Lojista teme furto e burocracia com nota fiscal fora da caixa
DCI
16/1/18
Obrigatoriedade de fixar o comprovante do lado externo da embalagem em entregas
dos Correios passou a valer no início do mês e tem gerado
preocupação no setor
Pequenos lojistas virtuais receberam com preocupação a adequação dos Correios à
exigência da Receita Federal, que passou a obrigar a fixação da nota fiscal do
lado externo da embalagem nas entregas. O temor é que a mudança gere aumento
nos furtos de produtos e na burocracia da operação.
Já entidades e companhias como o Mercado Livre afirmam que o impacto deve ser
mínimo, uma vez que a exigência, internalizada pela empresa pública desde o dia
2 deste mês, já é amplamente adotada por transportadoras privadas. Ainda assim,
a mudança chega em um momento onde a incidência de furtos tem aumentado,
conforme a percepção de lojistas.
“Nos últimos seis meses percebemos um aumento grande nos furtos e extravios de
nossas entregas”, afirma a dona do e-commerce de artigos para praia Morango
Brasil, Daianne Passarin. “Usávamos uma caixa personalizada, com o logo da
marca no lado de fora, mas mudamos por questão de furto. Estavam sumindo peças
de dentro da caixa”, conta a empresária, que realiza 100% de suas entregas
através da empresa estatal.
Movimento semelhante foi percebido pelo proprietário de uma loja virtual de
vestuário sediada no Rio Grande do Sul. “Envio [encomendas pelos Correios]
desde 2002 e nos últimos anos os problemas têm aumentado. É raro acontecer
extravio, o que tem acontecido é objeto roubado”, contou o empresário, que
preferiu não se identificar.
Segundo ele, as duas primeiras semanas da exigência geraram aumento de filas em
agências. Para os ouvidos, no entanto, o maior incômodo é o eventual aumento
nos roubos.
“Qualquer pessoa pode tirar facilmente a nota fiscal e ver o que é. Se for um
produto caro pode sim estimular o furto”, pontua Daianne. “Não sei como são os
procedimentos internos [de segurança], mas me parece óbvio que roubos devem
aumentar com a declaração de conteúdo do lado de fora”, completou o lojista
gaúcho.
CEO do e-commerce de brinquedos e papelaria Unique Shop, Décio Farias, afirmou
ter enfrentado poucos casos de roubo recentes, mas admitiu que a empresa parou
de colocar a nota do lado de fora das embalagens (algo feito no início da
operação) “justamente por medo de furtos”. Com a ação obrigatória em toda a
cadeia logística, o empresário vislumbra eventuais problemas. “Com certeza
aumenta o risco, ainda mais se for um produto com um alto valor”, afirma o
executivo.
O último estudo da Associação Brasileira do Comércio Eletrônico (Abcomm) sobre
a logística no segmento revelou que 73,1% das encomendas postadas por lojistas
virtuais em 2015 usaram os Correios; apesar do percentual estar caindo, ele
ainda é maior entre empresas de menor porte.
Na época, a avaliação do serviço da estatal foi considerada boa ou ótima para
31,3% da cadeia, mas ruim ou péssima para outros 23,9%. A entidade também
revelou que 29,5% dos ouvidos listam furtos como um dos principais problemas
enfrentados ao lidar com a estatal, além de 47,9% que citaram extravios dos
produtos.
Procurado, os Correios afirmaram que o índice de extravios da empresa é de
0,24%. Considerando que 33,2 milhões de objetos são distribuídos por dia
(segundo o último dado divulgado, em abril de 2016), o total de itens perdidos
diariamente ultrapassaria os 79 mil. “O índice de extravios em relação ao
volume de encomendas transportadas é baixo quando comparado com outros correios
do mundo”, destacou a empresa, em nota.
A estatal não abriu números sobre o estado do Rio de Janeiro, mas tanto a
Abcomm quanto lojistas afirmaram que a incidência de roubos na região é
consideravelmente maior do que no restante do País. “Há um problema de roubo de
carga muito concentrado no Rio de Janeiro, que é um grande local de destino das
vendas”, pontuou o vice-presidente da Abcomm, Rodrigo Bandeira.
Informalidade
Na opinião do sócio-proprietário do e-commerce Zen Animal, Pedro Lício, a
medida poderá gerar efeito positivo para os lojistas regularizados. “Antes de
precificar fazemos consultas em concorrentes e vários ofereciam preços bem
abaixo porque há muita gente informal que não pagava impostos”, acenou o
empresário, que entrega 65% das encomendas através da empresa pública. O
objetivo da Receita Federal com a medida é justamente diminuir a sonegação de
impostos, uma vez que a nota do lado de fora facilitaria a fiscalização pelo
órgão.
Faltam dados conclusivos sobre a informalidade no comércio eletrônico
brasileiro, mas informações da plataforma de criação de e-commerces Loja
Integrada mostram que 75% das 20 mil lojas que utilizam os serviços realizaram
cadastro com um CPF ao invés de um CNPJ. Head da empresa, Breno Nogueira
afirmou que muitos deles se regularizam com o tempo e que hoje 80% do volume
vendido no País “vem de lojas profissionais”, mas observou que quem não se
adequou “e quiser continuar utilizando os Correios vai ter que se
formalizar”.
A Abcomm e o Mercado Livre minimizaram os impactos da nova exigência. Para a
entidade, ainda que a mudança gere um ruído e necessite de um período de
adaptação, a tendência é que o impacto seja pequeno. “Não podemos partir do
princípio que vá ficar menos seguro transportar porque tem a nota fiscal do
lado de fora. A questão do roubo é de segurança pública”, diz Bandeira. Já o
Mercado Livre espera que não haja “nenhum impacto para o lojista com a
mudança.”
Para a Abcomm, o impacto pode ocorrer no custo e na complexidade da operação,
já que uma etapa será adicionada no manuseio da mercadoria. “A loja vai ter que
colar um saquinho do lado de fora, afixar a nota. Pensando em uma quantidade
grande de produtos pode dar um trabalho a mais”, afirma Bandeira. A Morango
Brasil já sentiu o aumento da complexidade e teve que destinar um funcionário
apenas para a nova função de dobrar as notas e fixar na parte externa dos
produtos.
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