Divulgamos abaixo, resposta da ADCAP à Veja, sobre o artigo "Crise nos Correios: Uso e abuso", publicado em 16/05/25. Confira:
✅ Resposta da ADCAP à Veja
Prezado jornalista,
Lemos com grande interesse o seu artigo "Crise nos Correios: Uso e abuso" publicado na VEJA (https://veja.abril.com.br/coluna/jose-casado/uso-e-abuso-2/), e gostaríamos de compartilhar algumas reflexões sobre a abordagem apresentada.
O texto oferece um panorama detalhado e, em muitos aspectos, preciso da grave situação enfrentada pelos Correios.
É inegável, como bem apontado no artigo, que a empresa enfrenta sérios problemas.
Alguns pontos, como a dimensão nacional da crise, dada a presença dos Correios em 5.570 municípios, e os números financeiros alarmantes – faturamento de R$ 20 bilhões contra despesas de R$ 24 bilhões no ano passado - reforçam a gravidade do quadro, como detalhado no artigo.
A análise sobre o "uso e abuso político de empresas públicas e seus fundos de pensão" como fonte de negócios para dirigentes partidários e operadores financeiros, e a menção aos Correios como um "caso exemplar das sequelas deixadas numa empresa estatal pelo loteamento político por longo período", são pontos cruciais a serem investigados pelos órgãos de controle para comprovação da prática e responsabilização dos responsáveis e, infelizmente, recorrente na história recente da empresa.
A imobilidade do governo e do Congresso em decidir o futuro da empresa, aprisionados no debate entre estatização e privatização é um outro aspecto que o artigo aborda e que merece atenção.
No entanto, ao ponderar sobre o desfecho previsível de que "outra vez, quem vai pagar é a sociedade", talvez haja espaço para uma análise mais aprofundada sobre fatores que, se devidamente enfrentados, poderiam oferecer um alternativa à existência e funcionamento da centenária organização, mesmo diante do cenário desafiador. Além disso, cabe pontuar que o contribuinte paga por problemas em empresas privadas, como aconteceu com o PROER, programa criado para salvar bancos privados da falência, com os jabutis inseridos na CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) para viabilizar a privatização da Eletrobrás e também através da renúncia fiscal, estimada em R$ 543 bilhões para 2025.
Um ponto que merece ser ressaltado é o impacto da descapitalização da empresa pelo próprio governo em anos recentes, através da retirada excessiva de dividendos, medida inadequada que estrangularia qualquer empresa, mesmo privada. Embora o artigo mencione a má gestão e a corrupção como fatores que inflaram as dívidas, a prática de retirar lucros de estatais para reforçar o caixa do Tesouro, muitas vezes em patamares ilegais ( foi o que ocorreu no caso dos Correios), pode minar a capacidade de investimento da empresa em modernização, renovação tecnológica e atualização da infraestrutura. Sem recursos para esses investimentos, torna-se ainda mais difícil para os Correios competir em um mercado dinâmico e exigente. Essa descapitalização, superior a 5 bilhões de reais, embora não detalhada no artigo, é um fator externo relevante imposto à gestão da empresa que originou suas dificuldades financeiras e operacionais.
Adicionalmente, é fundamental considerar o contexto do principal setor de atuação dos Correios: o comércio eletrônico. O artigo foca na perda de participação no mercado de entregas tipo Sedex, que é um segmento específico. Contudo, o mercado de e-commerce como um todo tem apresentado um crescimento exponencial no Brasil nos últimos anos. Esse crescimento representa uma vasta oportunidade para os Correios, dada a sua capilaridade única em todo o território nacional.
Enquanto concorrentes privados podem ter maior eficiência em grandes centros urbanos ou rotas de alto volume, a capacidade dos Correios de chegar a todos os municípios, mesmo aqueles onde a operação é deficitária, é um diferencial estratégico, aliado a força e reconhecimento da sua marca. Se a empresa conseguir superar os problemas de gestão, eficiência e investimento (possivelmente mitigando o impacto da retirada de dividendos e combatendo o uso político), ela estaria posicionada de forma privilegiada para capturar uma fatia significativa desse mercado em expansão. A crise atual pode ser vista não apenas como um sintoma de decadência, mas também como um ponto de inflexão onde, com as reformas e investimentos corretos, a empresa poderia se reestruturar para atender à crescente demanda do e-commerce.
Portanto, embora o seu artigo apresente uma análise rigorosa e necessária dos problemas que assolam os Correios, e o desfecho de uma nova conta para a sociedade seja um risco real e provável se nada mudar, acredito que a narrativa pode ser complementada ao se considerar o impacto da descapitalização imposta pelo acionista controlador (o governo) e, paradoxalmente, o imenso potencial de mercado representado pelo crescimento do comércio eletrônico. Enfrentar a crise exige, sim, combater o uso político e a ineficiência, como o artigo sugere, mas também passa por permitir que a empresa retome programas de desenvolvimento dos seus recursos humanos e capital para investir e se posicione estrategicamente para aproveitar as oportunidades de um mercado em franca expansão.
