Correio
Braziliense
05/03/2021
“Aqui
no Brasil, os Correios têm, inclusive, apresentado lucros nos
últimos balanços, demonstrando que a Empresa tem encontrado fórmulas de atender
sua missão constitucional e ainda produzir resultados econômicos positivos.
Outro ponto para sinalizar que temos nos Correios um exemplo a ser estudado e
não algo a ser desmontado por não estar bem”
Marcos
César Alves Silva*
Tenho
lido e ouvido muitas matérias na imprensa tratando dos Correios e defendendo
posições a respeito do futuro da Empresa. Algumas defendem enfaticamente a
privatização e outras a manutenção como empresa pública. Nesse contexto,
arriscarei apresentar aqui minha opinião, lastreada na experiência que acumulei
no período em que trabalhei nos Correios, para acrescentar mais uma peça nesse
debate que interessa aos brasileiros, que são os legítimos donos da Empresa.
Primeiramente,
considero importante ter em conta alguns fatos relevantes sobre os Correios:
–
os Correios são uma empresa independente, ou seja, não dependem de recursos do
Tesouro Nacional para funcionar; assim, não há que se falar em ônus para os
cidadãos decorrente da existência da empresa;
–
o serviço postal no Brasil é extremamente capilarizado, com presença em quase
todos os municípios do país (já esteve em todos, mas algumas agências têm sido
fechadas ultimamente); assim, os brasileiros têm fácil acesso a esse serviço;
–
a tarifa postal brasileira está entre as menores do mundo, apesar de o Brasil
ser o 5º maior país em extensão territorial;
–
a qualidade geral do serviço postal brasileiro é compatível com a praticada em
outros países, muitos dos quais com menor território e com condições logísticas
bem mais favoráveis;
–
os Correios empregam diretamente quase 100.000 pessoas e indiretamente um
número ainda maior, que engloba, inclusive, os trabalhadores que estão nas
cerca de 1.000 agências franqueadas, presentes nas maiores cidades brasileiras.
A
partir desses fatos, já se poderia concluir, com base bem sólida, que temos no
Brasil um caso de sucesso a ser estudado e reproduzido, e não um modelo a ser
desmontado por não funcionar. Mas aprofundaremos a análise para alcançar ainda
outros aspectos.
O
dinâmico comércio eletrônico brasileiro se desenvolveu especialmente graças aos
Correios, que têm assegurado capilaridade nacional para os envios de
encomendas, sem ter nenhum monopólio nesse serviço. Temos, porém, milhares de
transportadoras atuando livremente no Brasil, muitas das quais até utilizam os
Correios, de forma complementar, para alcançar pontos fora de sua área de
atuação, algo saudável e positivo para todos.
Ou
seja, há no Brasil todo um ecossistema empresarial em pleno e equilibrado
funcionamento e que garante o escoamento das compras online. E os Correios são
um ator importante, mas não o único nisso tudo. Todas as grandes empresas de
encomendas do mundo já possuem operações no Brasil, incluindo até mesmo um
correio estatal – o francês – que controla uma empresa local.
No
que se refere ao comércio eletrônico, então, temos no Brasil uma situação que
poderia continuar seguindo sua trilha de sucesso. O governo federal não precisa
ou não deve mexer em nada aí, sob pena de acabar atrapalhando o que está
funcionando bem. Mais controle, regulamentações e tributos sobre os operadores
não me parece algo positivo.
E
os operadores que estejam vendo a eventual privatização dos Correios como
oportunidade para aumentar seus preços devem ter em conta que o projeto
apresentado pelo governo federal traz em seu bojo disposições que podem
complicar muito sua vida, dependendo de como forem implementadas.
Sob
a lógica do acionista, o governo federal, temos nos Correios uma estatal que se
desincumbe sozinha do grande desafio de integrar o país com o serviço postal.
Uma coisa muito boa considerando que em inúmeros países os governos precisam
bancar a universalização do serviço postal, ajudando seus correios a custear o
funcionamento nas localidades mais remotas. Isso acontece, por exemplo, nos
Estados Unidos da América, berço do liberalismo, que tem um correio público
dependente de apoio governamental para manter sua infraestrutura.
Aqui
no Brasil, os Correios têm, inclusive, apresentado lucros nos últimos balanços,
demonstrando que a Empresa tem encontrado fórmulas de atender sua missão
constitucional e ainda produzir resultados econômicos positivos. Outro ponto
para sinalizar que temos nos Correios um exemplo a ser estudado e não algo a
ser desmontado por não estar bem.
