Previc vê perda milionária do Postalis em ‘nova bolsa’
ESTADÃO
18/11/17
Segundo relatório da Previc, fundo de pensão
investiu praticamente sozinho, mas ficou só com 25% de empresa que quer criar
rival para a B3
O Postalis, fundo de pensão dos funcionários dos Correios,
fez praticamente sozinho, com mais de R$ 300 milhões, todo o investimento na
ATS, empresa que pretende lançar uma nova bolsa de valores no Brasil. A
fundação, no entanto, levou uma fatia de apenas 25% do projeto. Os demais
investidores, com aporte de R$ 2 milhões, ficaram com o restante da empresa.
A informação consta de relatório da Superintendência Nacional de Previdência
Complementar (Previc), que no início de outubro determinou uma intervenção no
fundo de pensão, após sucessivos déficits. Segundo a Previc, houve “prejuízo
aos princípios de rentabilidade, segurança e liquidez, por ter sido realizado o
investimento sem proteção aos interesses da entidade contra o notório conflito
de interesses entre os demais investidores, que eram também os proprietários da
empresa investida”.
Além disso, a superintendência também questiona a metodologia usada para chegar
ao valor econômico de cerca de R$ 1,3 bilhão da ATG Brasil, a controladora da
ATS, e que recebeu os aportes do Postalis. Tal número, apesar de a companhia
ainda não operar, teve crescimento expressivo nos últimos anos.
Por isso, o relatório destaca que há evidências de manipulação no preço dos
ativos que compõem o Fundo de Investimentos em Participações (FIP) ETB, veículo
usado para o investimento de mais de R$ 300 milhões da fundação na ATG.
O relatório destaca que o valor das cotas da ATG é muito superior ao valor de
seu patrimônio. O documento coloca que, conforme a última demonstração
financeira disponível, do exercício de 2015, o prejuízo acumulado foi de R$
210,882 milhões, com um patrimônio líquido de R$ 148,407 milhões.
Mas o laudo de avaliação da empresa mostra um valor econômico de R$ 1,3 bilhão,
conforme o mesmo documento do regulador. A avaliação é que o laudo usado como
base “para precificar o ativo ATG utiliza várias premissas sem
fundamentação técnica, sem buscar estudos e fontes de dados externas para
embasar as expectativas adotadas”.
Sócios
O projeto da ATS é liderado pelos investidores Arthur Pinheiro Machado e
Francisco Gurgel do Amaral Valente, que controlam a ATG. A ATS foi criada em
2012 e, na época, tinha como sócia a Nyse, bolsa de Nova York. Mas a sociedade
foi desfeita neste ano, após uma briga em processo arbitral que correu sob
sigilo e que não teve a causa divulgada.
Procurada, a ATG diz que lhe causa estranheza o fato de o relatório da Previc
vir à tona justamente no início do processo de arbitragem, determinado pelo
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que vai definir o preço
para acesso à central depositária da bolsa B3 e, portanto, “o fim do monopólio
no mercado de capitais brasileiro”.
A ATG afirma, ainda, que recente relatório do Tribunal de Contas da União
(TCU), que apura causas para os prejuízos do Postalis, não cita a companhia. O
documento do TCU, no entanto, está focado nos investimentos citados pela CPI
dos Fundos de Pensão.
Também procurado, o Postalis não respondeu.
Previc
Apesar de o investimento na ATS (empresa que tenta criar uma nova bolsa de
valores no Brasil) pelo Postalis não ter sido o que mais ficou nos holofotes
nos últimos anos, não passou despercebido pelo patrocinador do fundo, os
Correios.
Em 2015, a empresa realizou uma auditoria interna que abordou diversos
investimentos da fundação. E apontou que, após análise de demonstrações
contábeis do FIP ETB (fundo de investimento em participações usado pelo
Postalis para investir na ATG, controladora da ATS), referentes ao exercício de
2012 e 2013, constatou-se “a existência de divergências entre os valores
registrados para as mesmas ações da ATG e os valores registrados no FIP”.
