Adcap Net 24/07/2020 - Veja - matéria e contraponto - Veja mais!
Correios: funcionários querem greve por privilégios como ‘bônus de férias’
Em meio à pandemia, eles ameaçam parar.
Motivo: a direção da empresa quer acabar com benesses como 'vale-peru' e
'vale-cultura
Veja
24/07/2020
24/07/2020
No Brasil, que sofre com a pandemia do
coronavírus, milhões de trabalhadores perderam o emprego, mais alguns
milhões tiveram o salário suspenso ou reduzido e outros tantos milhões
estão vivendo à custa do auxílio emergencial do governo. Enquanto uns
sofrem, outros lutam para manter suas benesses. Na última quarta-feira,
funcionários dos Correios realizaram uma assembleia em Brasília. Na pauta,
a aprovação de um indicativo de greve — proposta que, num primeiro
momento, chamaria atenção apenas por ocorrer numa situação absolutamente
inoportuna. Mas ela ganha contornos de bandalha quando se verifica que a
motivação dos trabalhadores para cruzar os braços é evitar o corte de
determinados privilégios e beira o escárnio quando se descobre a que se
referem os tais mimos.
Os Correios têm quase 100 000 funcionários, 6
000 agências espalhadas pelo país e um faturamento superior a 18 bilhões
de reais, mas, nos últimos anos, enfrentam uma crise financeira sem precedente.
Se fosse uma empresa privada, provavelmente teria fechado as portas,
abatida por um prejuízo que ultrapassa 2,4 bilhões de reais. Seguindo os
manuais ortodoxos de administração, a estatal decidiu recentemente promover uma
série de cortes de despesa. Um dos alvos da tesoura é o pacote de
benefícios dos empregados. Um exemplo: a lei garante ao trabalhador o
direito de receber um abono de férias correspondente a um terço de seu salário.
Os Correios pagam dois terços. Além disso, mesmo em férias, o funcionário
ainda recebe 1 000 reais de vale-alimentação. Outro exemplo: a
licença-maternidade na estatal é de até 180 dias — dois meses a mais que o previsto
em lei. Há ainda um auxílio-creche para crianças até 7 anos (que, nessa
idade, em tese, já não estariam mais na creche), um “vale-cultura” mensal
e um inusitado “vale-peru” anual, como é chamado o pagamento de um
bônus natalino de 1 000 reais.
Diante dos números superlativos dos Correios,
esses privilégios parecem penduricalhos sem importância. Mas, nos cálculos
da própria estatal, custam cerca de 600 milhões de reais por ano. “Os
benefícios estão sendo tirados porque a empresa não tem capacidade financeira
nem condição de sustentar perante a sociedade a preservação deles em um
momento tão difícil”, diz o general Floriano Peixoto, presidente da estatal
(veja a entrevista na pág. 44). No ano passado, já em fase de restrições,
os Correios registraram lucro, mas a recuperação, assim como aconteceu com
outras empresas, foi interrompida com a chegada da pandemia. Em um
comparativo com o primeiro semestre de 2019, a receita despencou. Apesar de a
crise ter aumentado em 30% o movimento do setor de encomendas, o
faturamento no segmento de cartas e correspondências sofreu uma redução de
820 milhões de reais, quando se compara o primeiro semestre deste ano com o
mesmo período do ano anterior.
Em mensagem enviada aos funcionários, a
estatal ressaltou que ainda houve gastos extras motivados pela pandemia,
provocados pelo fechamento temporário de algumas unidades e a contratação de
mão de obra terceirizada para compensar o afastamento de funcionários, e
pediu a compreensão de todos. O argumento, no entanto, não sensibilizou a
categoria, que promete paralisar as atividades em agosto. “O que está
acontecendo é algo completamente fora do esquadro, coisa de ditadura, não
tem cabimento. Como que, de uma hora para outra, fala-se em ignorar tudo o
que foi negociado ao longo de anos?”, arma Marcos César Alves,
vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios.
Ele lembra que metade do quadro funcional dos Correios é formada por
carteiros, que têm salário inicial de 1 757 reais, fora os benefícios. A
estatal, por sua vez, calcula em 4 000 reais a remuneração média de seus
funcionários. Hoje, a folha de pagamentos gira em torno de inacreditáveis
12 bilhões de reais (alô, Paulo Guedes!).
A Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) foi
criada durante a ditadura militar, em 1969, época em que a maior parte das
comunicações de longa distância era realizada por meio de cartas. “Por mim,
privatizava tudo, porque assim vai se desmobilizando uma atividade que já
está quase em extinção”, diz a economista Elena Landau. O próprio presidente
Bolsonaro anunciou, logo no início da gestão em uma entrevista a VEJA, a
intenção de privatizar os Correios até 2021. A proposta, porém, ainda
engatinha. A primeira etapa do processo, cuja responsabilidade é do BNDES,
é a contratação de uma consultoria que vai se debruçar sobre a situação
da empresa e traçar uma estratégia sobre o melhor formato de venda.
Calcula-se que esses estudos, quando iniciados, levem de dois a três meses
para ser concluídos. Na sequência, vem a parte mais complicada: a negociação
política.
Ao lado do Ministério da Economia e da
Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos, a privatização será
tocada pelo Ministério das Comunicações, recém-assumido pelo deputado Fábio
Faria. A missão do ministro será convencer deputados e senadores,
historicamente refratários a privatizações, a encampar a proposta. Quem
acompanha de perto o Congresso demonstra total incredulidade com o avanço da
medida no curto prazo. Isso porque, além da conhecida má vontade dos
parlamentares em relação ao tema, o ano legislativo já está praticamente
encerrado em razão do calendário eleitoral. “Além disso, o presidente não
vai querer começar a discutir um projeto de privatização polêmico e
desgastante faltando um ano para a eleição”, aposta um experiente
parlamentar. A equipe do ministro Paulo Guedes, otimista, arma que o processo
será concluído até julho do ano que vem. Já a greve dos servidores está
programada para começar no próximo dia 4.
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Correios – Em resposta à matéria publicada na
edição da revista Veja de 24/07/2020
Ao longo de minha
vida, tive inúmeras oportunidades de conversar com a imprensa e sempre procurei
atender os jornalistas da melhor forma possível, oferecendo-lhes o máximo de
informação para que pudessem construir suas matérias, ainda que soubesse que poderiam
aproveitar pouco ou nada daquele material. Afinal, tratava-se apenas da opinião
de um técnico ou de um representante dos trabalhadores e não de uma autoridade,
como um ministro ou um presidente de estatal.
Em diversas ocasiões,
nosso posicionamento - e aqui incluo a ADCAP – Associação dos Profissionais dos
Correios, da qual sou vice-presidente - foi apresentado e detalhado, inclusive
como contraponto à posição oficial a respeito de determinados temas,
enriquecendo as matérias e permitindo aos leitores que formassem seu julgamento
ouvindo os dois lados. Penso que a boa história deve ser construída assim e,
por acreditar firmemente nisso, sempre atenderei dessa forma os jornalistas que
me procurarem.
Nesta semana, tive
oportunidade de conversar por alguns minutos com uma repórter da revista Veja,
atendendo contato por e-mail. Como sempre faço, procurei oferecer uma série de
informações sobre os Correios e respondi a todas as questões que me foram
formuladas. Porém, a matéria que saiu publicada hoje, dia 24/07/2020, trouxe
uma abordagem que não faz jus à verdade dos fatos. Desta forma, tratarei a
seguir dos pontos que abordei com a jornalista e que não foram trazidos na
matéria, além de afirmações equivocadas e enviesadas ali mencionadas.
Inicialmente, a matéria
trata como “benesses” os benefícios que os trabalhadores dos Correios possuem e
que se originaram de negociações trabalhistas realizadas ao longo do tempo, nas
quais, em muitas ocasiões, a própria Empresa propôs uma pequena melhoria num
benefício em troca de um reajuste salarial menor. E tudo isso materializado em
acordos coletivos de trabalho, muitos deles mediados formalmente pela própria
Justiça do Trabalho.