Olhando
para o resto do mundo, vemos alguns fatos que merecem atenção:
–
em apenas 8 países do mundo os Correios são totalmente privatizados e as áreas
somadas desses países resultam num território menor que o do Estado do Mato
Grosso, ou seja, em nenhum grande país em território os correios são privados;
–
o último caso de privatização de correio realizado no mundo foi o de Portugal,
onde a população, após a privatização, está reclamado muito do fechamento de
balcões (agências) e da alta de tarifas, a ponto de partidos e parlamentares
portugueses estarem propondo a reestatização do correio;
–
os exemplos de privatização de correios ocorridos na União Europeia, muitas
vezes citados como exemplo, se deram em um contexto bem distinto do brasileiro,
no qual o continente buscava estabelecer mecanismos que fortalecessem a criação
do bloco, inclusive com a eliminação de barreiras comerciais de toda ordem; no
caso do correio alemão, é também importante ressaltar que a gradativa abertura
de capital da empresa estatal não foi feita porque o governo queria se desfazer
dela, mas sim porque queria dar-lhe um grande impulso de crescimento para
torna-la uma empresa de logística global relevante;
–
o correio brasileiro tem um diferencial competitivo com relação a diversos
outros correios, que é a expressiva participação no mercado local de transporte
de encomendas; em tempos de expressivo crescimento do comércio eletrônico, isso
será importante para garantir a saúde financeira da empresa enquanto o volume
de cartas vai paulatinamente se reduzindo.
A
partir desses fatos, também não encontramos razão para privatizar os Correios;
ao contrário, encontramos indicações de que esse caminho pode não ser nada bom
para os brasileiros.
Feitas
essas considerações, a pergunta que fica é se, diante de tantos fatos
positivos, haveria algo a ser feito para melhorar os Correios? A resposta é sim
e vou tratar disso em seguida.
A
primeira coisa a ser feita é abandonar de vez essa má ideia de privatização e
deixar de perder tempo com algo que não é bom para ninguém – cidadãos, empresas
e o próprio governo. De quebra, também, o pessoal do governo poderia parar de
tentar arranjar argumentos contra a Empresa, já que não precisarão mais
justificar a intenção de privatização.
Na
gestão da Empresa, adotaria algumas medidas:
–
Direção: passaria a ser formada exclusivamente por pessoal qualificado, que
conhecesse em profundidade a Empresa, seus negócios e suas respectivas áreas
técnicas de coordenação; militares poderiam voltar aos quartéis ou casernas e o
apoio de uma empresa de headhunter para seleção de executivos seria bem-vindo;
–
Contrato de Gestão: a equipe de Diretores assinaria com o governo federal um
contrato de gestão que traria, pelo menos, os seguintes requisitos:
•
pagamento ao Tesouro Nacional de dividendos mínimos de R$ 250 milhões/ano;
• manutenção ou melhoria dos indicadores de qualidade operacional alcançados
pela Empresa;
• manutenção ou melhoria dos indicadores de universalização da prestação de
serviço aos cidadãos;
• manutenção ou ampliação dos empregos diretos e indiretos gerados pela
Empresa;
• melhoria dos indicadores financeiros da Empresa, com redução de endividamento
e aumento do valor patrimonial;
• gestão técnica da companhia, por técnicos devidamente habilitados, em todos
os níveis diretivos e gerenciais da empresa;
• possibilidade de rescisão contratual no caso de não atingimento dos
resultados estabelecidos no contrato, a partir das prestações de contas anuais.
Com
estas medidas, bem simples em essência, não haveria prejuízos para ninguém e os
Correios seguiriam dando sua contribuição para o desenvolvimento nacional.
Finalmente,
para os pessimistas que não acreditam no futuro cos Correios, digo que
assinaria de olhos fechados um contrato desses, com a certeza de que, nessas
condições, poderia facilmente entregar ao país resultados ainda melhores. Não
precisamos vender os Correios para uma estatal asiática ou europeia e nem para
um fundo de investimentos; precisamos apenas deixar de lado as fake news e
colocar na estatal uma gestão técnica competente e cobrar dela resultados
*Marcos César
Alves Silva – Administrador Postal Sênior, integrou o Conselho de Administração
dos Correios de 2013 a 2018