O documento já apontava a grande valorização das cotas do fundo ETB, mesmo
antes do início da operação da nova bolsa, e que o aporte dos acionistas da
ATG, de R$ 2 milhões, foi transformado em cerca de R$ 535 milhões, mesmo sem a
colocação de novos recursos. O Postalis, porém, apesar de novos investimentos,
ficou com a mesma fatia da companhia.
Dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) mostram que o FIP ETB foi
constituído em julho de 2010, quando tinha apenas um cotista, com um patrimônio
líquido de R$ 2 milhões. No ano seguinte o patrimônio era de R$ 722 milhões
(julho a setembro), de R$ 742 milhões em 2012, R$ 833 milhões em 2013, R$ 1,005
bilhão em 2014, R$ 1,086 bilhão em 2015, R$ 1,1 bilhão em 2016 e R$ 1,2 bilhão
no terceiro trimestre deste ano.
De acordo com o relatório da Superintendência Nacional de Previdência
Complementar (Previc), o investimento do Postalis na ATS já deveria estar
provisionado e que, “sem o devido colchão para esse investimento com perda
provável, a fundação está mascarando déficit existente do plano, acobertando-o
com recursos garantidores que não darão nenhum rendimento, além da provável
perda do recurso investido”.
Por fim, o regulador aponta a necessidade da nomeação de um interventor para
fazer tais correções e que “apresente a contabilidade com fidedignidade”.
ATS
A ATS Brasil, que tem planos de abrir uma bolsa de valores no Brasil,
entrou com um processo de arbitragem contra a B3. A empresa, capitaneada pela
ATG, acusa a bolsa brasileira, fruto da fusão da BM&FBovespa com a Cetip,
de colocar preços para fornecer seus serviços que inviabilizam o projeto da
ATS.
Já a B3, conforme documentos protocolados no Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade), rebate e diz que apresentou quatro propostas diferentes,
reduzindo preços, mas que a ATS não demonstrou, ao longo de todo o processo,
interesse em chegar a um acordo.
O procedimento de arbitragem ocorreu automaticamente, por conta de determinação
do Cade no âmbito da aprovação da fusão de BM&FBovespa e Cetip, em março
deste ano. O acordo firmado previa que a B3 teria de colocar à disposição de
interessado o acesso à sua infraestrutura, e estabeleceu um prazo de até 120
dias para a negociação de preço e outras condições. Se não houvesse acordo, a
arbitragem seria o foro de resolução.
Agora a disputa entre ATS e B3 está Câmara de Arbitragem Brasil-Canadá, sob
sigilo. No procedimento, cada lado indica um árbitro. Esses dois profissionais,
em comum acordo, indicarão um terceiro.
Procurada, a B3 disse que sempre esteve “disponível para dialogar e negociar
com todos os potenciais interessados no acesso aos seus serviços de clearing e
depositária, com o intuito de obter acordos razoáveis em relação às condições
para a prestação de tais serviços”.
Além disso, afirma que está cumprindo rigorosamente o estabelecido no Acordo em
Controle de Concentração celebrado perante o Cade e observando a governança ali
prevista, inclusive no que diz respeito à negociação com potenciais
interessados na prestação de serviços de depósito centralizado.
Em paralelo, há ainda um inquérito administrativo no Cade que está tramitando
desde o dia 7 de abril do ano passado, exatamente um dia antes dos conselhos de
administração de BM&FBovespa e Cetip chegarem a um acordo sobre a fusão e
anunciarem ao mercado.
Nos bastidores, se questiona qual o peso que o Cade tem dado para o histórico
da companhia, principalmente pelo fato de um dos acionistas da ATG, Arthur
Machado, ter sido citado na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Fundos
de Pensão da Câmara dos Deputados. A ATG destaca que Machado não responde a
nenhum processo judicial nem está sob investigação.
“A tal referida percepção do mercado quanto à sua reputação é resultado dos
mesmos ataques realizados com base em interesses políticos, e não técnicos”,
afirma a ATG em nota.