Não se trata,
portanto, de algo que possa ser reduzido simplesmente a “benesses”, como faz a
matéria, e, muito menos, de afirmar que “enquanto uns sofrem, outros lutam para
manter suas benesses”, pois essa afirmação constitui uma grande injustiça com
os trabalhadores dos Correios, que estão entre os que continuaram e continuam
trabalhando durante a pandemia e colocando suas vidas em risco para garantir a
prestação de um serviço que é essencial. Os trabalhadores dos Correios lutam
para que seus direitos sejam respeitados.
Ao tratar a aprovação
de indicativo de greve como “bandalha”, a matéria ignora completamente uma
série de fatores que estão levando os sindicatos e federações a ficarem sem
saída nas negociações trabalhistas deste ano, diante da possibilidade de os
trabalhadores perderem, em plena pandemia, uma parte expressiva de sua
remuneração, que é, em média, a menor dentre todas as estatais federais, fato
não destacado na matéria.
O acordo trabalhista
vigente deveria se estender até agosto de 2021, conforme trazido no acórdão do
dissídio. A direção dos Correios, porém, após o julgamento no TST, procurou o
Presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e obteve dele uma inusitada liminar
que suspendia o efeito dessa cláusula de vigência bianual do acordo,
atropelando, assim, o que fora decidido pelo pleno do TST. Agora, o Presidente
do STF, em nova decisão, alega que não pode deliberar sobre a vigência do
acordo coletivo dos Correios por se tratar de competência do TST. Ou seja,
enquanto a decisão do TST fica suspensa por uma liminar do STF, o STF diz que
não pode tratar da vigência do acordo porque isso é de competência do TST.
Difícil de entender, mas um imbróglio que só favorece as intenções da direção
dos Correios de eliminar benefícios dos trabalhadores, sob o argumento de que o
acordo trabalhista venceu.
Aos trabalhadores,
cujas representações sindicais nunca foram recebidas pelo Presidente dos
Correios nesse um ano de gestão, restaria fazer o quê, então? Aceitar
passivamente uma brutal redução de remuneração em plena pandemia?
É triste a situação
em que se encontram empresas e trabalhadores de inúmeros setores no país, mas
esse quadro não significa que o governo ou os empregadores possam fazer agora o
que quiserem com os trabalhadores de todas as empresas. Há leis e acordos
trabalhistas a serem considerados e os eventuais ajustes que se façam necessários
precisam ser tratados de forma adequada e responsável e não no estilo de
“passar a boiada”.
Não concordo, também,
com a informação trazida pela matéria de que se os Correios fossem uma empresa
privada já teriam fechado as portas, abatida por um prejuízo de 2,4 bilhões de
reais. Como expliquei à repórter, esse prejuízo acumulado tem uma história e
causas que precisam ser bem entendidas. Antes de produzir prejuízos, os
Correios chegaram a gerar quase R$ 1 bilhão de reais de lucro anual. Uma
mudança de regra contábil que exigiu a antecipação da contabilização de
despesas com o chamado pós-emprego e, antes disso, a retirada excessiva de
dividendos pelo Governo Federal foram os principais responsáveis pelo cenário
de déficit que se viu nos anos seguintes e que, graças exatamente ao sacrifício
de benefícios dos trabalhadores e não a um milagre de gestão, já se reverteu,
posto que os Correios registraram lucros nos últimos anos, ou seja, o propalado
déficit vem sendo reduzido e não ampliado.
Não foi, portanto, a
licença-maternidade das carteiras ou o vale-alimentação ou o auxílio-creche que
provocaram déficit nos Correios, mas sim, principalmente, atos e decisões
adotados pelo próprio acionista – o Governo Federal, como pode ser facilmente
visto nos próprios relatórios de órgãos de controle, como a CGU.
Também foi explicado
à repórter que os Correios possuem imensas possibilidades de desenvolvimento
comercial e citamos como exemplo o próprio banco postal, algo que os Correios
já fizeram com enorme sucesso e que agora foi descontinuado pela atual gestão.
Uma seleção pública
de parceiro privado para o banco postal poderia injetar um volume considerável
de recursos no caixa da Empresa, talvez até uma cifra bilionária, como ocorreu
na última seleção, quando o Banco do Brasil retirou a prerrogativa de explorar
o banco postal do Bradesco com uma proposta de mais de R$ 2 bilhões, sem contar
os valores por cada transação realizada no banco.
