Disputa no fundo dos Correios atinge Meirelles e assessor
Carta Capital
22/12/2017
Os Correios são palco de uma disputa
intestina no PSD desencadeadora da queda de dois diretores e de uma denúncia de
suborno em um projeto de 850 milhões de reais, como revelou CartaCapital. O
clima ali é de guerra. A diretoria tem planos que parte dos funcionários não
aceita e boicota. Tentou, sem sucesso, domesticar conselheiros do fundo de
pensão da estatal, o Postalis.
Agora estilhaços da batalha atingem uma
estrela do PSD, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o
secretário-executivo dele, Eduardo Guardia. O motivo? A intervenção federal no
Postalis, um dos maiores fundos do País, com 130 mil participantes, 10 bilhões
de reais de patrimônio e rombo bilionário. Uma intervenção a colecionar nos últimos
dias uma tentativa de suborno e uma gravação clandestina.
Um dos dois diretores afastados do Postalis
acusa a cúpula da Fazenda de tramar a intervenção para favorecer gente do
sistema financeiro. “A intervenção foi ilegal. Ela atende os interesses do BNY
Mellon e da Bovespa”, afirma Luiz Alberto Barreto, ex-diretor administrativo e
financeiro do fundo e ex-candidato a deputado estadual pelo PTdoB de Minas
Gerais em 2014. “O Meirelles é defensor dos bancos, foi do BankBoston, e o
Guardia era da Bovespa.”Sediado em Nova York, o banco BNY Mellon é um dos
maiores administradores de grana alheia do planeta. Em 2010, foi contratado
pelo Postalis para ajudar a gerenciar investimentos, mas as partes agora brigam
nos tribunais. Há seis processos do fundo contra o banco, a cobrar 5 bilhões de
reais.
Uma das ações já chegou ao Superior Tribunal
de Justiça, onde os gringos tiveram uns 400 milhões de reais bloqueados. O
desfecho da intervenção é decisivo para o futuro das ações.Ela é comandada pela
Previc, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar, cujos
diretores foram nomeados por Meirelles em portarias de legalidade questionada
no Ministério Público Federal e no Tribunal de Contas da União por uma das
associações de funcionários dos Correios, a Adcap.
Barreto era presidente da Adcap e chegou a diretor do Postalis eleito por ela.
A Adcap foi à Justiça com uma ação civil pública e na terça-feira 19 conseguiu
uma liminar que suspende a intervenção. Uma liminar comemorada pelo presidente
dos Correios, Guilherme Campos, ex-deputado pelo PSD, o partido de Meirelles.
Se a liminar não for derrubada, Barreto e o presidente afastado do Postalis,
Cristian Schneider, voltarão aos cargos.
A Bovespa também tem interesse nos rumos da
intervenção, para saber se precisará se preocupar com o surgimento de uma
concorrente. Esse rival, a “Nova Bolsa”, é outro assunto milionário e bota em
cena um empresário, Arthur Pinheiro Machado, de relações com o PMDB, partido
controlador político do Postalis no passado recente.
O projeto de criar um rival da Bovespa, no início
com apoio da Bolsa de Nova York, é de 2010, época de domínio peemedebista no
Postalis. É liderado por Machado. O principal capitalista do projeto é o
Postalis, que botou uns 200 milhões de reais na Americas Trading Group, aberta
por Machado para emplacar a “Nova Bolsa”.Em valores atuais, a cota do Postalis
na ATG é de 319 milhões de reais. Como o dinheiro do Postalis é decisivo, sem o
fundo, adeus “Nova Bolsa”. E aí gente bem relacionada na política perderá
dinheiro, ficará com um “mico” na mão. Caso de Machado.
Em um sigiloso documento sobre a intervenção
no Postalis, a Previc diz que o fundo deveria pular fora da “Nova Bolsa” e
aceitar que a verba injetada ali não volta. Esses investimentos, afirma o
texto, “estão contabilizados por valores irreais e deveriam estar provisionados
para perdas”.
Machado não encontra boa vontade na Previc,
para quem já mandou um e-mail a salientar que não era processado nem
investigado. A Bolsa de Nova York pulou fora do projeto, mas Machado não
desistiu dele. Embora não haja hoje nenhum pedido de criação da “Nova Bolsa”
apresentado à Comissão de Valores Mobiliários, a CVM. O que foi apresentado em
2013 morreu em 2016. Melhor para a Bovespa. E para Guardia?
