Correios:
tragédias, prejuízos e falta de investimento
colocam estatal em xeque
O
Povo Online
21/02/2018
De
estatal que repassava mais da metade do lucro anual à União, Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos (ECT) pode tornar-se, em menos de meia década,
dependente do Governo Federal para manter funcionários e até realizar entregas.
O diagnóstico mais recente sobre a organização foi divulgado no fim do ano
passado pelo Ministério da Transparência e da Controladoria-Geral da União
(CGU). O levantamento mostra, por exemplo, que o patrimônio líquido do negócio
— a diferença entre os ativos e o passivo — sofreu queda de 92,63%.
O
relatório examina o período de 2011 a 2016, “quando a empresa apresentou
crescente degradação na capacidade de pagamento a longo prazo, aumento do
endividamento e da dependência de capitais de terceiros e, principalmente,
redução drástica de rentabilidade, com a geração de prejuízos crescentes a
partir do exercício de 2013”. A CGU usou demonstrativos contábeis publicados no
site da organização.
Diagnóstico
da CGU
Entre
os fatores que impactam a situação financeira da estatal, o órgão de controle
apontou a elevação do custo com pessoal. Enquanto o quadro de funcionários
cresceu apenas 0,43%, passando de 114,9 mil para 115,4 mil, o montante
financeiro empregado para mantê-los, sem considerar o benefício pós-emprego,
aumentou 62,61%, indo de R$ 7,5 milhões para R$ 12,3 milhões. Levando em conta
os valores com o benefício, houve aumento de 345,8%, passando de R$ 118,6
milhões para R$ 410,3 milhões. O relatório apontou ainda elevação de
179,73% nos custos com insumos, subindo de R$ 2,9 bilhões para R$ 5,3 bilhões.
Houve ainda redução nas aplicações financeiras. Uma diminuição de 66,01%,
caindo de R$ 5,9 milhões para R$ 2 bilhões. Outro fator apontado é a
transferência “elevada” de recursos para a União. “Estes valores transferidos
reduziram drasticamente a capacidade de investimento da empresa e,
consequentemente, a sua viabilidade econômica financeira”, relata a CGU.
Transferência
de recursos
Ainda
conforme o documento da Controladoria, anualmente, os Correios devem passar
pelo menos 25% do lucro à União. Na prática, é repassado 50% do valor. Em 2011,
por exemplo, a empresa obteve um lucro de R$ 882,7 milhões, sendo que, desse
total, foram deduzidos R$ 184 milhões de ajustes de exercícios anteriores e R$
128,8 milhões de tributos sobre o lucro no período. Do valor restante são
tirados ainda 5% referente à reserva legal — garantia paga ao Banco Central
(BC) sobre os passivos.
Portanto,
dos R$ 541,4 milhões que sobraram, metade deveria ser passado à União.
Porém,
o Conselho Administrativo da entidade decidiu, em setembro de 2011, antecipar à
União o valor de R$ 350 milhões. Ainda foram pagos R$ 392,8 milhões referentes
ao dividendo de 2010, somados a R$ 793 milhões da reversão de Reserva de
Contingência — paga para compensar , em exercício futuro, a diminuição de lucro
—, R$ 55,8 milhões do lucro de 2009 e R$ 151,4 milhões referente à atualização
monetária. No fim, a empresa precisou pagar R$ 1,74 bilhão ao Governo Federal.
Sucateamento
sintomático
Conforme
O POVO Online mostrou na última semana, a quantidade de indenizações pagas
pelos Correios cresceu 1.054,56% em cinco anos, segundo o relatório da CGU. Os
processos envolvem atraso, extravio, roubo, avaria, espoliação e outros
incidentes que prejudicam o consumidor. As recompensas também são aplicadas a
quem perde encomendas em situações como a que ocorreu no dia 13 de fevereiro,
em Fortaleza, quando incêndio consumiu 90% do Centro de Triagem.
À
época, a direção Sindicato dos Trabalhadores em Correios, Telégrafos e
Similares do Estado do Ceará (Sintect-CE) informou que problemas no prédio eram
denunciados há pelo menos dois anos. Em 13 meses, foi a quarta unidade da ECT
que foi destruída por incêndio. No dia 3 de janeiro do ano passado, o Centro de
Operações dos Correios de Santarém, no Pará, também sofreu com o fogo. Em 18 de
dezembro, chamas consumiram galpão da empresa em Teresina, no Piauí. Já no
último dia 2, cerca de 9 mil encomendas em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro,
foram queimadas.Para Israel Pereira Rodrigues, presidente do Sindicato dos
Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos do Pará
(Sincort-PA), a sequência de incêndios são “tragédias anunciadas”. “Há muito
pedimos que os Correios revejam suas instalações, suas condições de trabalho, e
eles alegam não ter recursos financeiro para isso, mas é o básico”, criticou.
Segundo
Edilson Nete dos Santos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios
do Piauí (Sintect-PI), o cenário em outros estados não é diferente. “O complexo
de Teresina é precário e insalubre, já teve vários problema elétricos”, disse.
Até agora, o laudo pericial sobre os incêndios ocorridos neste ano não foi
divulgado. Quanto aos registrados no ano passado, os investigadores apontam
falha elétrica nos prédios queimados.
Para
o representante da categoria, independentemente dos laudos já concluídos, é
preciso apurar a coincidência de tantos incêndios em tão pouco tempo. “São
muitas tragédias, sempre em horários com poucas pessoas nas unidades. Tem de
saber o motivo de tanto problema elétrico”, ressaltou.Privatizar é a solução?