Na entrevista, não
mencionei outras possibilidades, mas são várias, que poderiam ser colocadas em
curso se o Governo Federal afastasse de vez a discussão sobre privatizar ou não
a Empresa e passasse a enxerga-la como um ativo estratégico, que pode ser muito
valorizado, inclusive, com a estruturação de parcerias como a do banco postal
noutros segmentos, potencializando a utilização das redes de atendimento e de
logística dos Correios. Na tônica atualmente defendida por alguns do governo,
de se livrar das estatais a qualquer preço, e de escolher os Correios como a
Geni do momento, esse caminho fica impossível de ser trilhado. Importante
lembrar que o último presidente dos Correios que ousou falar bem da Empresa e
reconhecer sua importância – General Juarez Cunha - foi sumariamente demitido
pelo Presidente da República. Talvez isso explique por que a atual direção da
Empresa só enxergue a redução de salários como maneira de produzir algum
resultado.
A pandemia trouxe
desafios para todas as empresas e os Correios não estão completamente imunes a
isso. Se, por um lado, o comércio eletrônico teve saltos de desempenho, por
outro, a paralisação das empresas em geral acarretou uma brutal queda na
demanda de correspondências. Assim, os Correios, como todas as demais empresas
do país e do mundo, terão pela frente um cenário complexo a ser vencido.
No caso dos Correios,
entretanto, a Empresa passa pela pandemia com seus negócios e suas operações em
funcionamento, o que significará que um eventual socorro de recursos que se
faça necessário será bem menor do que em outros setores severamente penalizados
com a suspensão completa de suas operações. Isso é fato. O enfrentamento a
isso, porém, não pode ser reduzido à diminuição dos salários dos trabalhadores,
que, como já mencionado, recebem os menores salários dentre as estatais do
Governo Federal.
Quanto ao valor da
folha de pagamento dos Correios, tratado pela matéria como “inacreditável”, é
importante esclarecer que no setor postal os gastos com pessoal são sempre as
maiores despesas das organizações. Além disso, trata-se da remuneração de
100.000 pessoas. Observações rasas e descontextualizadas como a trazida pela
matéria só induzem a erro os leitores menos avisados.
Quanto ao futuro dos
Correios, discordamos também da citação trazida pela matéria de que se trata de
uma atividade quase em extinção, atribuída à economista Elena Landau. Os
Correios possuem redes de atendimento e de logística que cobrem o país todo,
não só para levar cartas, cujo volume vem sofrendo reduções ao longo do tempo,
mas também para prestar atendimento presencial e levar encomendas para as
pessoas e empresas, inclusive nos locais mais remotos, onde empresas privadas
evitam ir devido à pequena escala de volumes a entregar.
Bem administrado, com
parcerias com empresas privadas para explorar nichos de negócios, conforme
delineado na Lei 12.490/11, e sem a permanente destruição de imagem por parte
de representantes do acionista, os Correios teriam um grande futuro, poderiam
gerar bons dividendos para o governo, alavancar as economias dos pequenos
municípios, manter uma base ampla de acesso ao comércio eletrônico e muito
mais.
Para finalizar, acho
necessário mencionar que alguns trabalhadores dos Correios já perderam suas
vidas porque continuaram exercendo a atividade pela qual foram contratados.
Outros também perderão, como tem acontecido com profissionais da saúde e de
outras atividades que estão sendo mantidas durante a pandemia. A esses
trabalhadores deixo meus sinceros agradecimentos e meu reconhecimento, não só
como dirigente de uma entidade representativa, mas, principalmente, como
cliente e usuário dos serviços que me entregam todo dia, tornando a passagem
por esse triste período da história humana menos difícil.
Obrigado carteiros,
médicos, enfermeiros, policiais etc. Todos vocês merecem nosso reconhecimento e
admiração.
Marcos César Alves
Silva
Aposentado dos Correios
Vice-Presidente da ADCAP – Associação dos Profissionais dos Correios
Aposentado dos Correios
Vice-Presidente da ADCAP – Associação dos Profissionais dos Correios
Direção Nacional da
ADCAP.
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