segunda-feira, 14 de outubro de 2019


Correios vão recorrer ao STF contra decisão do dissídio coletivo

Para estatal, aumento de 3% e cláusulas sociais são incompatíveis com o momento

Valor
14/10/2019

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a decisão do dissídio coletivo que assegurou aumento de 3% aos funcionários e a manutenção das cláusulas sociais, como o adicional de férias de 70% e o vale-cultura, que considera incompatíveis com o momento de ajuste fiscal. Após a greve realizada em setembro, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) definiu as normas que vão reger as relações entre empresa e empregados até 2021.

Mas a empresa considera insustentáveis as condições estipuladas pelo TST diante de sua saúde financeira, e questiona a duração de dois anos das novas regras, enquanto a praxe seria um ano. Em apelo que foi protocolado após a publicação do acórdão, os Correios deverão alegar possível excesso da Justiça Trabalhista ao conceder o reajuste de 3% porque o pedido não constava do dissídio, já que a estatal e os empregados apresentaram percentuais distintos: 0,8% e 2,67%, respectivamente.

“Temos avaliado todas as opções jurídicas, administrativas e operacionais para minimizar o impacto do novo acordo coletivo de trabalho”, disse ao Valor o presidente da empresa, general Floriano Peixoto. “Nosso trabalho tem sido feito com total transparência para dar publicidade das dificuldades da empresa para os empregados e a sociedade”, completou.

Os Correios - que o governo estuda incluir no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) ou no plano de desestatização - estimam um prejuízo de R$ 3 bilhões, herdado de gestões anteriores. Para reverter o quadro, um dos caminhos é a redução dos gastos com a folha de pagamento dos 100 mil funcionários, que corresponde a 62% das despesas.

Os Correios tentam executar a recomendação da Secretaria Especial de Desestatização do Ministério da Economia para que as estatais cortem ao menos dois benefícios dos funcionários.

Da lista de 68 benefícios extra-CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas], a empresa gostaria de eliminar ao menos quatro: o adicional de férias de 70%; o “vale-peru” de R$ 1.055 pago em dezembro; o pagamento dos tíquetes alimentação e refeição durante as férias; e o vale-cultura.

A gratificação de férias superior a um terço prevista na CLT completou 30 anos. Em 1989, estabeleceu-se que os Correios pagariam 60% sobre o valor da remuneração como gratificação do descanso remunerado. No ano seguinte, esse percentual subiu para 70% e vem sendo ratificado há 29 anos.

A empresa também tenta suspender o pagamento do vale-cultura, instituído pela então ministra da Cultura, Marta Suplicy, em 2013. O argumento é que o benefício de R$ 50 mensais, que pode ser acumulado, acaba sendo revertido para a compra de material escolar no início do ano.

A gratificação de férias complementar tem custo estimado de R$ 14,9 milhões ao mês aos Correios; o vale-alimentação durante as férias custa R$ 8,1 milhões mensais, e o vale cultura R$ 3,6 milhões ao mês.

O Valor mostrou na semana passada que em um cenário de queda de projeção de receita, os Correios ampliaram a meta de corte de gastos de R$ 1,4 bilhão para R$ 2,26 bilhões até o fim de 2020.

O Ministério Público do Trabalho ponderou em parecer que a gratificação de férias de 70% sobre a remuneração “foi estabelecido nos tempos em que a situação econômica da empresa estava em outra realidade”. Segundo os procuradores, “não será possível manter todas as conquistas da categoria sob pena de afetar a existência da empresa”. O órgão também defendeu o fim do pagamento do vale-cultura.
Contudo, o TST invocou o princípio da preexistência para manter os benefícios frutos de acordos anteriores. A perda mais significativa dos empregados foi a exclusão dos pais do plano de saúde da empresa.

O vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap), Marcos César Alves Silva, considera natural que após o julgamento as partes apresentem recursos. Mas disse acreditar que a decisão do TST foi bem fundamentada e dificilmente será reformada.

Alves Silva observa que a empresa errou ao permitir o pagamento à vista das indenizações de quem aderiu ao Plano de Demissão Voluntária (PDV), o que teria pressionado o caixa da estatal. Por isso, vê exagero no cenário de aperto fiscal.

O vice-presidente acrescenta que o menor salário médio do funcionalismo das estatais é o dos Correios, estimado em R$ 3 mil.

Por isso, para evitar aumento do encargo trabalhista, optou-se por conceder benefícios sociais aos empregados nos últimos anos para mitigar a baixa remuneração.

Fischer Marcelo dos Santos, diretor da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos (Fentect), ressalta que os benefícios que os Correios querem cortar são “conquistas históricas” obtidas em acordos coletivos, que existem para regulamentar direitos não contemplados na CLT.

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