Os 5 erros que levaram os Correios à penúria
Exame
14/03/2018
14/03/2018
A recente greve dos funcionários dos Correios,
que terminou ontem na maioria dos Estados, é mais um capítulo da crise
instalada há anos na estatal. Reclamações de usuários insatisfeitos brotam aos
montes na internet, com relatos de atrasos e extravios de entregas.Junto a isso
vem a briga com um de seus principais clientes, o Mercado Livre, que
recentemente ganhou na Justiça uma liminar contra o aumento do preço do frete.
E, é claro, há ainda as perdas bilionárias:
há cinco anos que empresa opera no vermelho; só em 2017 o prejuízo foi de 2
bilhões de reais.
Um cenário tão sombrio obviamente não surge
da noite para o dia. E o fato é que os Correios têm tomado decisões ruins há
muito tempo. Um relatório da CGU (Controladoria Geral da União) publicado no
final do ano passado apontava que os Correios corriam o risco de se tornarem
uma empresa dependente do Estado, caso não fizesse mudanças drásticas em sua
administração.
O site EXAME conversou com analistas para
entender quais foram os principais erros da companhia que a levaram ladeira
abaixo – e quais os caminhos de saída ainda restam para a empresa. Veja a
seguir:
1- Aparelhamento político
O uso dos cargos de direção dos Correios como moeda de troca política é apontado como o principal nó causador de estragos na companhia ao longo dos anos. A indicação política de diretores, e até de cargos de escalões mais baixos, tem colocado a estatal nas mãos de pessoas com pouca experiência em gestão, avaliam os analistas.
Com mais de 100 mil funcionários e 6 mil
agências espalhadas pelo país, a estatal tem uma estrutura complexa e precisa
ser administrada por quem entenda sua operação.
“A politização cresceu na empresa. Hoje os
políticos indicam, se brincar, até chefe da agencia. Isso comprometeu a
qualidade da gestão. Essas pessoas adotam medidas que só pioram a situação,
querem economizar cortando onde não pode cortar”, afirma Marcos César Alves
Silva, representante dos funcionários no Conselho de Administração da empresa.
2 – Retirada de dividendos
Nos últimos anos, o governo federal retirou nada menos que 6 bilhões de reais do caixa dos Correios, segundo o presidente da estatal Guilherme Campos, o que comprometeu a saúde financeira da empresa.
O estatuto dos Correios determina um
percentual mínimo de 25% do lucro líquido ajustado para pagamento de dividendos
à União.
Porém, uma auditoria feita pela CGU
(Controladoria Geral da União) mostrou que as retiradas nos últimos anos têm
ficado bem acima desse montante, com “a destinação de dividendos na ordem de
50% do lucro, por determinação da União, desde o exercício de 2006”, diz o
relatório.
3 – Tarifas congeladas e mais custos
Não bastassem as gordas retiradas, o governo federal também definiu o congelamento das tarifas no período entre 2012 e 2014, o que levou a uma perda de receita da ordem de 1,2 bilhão de reais na época, afirma Silva.
Somado a isso, em 2014 também entrou em vigor
uma regra que obriga os Correios a considerarem em seu balanço os benefícios
pós-emprego. Esses benefícios são destinados aos empregados aposentados e são
compostos, basicamente, por serviços médicos para eles e seus dependentes e
previdência complementar. Os custos do pós-emprego são altos e comeram os
lucros.
4 – Cortes equivocados
As medidas relatadas acima deixaram a estatal com o caixa super apertado e uma solução foi reduzir a empresa. Só em 2017, os Correios fizeram três planos de demissão voluntária, com a meta de fechar 8.200 vagas. Outra estratégia foi fechar agências. No ano passado a empresa anunciou o fechamento de 250 unidades.
Porém, isso se refletiu numa queda na
qualidade do serviço, sentida pelo usuário que demora mais tempo para receber a
correspondência ou precisa ir mais longe para encontrar uma agêncial postal.
“O foco era diminuir custos da folha
salarial, mas fizeram isso sem correlacionar com a qualidade do serviço prestado”,
avalia Tadeu Gomes Teixeira, professor de administração na Universidade Federal
do Maranhão e autor de um livro sobre os Correios.
“A empresa precisa redimensionar o tamanho
dos distritos de distribuição e contratar mais carteiros, pois a população que
não é atendida que percebe o quanto o serviço está ruim, além das atividades
empresariais que precisam do serviço postal”, completa.
5 – Distância do e-commerce
Paradoxalmente, a crise dos Correios acontece num momento em que o mercado de encomendas cresce em todo o mundo, devido à expansão do e-commerce. Segundo a ABComm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), esse mercado tem crescido a uma média 20% ao ano, alta que não tem sido acompanhada pela estatal.
“Eles têm perdido oportunidades, as lojas
virtuais estão buscando transportadoras privadas, e a participação dos Correios
nas entregas tem diminuído”, afirma Mauricio Salvador, presidente da entidade.
Salvador cita experiências internacionais que
mostram caminhos possíveis aos Correios, como os serviços postais da França e
da Alemanha. Segundo ele, um ponto crucial é o investimento em tecnologia.
“Há uma má gestão em relação ao uso do
capital. Eles poderiam investir em integração de sistemas e automação dos
centros de distribuição. A tendência lá fora é essa. A DHL é totalmente
automatizada, isso reduz preço e aumenta o nível de qualidade e rapidez das
entregas”, afirma.
Qual a saída?
Com tantos problemas, o governo federal já levantou a possibilidade de privatizar a ECT, ou ainda abrir o capital da empresa. Salvador, da ABComm, é uma das vozes favoráveis à privatização. “O governo não tem competência para administrar”, avalia.
Porém, há o temor de que, privatizada, a
empresa deixe de atender lugares distantes, pouco lucrativos para a operação.
Para Tadeu Teixeira, a privatização não deve ser a primeira opção, mas a
abertura do capital da empresa. “No contexto da União Europeia, as
privatizações conduziram a um rápido processo de formação de oligopólios. Além
disso, o atendimento a áreas não rentáveis ficaria em risco”, avalia.
Já o conselheiro Marcos César Alves Silva,
acredita que a discussão sobre a privatização surge de forma equivocada. “A
solução é fazer a gestão profissional da empresa. Não tenho dúvidas de que com
isso seríamos uma empresa lucrativa.”
Seja qual for o caminho escolhido, uma coisa
é certa: algo precisa mudar.
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