Má gerência ajuda a explicar perdas
dos fundos de pensão das estatais
Extra
22/02/2016
RIO — O verão de 2008 é inesquecível
para Pedro Célio Arantes. Depois de três décadas nos Correios começou vida nova
em Brasília, com a renda poupada em 27 anos de investimentos no fundo de pensão
estatal Postalis. Como outros 212 mil sócios da fundação, não poderia imaginar
que o seu patrimônio era subtraído em obscuras transações.
Em janeiro, por exemplo, quando
Arantes se aposentou, o Postalis concentrara aplicações de R$ 100 milhões em
uma dúzia de empresas privadas. Em março, R$ 73 milhões já estavam classificados
como perdas irrecuperáveis.
Quatro verões depois, enquanto
Arantes recebia um “desconto” de 12% no rendimento, imposto para cobrir o rombo
nas contas do Postalis, um professor de ioga em Miami celebrava o maior negócio
da sua vida.
O paraense Fabrizio Dulcetti Neves
ganhou uma bolada de US$ 14 milhões (R$ 56 milhões) agenciando títulos no
exterior para o fundo dos Correios.
O Postalis possuía uma reserva em
dólares, lastreada em títulos da dívida externa brasileira. Dulcetti Neves
trocou tudo por papéis emitidos pela Argentina e Venezuela, sem valor de
mercado. Desapareceram R$ 380 milhões das contas do fundo de pensão no banco
Mellon, de Nova York.
O órgão de fiscalização dos Estados
Unidos (SEC, na sigla em inglês) alertou o governo brasileiro. Descobriu que o
Postalis pagava até 67% de comissão ao corretor, parceiro de um “executivo de
alto escalão” do fundo estatal.
Prevendo consequências judiciais, o
banco Mellon seguiu a pista do dinheiro e identificou uma empresa no paraíso
fiscal caribenho das Ilhas Virgens: Spectra unia Dulcetti Neves ao então
presidente do Postalis, Alexej Predtechensky.
“Russo”, como ele é conhecido,
chegara ao Postalis na esteira de um acordo do presidente Lula com a cúpula do
PMDB na campanha da reeleição presidencial, em 2006. Por isso, o fundo dos
Correios foi o único entre os maiores estatais a ficar fora do controle da
burocracia sindical do Partido dos Trabalhadores.
Dilma Rousseff demitiu “Russo” em
2012, quando ele já acumulava 74 processos na fiscalização do Ministério da
Previdência. E entregou a vaga ao PT.
Wagner Pinheiro, que chefiava os
Correios, nomeou Antonio Carlos Conquista, seu antigo aliado de ativismo no
Sindicato dos Bancários de São Paulo e na Central Única dos Trabalhadores.
Conquista chefiara o gabinete de
Pinheiro na presidência do fundo de pensão da Petrobras, durante o governo
Lula. Também passara pelo comando do Geap, fundação de saúde dos servidores
federais, que deixou sob intervenção federal, com um déficit R$ 360 milhões.
Quando chegou ao Postalis teve a
consultoria de João Vaccari Neto, ex-presidente do sindicato paulistano e
tesoureiro do PT. Vaccari está preso, acusado de corrupção e lavagem de
dinheiro em negócios da Petrobras.
— Eu ia ao PT — contou à CPI dos
Fundos de Pensão. — Conversávamos sobre o que eu poderia fazer.
O resultado do loteamento político
dos fundos estatais nos governos Lula e Dilma é um déficit superior a R$ 46 bilhões
em 2015, na estimativa oficial.
Dois terços do rombo se concentram
nas fundações dos Correios, Petrobras e Caixa. A conta será dividida entre os
associados e as empresas patrocinadoras — ou seja, pela sociedade, porque elas
são controladas pelo Tesouro.
No acervo de prejuízos são evidentes
as rotinas de má gerência e os padrões de investimentos em negócios privados
sem retorno. Com frequência, os fundos estatais somam prejuízos num mesmo
empreendimento.
O estoque de perdas bilionárias
motiva inquéritos sobre corrupção no Congresso e na Justiça Federal.
Também acirra conflitos: na Petros o
conselho fiscal rejeita todas as contas há 12 anos seguidos.
O fundo da Petrobras já deu como
perdidos R$ 730 milhões aplicados em sete dezenas de projetos dos grupos
Morada, Cruzeiro do Sul, BVA, Trendbank, Galileo, Schahin, Eletrosom, Riviera,
Celpa e Inepar, entre outros.
No portfólio de fracassos reluzem
casos como o da Lupatech, do setor de válvulas industriais, que recebeu R$ 60
milhões quando seu patrimônio já estava negativo. E o da Indústria de Metais do
Vale, do falecido deputado do José Janene (PP-PR) e do doleiro Alberto Youssef,
com suspeita de propina de R$ 500 mil para dois diretores da fundação. Segundo
a Petros, os investimentos “estão sendo recuperados” e “nunca foi comprovada
nenhuma atitude condenável” dos seus diretores.
O fundo da Caixa é referência em
relatórios do órgão de fiscalização, a Previc, pela coletânea de decisões de
investimentos de alto risco quase sempre tomadas contra as próprias avaliações
técnicas e jurídicas.
Assim foi na aplicação de R$ 629
milhões em projetos de portos e logística; de R$ 75 milhões na Termelétrica de
Pernambuco, e de R$ 187,7 milhões no FIP Multiner (segundo a Previc, três anos
antes a fundação já diagnosticara “problemas estruturais e de governança” além
de um endividamento de R$ 2 bilhões no Multiner). A Funcef ressalva que “não há
direcionamento para quaisquer tipos de investimentos”.
Soluções para o déficit? Funcef
calcula se reequilibrar “em 17,4 anos”. Petros estuda o que vai fazer a partir
de janeiro do ano que vem. Postalis prevê zerar as contas a partir de 2037,
quando o aposentado Pedro Célio Arantes completa 90 anos de vida.
Até lá, ele acha, sua renda será
reduzida em 40%: — Fui enganado, porque diziam que o investimento era seguro.
Só
resta uma saída, acredita: — Agora é apostar na CPI, no Ministério Público e na
Polícia Federal como salvação, para recuperar o dinheiro perdido.