum esporte, entre outras perguntas típicas de empresas privadas que querem saber se estão gastando bem.

Esse foi o comportamento-padrão da empreitada esportiva das estatais. O Banco do Brasil pagou uma vez só por uma pesquisa, em 16 de agosto de 2012, realizada por um instituto chamado Checon. “A finalidade foi avaliar a percepção do banco em marketing esportivo e identificar novas modalidades para futuras associações de marca”, respondeu a estatal pela Lei de Acesso à Informação. Passaram-se mais de quatro anos, o BB gastou R$ 463 milhões em patrocínios esportivos a vôlei de quadra, vôlei de praia, futebol de salão e handebol, mas não fez nenhuma pesquisa posterior para saber se as despesas valeram. Correios, Petrobras, Eletrobras, BNDES e Infraero disseram a ÉPOCA não ter contratado pesquisas para direcionar gastos ou aferir o retorno da gastança. Nem antes, nem depois.

No setor privado o patrocínio esportivo pode ter diversas finalidades. A empresa pode querer usar as competições, as equipes e os atletas para fazer ações de relacionamento com clientes, e aí o retorno é meramente financeiro. Ou pode querer valorizar a marca dela para entrar em novos mercados e chegar a novos públicos. Também vale para a companhia que instala uma fábrica numa nova cidade e faz um patrocínio ao time local para fazer parte da comunidade. O importante é que, se não há pesquisas antes e depois, nenhuma dessas estratégias existe. “Nada do que você não mede pode melhorar”, explica Pedro Daniel, responsável pelo núcleo de esportes na consultoria BDO, que guia os investimentos de algumas empresas na área. “Outro sinal de que as estatais não tiveram um bom retorno é que, se tivessem tido, os principais concorrentes estariam competindo com elas para entrar nesses esportes. Isso não ocorreu.”

Parece que as estatais foram usadas para tapar buraco também nos Jogos Olímpicos. Primeiro, o governo obrigou os Correios a colocar R$ 281 milhões em patrocínios ao Comitê Organizador Internacional (COI). Depois da Olimpíada, na urgência de fechar a conta também dos Jogos Paralímpicos, a Petrobras foi escolhida para gastar mais R$ 10,5 milhões em patrocínio ao evento para deficientes. A operação foi tão estranha que a petroleira pôde usar os símbolos olímpicos em propagandas, algo restrito a patrocinadores do COI. Só que a Olimpíada já tinha acabado. Foi um patrocínio com efeito retroativo. O gasto fez a Petrobras quase dobrar em 2016 o investimento que fazia anualmente aos esportes olímpicos desde 2012.

A farra de investimento público em esportes olímpicos se agrava à medida que acusações de corrupção aparecem entre confederações. Jorge Lacerda, presidente da Confederação Brasileira de Tênis (CBT), é réu na Justiça Federal por peculato. O dirigente é acusado pelo Ministério Público de desviar dinheiro público que iria para a realização de torneio em 2011. A entidade é patrocinada pelos Correios. A Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) também é investigada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal (MPF). Há indícios de superfaturamentos, fraudes em balanços, desvio de recursos públicos, entre outros crimes. A CBDA é mais uma entidade patrocinada pelos Correios. Já a Confederação Brasileira de Basquete (CBB), que era financiada pela Eletrobras até o fim de 2013, sofre intervenção da Federação Internacional de Basquete (Fiba) por má gestão.

Se o investimento das estatais não teve aparentemente intenção de melhorar a imagem das empresas, serviu para nos trazer medalhas, como prometeu Dilma? É sempre complicado fazer uma relação direta entre investimento e resultado esportivo. Enquanto o vôlei de quadra, o vôlei de praia e o judô deram medalhas a brasileiros na Olimpíada carioca, o ciclismo, as lutas associadas e o levantamento de peso, também financiados por dinheiro público, não foram sequer coadjuvantes importantes. O BNDES financiou a canoagem de Isaquias, que deu duas medalhas ao Brasil, prata e bronze, mas gastou com o hipismo de Doda Miranda, o cavaleiro da alta sociedade que conquistou bronzes em Olimpíadas passadas, chegou ao Rio com o “melhor cavalo da vida”, mas ficou fora do pódio. O fato é que a meta imposta por Dilma em 2012, de colocar o Brasil entre os dez primeiros colocados no quadro de medalhas no Rio, não foi cumprida. 

O país ficou em 13º lugar. Se havia alguma pretensão do ponto de vista social, o caminho escolhido – despejar dinheiro em atletas formados – é questionável. “O investimento estatal em esportes que ainda não estão desenvolvidos é fundamental, mas não em esportes de alto rendimento, e sim na base”, opina Daniel, da BDO. Dos cofres das estatais saiu R$ 1,86 bilhão, mas – para elas mesmas, para o esporte e para o contribuinte – ficou a dúvida: valeu?

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