Até se tornar o número 2 da Fazenda, Guardia
era diretor da Bolsa paulista. Sua assinatura está em uma procuração de 22 de
abril de 2016 na qual a Bolsa dava poderes a advogados para defendê-la no Cade,
o tribunal antitruste, no processo de fusão com a Cetip, companhia onde
acontece a liquidação de negócios no mercado acionário.
A fusão foi aprovada em março passado, mas o
Cade deu várias alfinetadas na Bovespa. “A entrada de concorrentes no mercado
de bolsa tem se mostrado difícil, demorada, beirando o impossível”, escreveu a
relatora, Cristiane Alkmin, “a BVMF (Bovespa) pode ter exercido seu poder de
mercado como monopolista verticalizada para afastar possíveis concorrentes.”Em
Brasília, há quem diga que Guardia, já na Fazenda, fez lobby com a relatora
para arrancar a fusão, com telefonemas. Ele “nunca tratou do tema com Cristiane
Alkmin ou qualquer outra pessoa do governo”, segundo a assessoria de imprensa
do ministério.
O suposto lobby é um enredo até recatado
perto da tentativa de suborno do interventor no Postalis por parte do BNY
Mellon. Processado por 5 bilhões de reais pelo fundo, o banco topa pagar 1,2
bilhão e, para conseguir um acordo nesse valor, ofereceu 6 milhões, 0,5%
daquela quantia, ao interventor, o auditor fiscal da Receita Federal Walter de
Carvalho Parente.
A oferta, que o BNY obviamente nega, foi
relatada por Parente primeiro ao diretor de fiscalização da Previc, Sérgio
Taniguchi, e depois ao Ministério Público Federal. Além de depor, ele entregou
provas ao MPF, que abriu uma investigação.
Parente contou a história no Conselho de
Administração dos Correios em 26 de outubro, conforme registrado em ata. E
ainda falou por aí. Numa dessas conversas, foi gravado sem saber. Por obra de
qual trincheira na guerra dos Correios? O interventor acha que foi uma pessoa
de nome Sandro, que era assessor do presidente afastado do Postalis, Cristian
Schneider.CartaCapital obteve o áudio. “Ontem, o cara me chamou lá no Rio de
Janeiro para negociar esses créditos que a gente (o Postalis) tem lá… O cara
logo querer me comprar?”, afirma Parente. Segundo ele, o subornador teria dito:
“Rapaz, é tanto (de crédito do Postalis), mas pode sobrar meio por cento (para
você)”.
Parente foi notificado extrajudicialmente por
Luiz Alberto Barreto para explicar o episódio. O diretor afastado do Postalis
parece desconfiar de que, se o BNY tentou subornar, era por achar que
conseguiria.
Queria saber o nome do porta-voz da oferta (o
“cara” seria um advogado), a circunstância do ocorrido, se o fato foi
comunicado à polícia – se não foi, seria “prevaricação” – e à Ordem dos
Advogados do Brasil. Nada de resposta.
Há outra forma de salvar o BNY Mellon no rolo
com o Postalis. Se a intervenção decidir fechar um dos dois planos de
benefícios colocado à disposição dos carteiros, o fundo não terá mais como
cobrar o banco na Justiça.
O encerramento do chamado BD é outra suspeita
da diretoria afastada do Postalis como ação sob medida da Fazenda e da Previc
para o banco gringo. “Não trabalhamos com a hipótese de liquidar esse plano”,
diz Taniguchi, da Previc. Em nota, a assessoria do Ministério da Fazenda
afirmou que a pasta “nunca opinou sobre esta ou qualquer outra intervenção” e
que “a Previc é autônoma”.A ideia do interventor é municiar o MPF para
processar o BNY por causar perdas ao Postalis. Em conversa na quarta-feira 13
com o dissolvido Conselho Fiscal do fundo, Parente comentou que o Ministério
Público acionará o banco.
Esses conselheiros afastados reprovaram as contas do Postalis de três anos
seguidos, de 2014 a 2016. Indicados na maioria no governo Dilma Rousseff,
apoiam a intervenção. Chegaram a pedi-la à Previc.
No fim de 2016, a Previc botou lupa no fundo.
Em agosto de 2017, abriu oficialmente uma investigação e constatou uma manobra
contábil que fez surgir 1 bilhão de reais no balanço, suficiente para ocultar
prejuízos. Em 3 de outubro, em reunião virtual da diretoria, decidiu intervir,
de olho no futuro dos trabalhadores detentores de planos de aposentadoria.
