terça-feira, 7 de agosto de 2018


Nos Correios, guinada emblemática

VALOR ECONÔMICO
7/8/18

Na esteira das mudanças tecnológicas e de costumes, que deixam trocas de cartas à beira da extinção e fazem o comércio eletrônico crescer em proporções geométricas, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) acaba de dar uma guinada emblemática. Pela primeira na história da estatal, que completou 355 anos em 2018, as receitas com o segmento concorrencial superaram o faturamento com as atividades do monopólio postal.

As linhas se cruzaram no primeiro trimestre. Desde então, os números seguem rotas cada vez mais distintas e começa a abrir-se uma "boca de jacaré" nos balanços mensais. Em julho, a prestação de serviços em que há concorrência de empresas privadas rendeu R$ 770 milhões. São encomendas (Sedex e PAC), cargas expressas (e-commerce), propaganda (mala direta). Tudo o que fazem pesos-pesados como DHL, UPS e JadLog.

Na contramão, as receitas com serviços de monopólio garantido por lei encolhem e renderam R$ 620 milhões em julho. É o caso de cartas e telegramas, cartões postais, correspondências agrupadas (malotes), contas de luz ou de água, faturas de cartão de crédito - enfim, tudo o que vem dispensando carteiros e migrando gradualmente para o mundo digital.

Só para ficar com um exemplo menos óbvio dessa migração: o governo paulista deixou, neste ano, de enviar aviso postal de cobrança do IPVA e orientou os proprietários de veículos no Estado de São Paulo a acessar seus boletos on-line. Para os Correios, foram cinco milhões de correspondências a menos somente na capital.

No acumulado de 2018, o faturamento será composto por 55% de atividades concorrenciais e 45% de prestação exclusiva da ECT. Olhando para um horizonte de cinco anos, essa relação ficará em 85% a 15%, acredita o presidente Carlos Roberto Fortner.

É uma verdadeira quebra de paradigma. Atuar prioritariamente em um mercado competitivo impõe novos desafios. Indicadores de qualidade precisam melhorar, uma greve pode causar danos permanentes porque ninguém quer ficar dependente de uma empresa sem prazo de entrega definido.

"O que era um usuário torna-se cliente", diz Fortner, que era vice-presidente de finanças e assumiu o comando da estatal em abril. "Restam dois caminhos aos Correios: consolidar-se como 'player' de encomendas e logística ou transformar-se em um insignificante departamento postal do governo."

O executivo diz que já se pode constatar melhoria dos índices no segmento de encomendas desde o início do ano. Mais de 96% das entregas foram feitas no prazo em julho - eram 83% em janeiro. O Sedex está demorando 1,5 dia para chegar ao destinatário e o PAC (entrega não expressa de objetos) alcançou um prazo médio de 4,6 dias, segundo a ECT.

"Temos que aumentar a produtividade para reduzir custos e aproveitar nossos maiores ativos, que são a marca e a capilaridade dos Correios. Estamos presentes em todos os municípios do Brasil."

No segmento de encomendas, uma parceria está sendo costurada com a estatal Ceitec, que fabrica semicondutores no Rio Grande do Sul. A ideia é ter "tags" (etiquetas de identificação) fornecidas pela Ceitec em 100% das encomendas até o fim de 2019, permitindo a rastreabilidade Terça-feira, 7 de agosto de 2018 dos objetos de porta a porta. Hoje são 1,1 milhão por dia - 30% vêm do exterior.

Uma joint venture entre os Correios e a Azul Linhas Aéreas para o transporte exclusivo de cargas por aviões aguarda o aval do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para entrar em vigência. A Azul terá 50,01% e os Correios ficarão com 49,99% da companhia. O objetivo é reduzir custos de transporte em pelo menos 35% com a nova empresa.

Em outra frente para melhorar suas contas, a estatal deflagrou uma iniciativa para combater a evasão de receitas. O executivo calcula que a precificação errada de encomendas, por falha humana ou má-fé, gera perdas de R$ 1 milhão por dia ao caixa dos Correios. Um pente-fino encontrou diferenças de até R$ 479 na tarifação de objetos, evidenciando como esses erros podem custar caro à ECT.

De acordo com Fortner, a situação financeira da empresa está melhorando neste ano. O déficit mensal médio de R$ 130 milhões em 2017 foi reduzido para uma faixa entre R$ 30 milhões e R$ 60 milhões, dependendo do mês. Após uma sequência de prejuízos bilionários, os Correios anunciaram lucro de R$ 667 milhões no ano passado, mas as despesas continuaram superando as receitas. O azul nas contas só foi obtido graças a uma mudança contábil na projeção de gastos futuros com o plano de saúde dos empregados, que agora terá coparticipação, além da exclusão de pais dos titulares.

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