Troca de plano de
saúde por R$ 1 mi ameaça maior acordo trabalhista
Folha SP
05/11/2015
05/11/2015
Depois de uma batalha jurídica que durou
oito anos, o maior acordo da história da Justiça trabalhista brasileira
-conhecido como caso Shell- está sob ameaça.
Em 2013, as empresas Shell e Basf
concordaram em pagar indenizações de cerca de R$ 170 milhões a 1.058
ex-trabalhadores e seus filhos pela exposição a substâncias cancerígenas na
fábrica de pesticidas e agrotóxicos de Paulínia (SP), além de arcarem com o
atendimento de saúde vitalício para cada um deles.
Agora, cerca de 700 beneficiados negociam
com as empresas a troca do plano de saúde por uma indenização de, no mínimo, R$
1 milhão por pessoa. O novo acordo precisa do aval da Justiça.
Durante o julgamento do caso, a defesa dos
trabalhadores argumentou que o plano de saúde tinha que ser vitalício porque as
doenças causadas pelas substâncias usadas na fábrica podiam surgir em até 30
anos.
Uma pessoa saudável hoje, afirma Sérgio
Roberto de Lucca, professor da Unicamp, pode adoecer no futuro.
A Shell e a Basf relutaram em aceitar essa
tese. Derrotadas em primeira e segunda instâncias, acabaram aceitando o acordo
no TST (Tribunal Superior do Trabalho). Desde então, elas pagam pela
assistência médica aos ex-funcionários e seus filhos.
Nos casos de doenças mais graves, como
câncer, as empresas chegam a desembolsar R$ 20 mil por mês. A assistência tem
de ser integral: são pagas consultas, remédios, internações, viagens no país e
hospedagem de familiar.
Shell e Basf confirmam que as negociações,
que começaram em maio, estão em andamento e que a iniciativa partiu dos
ex-funcionários. Elas se negam a falar em valores.
Responsável pela primeira condenação da
Shell, a desembargadora Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa se disse
perplexa com a negociação. "Recebo com perplexidade, pelo fato de alguém
querer trocar seu direito pelo resto da vida por dinheiro. A luta era assegurar
a saúde dos funcionários."
Maria Inês ressaltou ainda que a exigência
do plano de saúde vitalício também era para evitar que o poder público pagasse
a conta do erro de uma empresa privada.
O procurador-chefe do Ministério Público do
Trabalho em Campinas, Eduardo Luis Amgarten, é contra a negociação. "[O
novo acordo] pode parecer bom agora, mas e o futuro? Daqui uns anos ele
[trabalhador] adoece, e aí?"
Amgarten afirmou que o novo acordo pode ser
legítimo, mas precisa ser homologado pela Justiça do Trabalho. "Somos
contra a venda da saúde do trabalhador."
DINHEIRO PARA SAÚDE
Advogada do grupo que negocia com Shell e
Basf a troca da assistência de saúde vitalícia por indenização, Meirilane
Inghrette Dantas Dourado nega que eles estejam interessados só no dinheiro.
Segundo ela, muitos querem utilizar a nova
indenização para adquirir planos de saúde para toda a família.
"A assistência dada pelas empresas é
somente ao ex-trabalhador e ao filho nascido no período de trabalho. Isso, no
seio familiar, fica complicado, porque a mulher também precisa de atendimento
de saúde", disse ela, embora admita que cada um poderá usar o dinheiro
como quiser.
É o caso de um rapaz de 20 anos, que pediu
para não ter seu nome revelado. Ele diz que pensa em aderir ao acordo para
construir uma casa.
O jovem é filho de um ex-trabalhador da
Shell e foi beneficiado com plano vitalício e indenização de R$ 60 mil. O
dinheiro, porém, já acabou.
O pai, de 61 anos, trabalhou por 11 anos na
Shell como operador de empilhadeira. Hoje, sofre com doenças nos ossos e nas
articulações e faz tratamento contra hipertensão. Ele tenta convencer o filho a
não aceitar o acordo.
Segundo ex-funcionários, as negociações
foram iniciadas por Donizete Martins, 51, que atuou na fábrica de 1997 a 2002.
Ele não quis falar.
Dos 1.058 beneficiados, 469 são
ex-trabalhadores. Os demais são filhos deles.
Segundo Sérgio Roberto de Lucca, professor
de medicina da Unicamp, os filhos de mulheres que trabalharam na empresa do
final dos anos 1970 ao início dos anos 2000 são os que mais correm risco de
adoecer no futuro.
O ex-funcionário Sidnei Pereira Bernardo, 61,
acha um risco os trabalhadores e seus filhos ficarem sem a assistência médica
vitalícia. Apesar de não ter doenças comprovadamente relacionadas às
substâncias, ele faz tratamento contra hipertensão.
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