A situação é complexa, e a solução não é simples, mas talvez o fôlego dos Correios ainda não tenha se esgotado completamente. Dependerá, em grande parte, da capacidade de se promover uma gestão verdadeiramente profissional, livre das amarras da ingerência político-partidária e com foco na eficiência e no aproveitamento das oportunidades de mercado, algo que, como o artigo demonstra, tem sido um desafio histórico para a empresa.
Só há um responsável pela salvação ou derrocada dos Correios - seu acionista o Governo Federal.
Agradecemos a oportunidade de compartilhar essas reflexões e parabenizo-o(a) pela relevância do tema abordado.
Direção Nacional da ADCAP.
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Leia matéria na íntegra:
Uso e abuso
Desfecho da crise dos Correios é previsível: outra vez, quem vai pagar é a sociedade
Publicado em VEJA
de 16 de maio de 2025, edição nº 2944
Depois de 362 anos de monopólio, os Correios perderam o fôlego. Já nem conseguem cumprir o antigo compromisso de entregar em até 72 horas documentos despachados pelo serviço expresso na região Sudeste.
A empresa continua cobrando 40 reais para transportar uma folha de papel até um endereço a 800 quilômetros de distância da Avenida Paulista. O prazo, porém, mudou. O tempo agora é incerto como bilhete de loteria: um envelope Sedex de 50 gramas pode demorar três, dez, quinze dias ou mais para chegar ao destino.
Assiste-se ao derretimento de uma corporação estatal singular pela longevidade e, também, pela presença em 5 570 municípios, o que dá dimensão nacional à crise.
Os Correios faturam 20 bilhões de reais por ano, mas gastam 24 bilhões para manter as portas abertas de segunda a sexta-feira — aumento de 8% nas despesas no ano passado. Acumulam dívidas ainda imprecisas nos balanços contábeis, infladas em parte por corrupção e agravadas por má gestão.
O uso e abuso político de empresas públicas e seus fundos de pensão se tornou uma fonte de negócios para dirigentes de partidos e operadores financeiros, nas últimas três décadas, invariavelmente com altas taxas de lucratividade.
Os Correios são caso exemplar das sequelas deixadas numa empresa estatal pelo loteamento político por longo período para usufruto no espectro partidário — do PT de Lula ao PL de Jair Bolsonaro, entre outros.
Na época das investigações sobre o mensalão, no primeiro governo Lula, a empresa chegou a ter 525 categorias de irregularidades auditadas em dois terços de seus contratos comerciais, todas classificadas como graves e de alto risco para os cofres públicos.
Na década passada, delinquências em série levaram o fundo de pensão Postalis à quebra, com perdas bilionárias e irreversíveis para a estatal e seus empregados.
Aos abalos financeiros somou-se o declínio no mercado. A empresa era responsável por quase metade dos serviços postais no país em 2019 e hoje domina menos de um terço do mercado de entregas do tipo Sedex. O despacho expresso de encomendas e documentos é o “filé” do setor e, até agora, permitia à empresa pública financiar uma rede de 10 000 agências, das quais apenas 1 500 não dão prejuízo.
A decadência empresarial acabou acelerada pela imobilidade do governo e do Congresso, que não conseguem chegar a uma conclusão sobre o que é melhor para o país: reconstruir a estatal ou simplesmente se livrar dos Correios.
O debate é rarefeito e, quando ocorre, acaba aprisionado na esgrima retórica sobre estatização ou privatização. Por conveniência política, a discussão fica distanciada de aspectos relevantes da vida da empresa e sua relação com os clientes. Por exemplo, os Correios não sabem, porque não têm controle, quanta encomenda ou correspondência efetivamente entregam em casa ou guardam em depósito até que o destinatário retire. Não há preocupação com eficiência e qualidade na prestação de serviços postais ao público pagante.
Em contrapartida, interesses corporativos e sindicais prevalecem. Raras são as empresas que sobrevivem a uma greve por ano durante uma década e meia. Os Correios conseguiram e seguem existindo apenas porque pertencem ao Estado brasileiro. A rotina do grevismo numa das maiores empregadoras do país virou meio de vida para uma parte da burocracia que governa quatro dezenas de organizações sindicais.
A conta chegou. O primeiro trimestre foi pontuado por intermitências nos pagamentos do plano de saúde, em aluguéis de imóveis em alguns estados e nos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Na semana passada as transportadoras terceirizadas suspenderam serviços depois de três meses sem receber. Então, os Correios se declararam à beira do abismo. Anunciaram cortes salariais, redução da jornada de trabalho, incentivo a demissões voluntárias e suspensão do pagamento de férias.
A reação dos sindicalistas foi inusitada. Antes de procurar a empresa para negociação, uma federação setorial e seus 31 sindicatos filiados pediu uma audiência a Lula, no Palácio do Planalto, e divulgou uma carta com advertências ao governo: “Não aceitaremos retrocessos ou retirada de direitos, elegemos este governo com a esperança de reconstruir tudo o que foi desmontado”.
É uma nova crise na velha empresa estatal com o desfecho previsível de sempre: vai sobrar mais uma conta para a sociedade.