Em 2015, Barreto e a Adcap eram a favor da
intervenção, e a Previc não via motivo, como dizia Taniguchi em setembro daquele
ano a uma CPI dos Fundos de Pensão a funcionar na época na Câmara. Hoje a
situação se inverteu. Como diretor afastado, Barreto tem os bens bloqueados.
Aquela CPI, aliás, tem histórias saborosas
sobre personagens interessados nos rumos da intervenção. Arthur Machado, o da
“Nova Bolsa”, pagou 9 milhões de reais, a pedido do então presidente da Câmara,
o corrupto condenado Eduardo Cunha, para protegidos do PMDB no Postalis não
serem chamados à CPI. É o que disse o criminoso doleiro Lúcio Funaro em sua delação
deste ano.
Na CPI, ficou claro que a dívida cobrada do
BNY pelo Postalis é objeto de negociações obscuras. As duas partes negociaram
um acordo nos bastidores da CPI – normal numa Casa à época comandada por Cunha,
para quem política é negócio. Dos 5 bilhões que lhe são cobrados, o BNY topava
pagar a espantosa quantia de... 95 milhões.
Será por isso que o deputado Sergio Souza, do
PMDB do Paraná, um cunhista de última hora, estocou o banco no relatório final
da comissão? Mesmo com a contratação do BNY pelo fundo de pensão dos Correios,
diz o documento, “não houve melhora no desempenho financeiro do Postalis”, e
hoje a relação está em um “impasse” que “só beneficia uma das partes”, o banco,
que ainda embolsa grana do contratante.No governo Michel Temer, os Correios
tornaram-se um feudo do PSD do ministro Gilberto Kassab, e os dirigentes do
Postalis apadrinhados pelo partido priorizaram a disputa com o BNY Mellon.
Em maio, o então presidente do fundo, André
Motta, o então diretor de investimentos, Cristian Schneider, e o então
diretor-financeiro dos Correios, Francisco Arsênio de Mello Esquef, voaram a
Washington para reunir-se com parlamentares e autoridades americanos para falar
mal do BNY, em uma campanha de lobby para arranhar a imagem do banco. Na comitiva,
estava o deputado Evandro Roman, do PSD do Paraná.
Um mês depois, Motta renunciava ao cargo,
acusado em delação de um ex-executivo da Andrade Gutierrez de pedir propina no
passado para o deputado Rogério Rosso, do PSD do Distrito Federal, um dos vice-líderes
de Temer na Câmara. Para seu lugar no comando do fundo foi deslocado Schneider,
presidente do PSD de Londrina, partido pelo qual talvez se candidate a deputado
em 2018.
Schneider também está com os bens bloqueados.
Foi afastado com Luiz Alberto Barreto, quando da intervenção em outubro. Roman
é autor na Câmara de um decreto legislativo que anula a intervenção. Velho
colaborador do presidente dos Correios, Guilherme Campos, que é ex-deputado
pelo PSD, Esquef também não está mais no cargo, abatido na disputa intestina a
trazer à tona a denúncia de fraude dos 850 milhões de reais revelada por
CartaCapital.Por que o empenho do PSD no pepino com o BNY Mellon?
Republicanismo? Descobertas da Operação Greenfield, que investiga fundos de
pensão, às quais a reportagem teve acesso, indicam que não.
Na gestão Campos, os Correios planejam
negociar vários de seus imóveis. Seu centro de distribuição no Rio de Janeiro,
por exemplo, mudaria do bairro de Benfica para o de Campo Grande. Um negócio de
uns 2 bilhões de reais. Quem financiaria a operação? O Postalis. Com que
dinheiro? De um acordo com o BNY Mellon. Com comissão para alguém, quem sabe
caixa 2 na campanha de 2018? Provavelmente.
Desse tipo de negócio estava encarregado o
ex-diretor de Administração dos Correios Paulo Roberto Cordeiro, um caixa
informal do PSD. Esquef seria cumpridor de igual papel para Campos, quis se
meter nas ideias de Cordeiro, houve briga, e este acabou demitido por ordem de
Kassab.
O degolado reagiu com a denúncia de fraude no
contrato de 850 milhões planejada com a empresa Nexxera. Consta que ele hoje
sonha alto: quer voltar à estatal e ficar com a vaga de Campos. Será que sua
cobiça é tanta que se podem esperar novos capítulos na guerra dos Correios?
A propósito: Campos que se prepare para mais
uma. Vem aí uma intervenção no Postal Saúde, o convênio dos carteiros.