terça-feira, 9 de outubro de 2018


CVM abre novo processo para apurar fraude no Postalis

VALOR ECONÔMICO
8/10/18

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu um novo processo sancionador para apurar a existência de operações fraudulentas em uma emissão de R$ 72 milhões em debêntures que acabou causando prejuízo ao Postalis, fundo de pensão dos Correios. O termo de acusação obtido pelo Valor diz que a oferta foi planejada com objetivo de obter ganho ilícito da operação.

Os acusados no caso são a emissora dos títulos, conhecida como RO Participações, e seus sócios Arthur Pinheiro Machado e Francisco do Amaral Valente, além da corretora Socopa, que atuou como agente fiduciário.

O Postalis acumula denúncias de má gestão, corrupção e fraude que contribuíram para o déficit atual de quase R$ 7 bilhões no plano de benefício definido e o levaram à intervenção há cerca de um ano, determinada pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc).

Também foi um dos alvos da Operação Greenfield em setembro de 2016, que apurou desvios de recursos nas principais fundações do país.

O novo processo surgiu a partir de investigações iniciadas em 2014 com o objetivo de apurar irregularidades detectadas pela Superintendência de Fiscalização em instituições ligadas ao grupo BNY Mellon que atuaram na emissão da RO Participações e na aquisição dos títulos pelo fundo de investimento Pacific. O BNY era gestor e administrador da carteira. E a emissão, realizada em 2012, seguiu o rito da instrução 476, por se tratar de oferta com esforços restritos de colocação, e, portanto, sem necessidade de registro do regulador.

A captação de R$ 72 milhões por meio da emissão de debêntures foi usada pela RO para financiar a aquisição de 30% do capital social da consultoria Risk Office. Do total levantado, R$ 13 milhões destinaram-se ao pagamento das despesas da operação. A CVM identificou que, à época da emissão, os controladores da RO eram sócios de empresas que, juntamente com o Postalis, detinham cerca de 93% das cotas do FIP ETB -- dono da Americas Trading Group (ATG). A empresa seria sócia da Risk Office no projeto de criação de uma câmara de compensação de uma bolsa de valores para concorrer com a B3. Machado era presidente da ATG.

"Em se concretizando essa sociedade, o Postalis financiaria esse projeto pelas duas pontas", diz a CVM. O FIP ETB foi um dos investimentos do Postalis investigados na operação Pausare, da Polícia Federal -- na ocasião, Machado e Valente foram alvos de condução coercitiva. Meses mais tarde, em uma nova ação da PF, Machado foi preso preventivamente na operação Rizoma, que além do Postalis também investigou desvios no Serpros.

A acusação diz que há "ampla documentação de suporte que comprova que ocorreu a utilização de ardil ou artifício por parte dos sócios da RO Participações". Segundo a CVM, Machado e Valente "planejaram e executaram a emissão das debêntures da RO Participações com o objetivo de obter ganho ilícito advindo dessa emissão". O documento também afirma que "restou claro que a RO Participações obteve ganho de cerca de R$ 13 milhões, advindos das chamadas 'despesas de emissão', pagas pelo fundo -- e indiretamente pelo Postalis -- no momento da emissão".

Segundo a CVM, no processo que acusa Machado e seu sócio foi identificado um "modus operandi" para executar as supostas operações fraudulentas, entre outras irregularidades, no mercado de valores mobiliários que é similar a outros casos julgados ou ainda sob análise do regulador. "O Postalis faz aportes financeiros substanciais em fundos exclusivos que são geridos e administrados por instituições do grupo BNY Mellon que, por sua vez, aplica esses mesmos recursos em outros fundos de investimento (também exclusivos do primeiro fundo) que têm como administrador a BNY Mellon DTVM e, por vezes, a BNY Mellon Ativos como gestora", diz o termo de acusação.

Um exemplo foi o caso julgado pela CVM em 2017 e que rendeu uma multa de R$ 111,4 milhões ao sócio da gestora Atlântica, Fabrizio Dulcetti Neves por fraude no Postalis. A investigação referiu-se a desvios de recursos de US$ 79 milhões do fundo Brasil Sovereign II, que tinha o fundo de pensão dos Correios como único cotista e a gestora Atlântica como responsável. Outro processo sancionador, ainda em andamento, envolve os fundos Real Sovereign e o Sovereign II.

Conforme o Valor noticiou no fim de 2015, entre os sete acusados estão o ex-presidente da fundação, Alexej Predtechensky, o próprio BNY e Fabrizio Dulcetti Neves.

No novo processo, a fiscalização da CVM identificou ainda outras irregularidades como informações contraditórias relativas às garantias da emissão, trazidas na escritura e nos relatórios produzidos pela agência de classificação de risco LF Rating -- também alvo da Pausare e de investigações da própria CVM em outros casos, como o que suspendeu agentes do mercado de atuar em ofertas 476.

A acusação apontou o "elevado custo de emissão com pagamentos a intermediários", fora dos padrões de mercado em ofertas semelhantes, e o prazo de maturação das debêntures "excessivamente longo". Machado aparecia ainda como sócio de diversas empresas que participaram da estruturação da emissão, caracterizando conflito de interesses, caso da Victrix, empresa utilizada para estruturar a emissão.

Em relação à Socopa, constatou-se que ela não observou as discrepâncias que havia entre as informações sobre as garantias dadas pela emissora e as utilizadas pela LF Rating na avaliação dos riscos. A corretora disse que agiu de forma legal e teve a diligência necessária. "A Socopa não é acusada no processo de qualquer comportamento fraudulento na sua atuação e vai responder os questionamentos que lhe foram feitos no prazo estabelecido pelo regulador", disse.

Procurada, a defesa de Valente argumentou que ele nunca teve qualquer envolvimento além do dia a dia do negócio. Disse também que não há provas que os ligue aos maus feitos e que ele não obteve benefícios. Machado não comentou. Os acusados têm até 4 de dezembro para apresentar suas defesas ao regulador.

A CVM já analisou o mesmo caso com foco na atuação do BNY Mellon, em processo julgado em julho. Como resultado, o ex-presidente do banco no Brasil, José Carlos de Oliveira, foi impedido de atuar no mercado por três anos. A gestora de recursos foi multada em R$ 7,2 milhões -- valor que corresponde a 10% da emissão. A administradora do BNY foi absolvida.

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