quarta-feira, 28 de julho de 2021

PL-591/2021 – Sucessivos erros e os riscos para os brasileiros



O PL-591/2021 que trata da reorganização do setor postal, mas que tem como foco principal a privatização dos Correios, como tem sido amplamente noticiado pela imprensa, traz consigo um conjunto de erros e pode colocar em risco um dos serviços públicos que alcança, de forma democrática e acessível, todos os brasileiros.

Inconstitucionalidade
O projeto já nasce com um vício incontornável: é inconstitucional. A Constituição Federal é bem clara a respeito da responsabilidade da União de manter o serviço postal, a ponto de na ADI-6635, que discute a constitucionalidade desse movimento do governo federal, a Procuradoria Geral da República já ter afirmado, por duas vezes, que não se pode privatizar a parte do serviço postal que integra a área de reserva, mais comumente tratada por monopólio. Por consequência, a inclusão dos Correios no PPI e no PND não se sustenta, pois dependeria de uma emenda à Constituição, o que não foi feito.

Inexistência de fundamentação técnica prévia
O projeto foi originalmente entregue ao governo em outubro de 2020, antes mesmo que se tivesse notícia dos estudos que estavam sendo conduzidos ou seriam conduzidos pelo BNDES. Tais estudos, feitos, portanto, depois da apresentação do projeto, ficaram sempre restritos ao governo, o que impossibilitou qualquer avaliação, por mais singela que fosse, de seu conteúdo. Não se teve contato com o conteúdo dos estudos, não se pôde debatê-los e, menos ainda, buscar outras opiniões para validar ou não as premissas e conclusões. Num quadro assim é possível cogitar que tais estudos foram realizados tão somente para validar uma decisão que o governo desejava tomar por razões ideológicas ou de outra ordem, mas não por motivação tecnicamente embasada.

Processo legislativo inadequado
Não bastasse as falhas de concepção do projeto, no legislativo o tratamento dado ao projeto até agora é inconcebível: a proposta de urgência foi aprovada e o projeto confiado a um relator; não houve sequer a constituição de uma comissão especial. Assim, o projeto, apesar de sua relevância para a vida dos brasileiros, não passou pelas comissões técnicas da Câmara dos Deputados e agora, conforme tem declarado o Presidente da Câmara, pode ser levado a qualquer momento à votação no Plenário. Como um parlamento pode votar algo tão relevante assim dessa forma?

Falhas no projeto
A forma e a pressa com que se conduziu o processo legislativo até agora resultou num projeto com muitas falhas graves e que é praticamente a proposta apresentada pelo governo com pouquíssimos ajustes feitos pelo relator. Nem mesmo as inúmeras emendas apresentadas – mais de uma centena – foram consideradas. O correto teria sido que cada emenda fosse criteriosamente apreciada na passagem do projeto pelas comissões técnicas ou, no mínimo, que tivessem sido apreciadas com atenção numa comissão especial. Nada disso foi feito e o projeto caminha para ser levado a plenário sem as avaliações técnicas de comissões e sem a apreciação prévia das emendas, algo completamente fora do aceitável; uma verdadeira afronta aos brasileiros, no estilo “passar a boiada”.

Riscos para os cidadãos, empresas, governo e mercado
Da forma como tem sido conduzida a tramitação do PL-591/2021, estão sendo criados riscos muito sérios para os cidadãos, para as empresas, para o próprio governo e para o mercado.

Os cidadãos podem passar a pagar muito mais pelo serviço e ter o atendimento piorado, como aconteceu em Portugal.

As empresas podem enfrentar aumento de preços e até ver suas operações de comércio eletrônico inviabilizadas.

O governo, que conta com os Correios hoje para desenvolver grandes projetos de logística, como a distribuição de livros didáticos, de medicamentos e de urnas eletrônicas, pode enfrentar aumento expressivo de preços, já que os Correios trabalham nesses projetos com margens extremamente apertadas, sem contar a questão da fé pública, do sigilo e da segurança.

E o mercado pode também ser afetado, incluindo os players que atuam hoje no segmento de encomendas e que passarão a ser regulamentados, as franquias, que poderão enfrentar modificações ou até a descontinuidade em seus contratos, os grandes marketplaces, que poderão ter seus custos elevados e eventualmente passarem a depender de um concorrente para a realização de suas entregas.

Enfim, a privatização dos Correios só beneficiará mesmo os que sempre ganham: especuladores, intermediários e banqueiros.

Nesse contexto, se, induzida por sua Presidência, a Câmara dos Deputados for capaz de votar o PL-591/2021 e lograr êxito em sua aprovação, nos restará esperar que o Senado trate o assunto com a responsabilidade e o respeito devidos. Ou então que o STF delibere pela inconstitucionalidade da iniciativa.

 

ADCAP – Associação dos Profissionais dos Correios    

 

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