Para
sindicatos dos trabalhadores dos Correios, o “sucateamento” faz parte de um
plano federal para privatizar a empresa. “A ideia é dissecar. Desde 2011, por
exemplo, não há mais concurso. As unidades estão abandonadas, assim como os
veículos e as bicicletas não recebem manutenção, os trabalhadores são expostos
a situações insalubres”, lamentou Avelino Rocha, diretor do Sintect-CE. Ele
argumenta que, com a queda na qualidade dos serviços prestados, a população
tende a pressionar o Governo Federal a vender a estatal.
Já
o economista e consultor empresarial Sérgio Melo avalia como positivo o negócio
envolvendo a empresa, já que o setor público, “regra geral, não é um bom
empresário”. Para ele, casos como a venda da Companhia Vale do Rio Doce (Vale)
e da Telecomunicações Brasileiras (Telebrás) são prova disso. “São exemplos
mais que contundentes demonstrando que a eficiência do setor privado é
infinitamente maior”, afirmou.“A ineficiência dos Correios nos últimos anos
salta aos olhos. A ingerência da política em uma atividade tão importante como
essa atrapalha. Cria cascas políticas de partidos a ponto de se dizer que
determinadas empresas pertencem a determinadas legendas”, criticou o
economista.
O
diretor do Sintect-CE rebate. Apesar de reconhecer os problemas, ele considera
que reformas internas podem frear a crise que se estabeleceu na estatal. “A
solução não é privatizar, é somente voltar a investir no setor operacional:
fazer concurso e dar manutenção na frota”, disse. Segundo Rocha, o eventual
negócio causaria mais problemas que benefícios aos usuários. “Os Correios têm
um papel social importante de integração, vai a todos os lugares, incluindo os
distantes. Uma empresa privada só vai querer os grandes eixos que dão lucro. A
população ficaria desassistida”, afirmou.Em meio ao debate, Gilberto Kassab
(PSD), ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MTC) — pasta
a qual a ECT está submetida —, descartou neste ano a hipótese de vender a
empresa à iniciativa privada. Em maio do ano passado, ele e o presidente da
estatal, Guilherme Campos, cogitaram essa possibilidade. O recuo ocorreu após
as contas da ECT apresentarem melhora. Ao invés de prejuízo na ordem de R$ 2
bilhões, como os registrados em 2015 e 2016, a projeção é de que o balanço do
ano passado, ainda a ser divulgado, aponte perda de R$ 1 bilhão da
estatal.
Redução de danos
Ainda
no ano passado, a CGU adiantou que era esperada melhora nos números da
instituição a partir de 2016 devido ao reconhecimento da imunidade tributária
recíproca entre o Governo Federal e a organização. “Trará, como impacto
imediato, a redução da carga tributária das contribuições sociais ao PIS e à
Cofins, visto que a Empresa passará a tributar a totalidade do seu faturamento
pelo regime cumulativo, resultando em uma redução da despesa tributária em
aproximadamente R$ 18 milhões anuais, podendo este valor variar
proporcionalmente ao faturamento auferido”, apontou.Contudo, no texto, a
Controladoria-Geral alerta para a necessidade de ações emergenciais com a
intenção de frear as crescentes perdas. “Se medidas efetivas não forem tomadas,
no curto prazo, para ampliação da receita e redução dos custos, principalmente
em relação aos benefícios pós-emprego, constata-se que a empresa irá se tornar
gradativamente dependente de recursos transferidos pela União para o seu
custeio”.
À
CGU, os Correios enviaram uma série de medidas que estão sendo tomadas com o
intuito de reverter o quadro de sucessivos prejuízos e garantir a
sustentabilidade econômica da organização. Entre as ações, está a revisão do
plano estratégico e definição de modelo de gestão da estatal. O plano aponta
para política de transparência, monitoramento e planejamento de resultados —
além de redução de custos com pessoal e implantação de programas de segurança
para evitar roubos, extravios e perdas das encomendas.
Algumas
medidas adotadas pela empresa foram suprimidas do documento a pedido da estatal
sob alegação de serem informações estratégicas. Ao O POVO Online, a assessoria
de imprensa dos Correios informa que a diretoria da organização vem trabalhando
para recuperar o equilíbrio financeiro, otimizando a gestão e o controle de despesas.
Entre as medidas adotadas estão a revisão de contratos, a adoção de nova
política comercial, que permite maior participação da estatal no segmento de
encomendas, e a redução de custos com pessoal e encargos sociais. "Também
estamos racionalizando a rede de agências, e, diante da redução do segmento de
mensagens, da introdução de novas tecnologias e da automação dos fluxos
operacionais, estamos reavaliando o efetivo necessário", explica.
No
documento, a empresa afirma não especular sobre as causas do incêndio no Centro
de Triagem de Cartas e Encomendas de Fortaleza e reitera que aguarda a
conclusão da perícia técnica feita pela Polícia Federal (PF). "A respeito
do diagnóstico/recomendações emitidas pela CGU no relatório nº 201700921, os
Correios informam o andamento para cada recomendação emitida", garante. A
nota explica ainda que o resultado de 2017 está em fase de apuração.
Considerando
a necessidade de compatibilização dos dados Financeiros com os dados Contábeis,
o encaminhamento do resultado ocorrerá após aprovação das Demonstrações
Financeiras anuais de 2017 e dos Demonstrativos Contábeis Trimestrais de 2018.
Já o Relatório de Gestão de 2017 está sendo elaborado, com conclusão prevista
até 31 de maio deste ano. O andamento da implementação das medidas propostas e
os resultados alcançados serão demonstrados no relatório, como requerido pela
CGU.