O que está acontecendo no Chile? Especialistas explicam
Uol
21/10/19
21/10/19
O Chile vive uma onda de protestos violentos,
com confrontos entre manifestantes e policiais. As manifestações tiveram início
contra um aumento na tarifa do metrô, mas logo passaram a contestar as
políticas do governo de Sebastián Piñera. Em três dias, 11 pessoas morreram e
pelo menos 1.500 foram detidas. Prédios foram incendiados, e estabelecimentos
comerciais, saqueados. Em Santiago, mais de 10 mil soldados do Exército
passaram a patrulhar as ruas por ordem de Piñera, que decretou estado de
emergência e toque de recolher nas principais cidades do país.
O presidente chileno, que há cerca de um mês
classificou o país como um "oásis de paz", afirmou na noite de ontem
que o Chile está em "guerra". Especialistas apontam a desigualdade
socioeconômica, a privatização e a baixa qualidade dos serviços públicos (entre
eles, os sistemas de transporte e previdência) como fatores que explicam os
protestos no Chile. Entenda, em três pontos, o que está acontecendo no país:
Aumento da tarifa do metrô e a "gota
d'água" Convocados inicialmente pelas redes sociais, os protestos
começaram por conta do aumento nos bilhetes do metrô em Santiago, que subiram o
equivalente a R$ 0,20 para os horários de pico —a tarifa, com o aumento, é
equivalente a R$ 4,73 (em São Paulo, ela é de R$ 4,30; no Rio, de R$ 4,60). Em
resposta ao aumento da passagem, manifestantes depredaram estações de metrô na
capital e promoveram entradas em massa sem pagar a passagem, pulando as
catracas de acesso às plataformas de embarque.
Maurício Santoro, professor de relações
internacionais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), diz que a
alta no preço foi "simplesmente a gota d'água em um mal-estar econômico
mais amplo". Segundo ele, esse "mal-estar econômico" está
relacionado a um contraste entre o crescimento econômico nos últimos anos e a
realidade de problemas estruturais do país, como a desigualdade social e a
baixa qualidade dos serviços públicos. "Tudo isso vai se acumulando e
chega um momento em que explode", afirma o professor, que aponta ainda
similaridades entre os protestos de hoje no Chile e as manifestações contra o
aumento da passagem de ônibus no Brasil em 2013.
Andras Uthoff, professor da Faculdade de
Economia e Negócios da Universidade do Chile, afirmou em entrevista ao
blogueiro Leonardo Sakomoto que os protestos também podem ser relacionados à
privatização dos serviços públicos. "É uma manifestação
contra o abuso que tem significado a privatização de serviços públicos com
cobranças que a grande maioria não pode pagar, ficando excluída de bons
serviços de saúde, educação, transporte, moradia, água, luz, energia",
disse. Aos gritos de "basta de abusos" e com o lema que dominou as
redes sociais "ChileAcordou", os manifestantes criticam o modelo
econômico do país, com acesso à saúde e à educação praticamente privado,
elevada desigualdade social, aposentadorias baixas e alta do preço dos serviços
básicos. A manifestação não tem um líder definido e nem uma lista precisa de
exigências. O Chile é o país mais desigual entre os membros da OCDE
(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Em 2015, o país
tinha um coeficiente Gini, que mede a desigualdade de renda em uma escala de
zero a 1 (quanto mais alto, maior é a desigualdade), de 0,51. A média dos
países da OCDE é de 0,32.
Administrado pela empresa estatal chilena
Metro S.A., o metrô de Santiago é considerado um dos sistemas de transporte
mais modernos da América Latina. Hoje, o metrô de Santiago tem sete linhas e
136 estações. Com 140 km de extensão, a rede é a maior da América do Sul e a
segunda maior da América Latina, ficando atrás apenas do metrô da Cidade do
México. O metrô de São Paulo, por exemplo, tem uma rede de 97 km de extensão.
Escalada de violência, Exército nas ruas e
estado de emergência Em meio aos protestos na sexta-feira (18), além das
depredações a estações de metrô, prédios como a sede da Enel (empresa de
energia elétrica do Chile) e do Banco do Chile foram incendiados. Houve ainda
confrontos com a polícia, que estabeleceu um perímetro de segurança na sede do
governo. No início da noite de sexta, o presidente Piñera anunciou o fechamento
do metrô. Ele também invocou a Lei de Segurança do Estado —legislação que prevê
penas mais duras a quem causar danos ou impedir o funcionamento de
estabelecimentos públicos e privados de serviços básicos.
Os protestos, no entanto, continuaram, e na
madrugada de sábado (19), Piñera decretou estado de emergência em Santiago e
outras cidades do país. O Exército passou a patrulhar as ruas em uma tentativa
de controlar pontos estratégicos, como centrais de abastecimento de água,
eletricidade e cada uma das 136 estações de metrô. Foi a primeira vez desde a
volta da democracia no Chile, em 1990, que militares voltaram às ruas no país.
Nas noites de sábado e domingo, o governo chileno também decretou toque de
recolher nas principais regiões do país. Mesmo assim, os confrontos e
distúrbios permaneceram durante a madrugada.
Apesar de recuo no aumento, protestos
continuam Logo no sábado, Piñera anunciou que mandou um projeto para o
Congresso suspendendo o aumento na tarifa do metrô. Mas o recuo não foi
suficiente para interromper as manifestações. "Chega um momento, quando as
pessoas percebem o tamanho que esse movimento de protestos assumiu, em que
muita coisa acaba vindo à tona. Os próprios manifestantes descobrem a sua
capacidade de influenciar a agenda pública, a condução da política",
avalia Santoro.
"Acho que muito dessas dificuldades de
longo prazo vão ser colocadas na rua agora: as ansiedades do povo chileno com
relação a emprego, a desigualdade e à má qualidade dos serviços públicos",
analisa o especialista. Um novo dia de protestos foi convocado para hoje por estudantes
secundaristas. Em Santiago, apenas uma linha do metrô está aberta e os serviços
de ônibus estão sendo subsidiados.
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