Correios – serviço universal, obrigação constitucional, inexistência de marco regulatório e capacidade de modernização e de investimento da estatal
Na última semana, autoridades e técnicos do governo federal mencionaram os estudos para avaliação de desestatização dos Correios. O Ministro das Comunicações Fábio Faria tratou do assunto em entrevista ao programa Poder em Foco do SBT e a Secretária do PPI também abordou o assunto numa live.
A ADCAP – Associação dos Profissionais dos Correios tem se colocado à disposição do Ministério das Comunicações, da equipe do PPI, do Congresso e de outras entidades que queiram aprofundar as discussões sobre os Correios, na expectativa de poder fornecer a esses atores elementos de contexto muito importantes e que, em normalmente, não são conhecidos do público em geral.
Neste release, trataremos, sinteticamente, de algumas questões relacionadas aos estudos em curso que demandam especial atenção da sociedade, a saber:
- O que compreende o serviço postal prestado de forma universal;
- Telefonia e Serviço Postal, diferenças de contexto;
- A obrigação de a União prestar os serviços postais;
- A inexistência de marco regulatório para o setor postal;
- A capacidade de investimento e de modernização dos Correios.
1. O que compreende o serviço postal prestado de forma universal?
A área de reserva da União, na qual atuam os Correios com exclusividade, se restringe às cartas, telegramas e correspondência agrupada (malotes), não alcançando os serviços de logística e de encomendas, os quais estão em franco desenvolvimento no país, com ampla e livre participação da iniciativa privada brasileira.
A forte atuação privada nos serviços de encomendas e logística pode ser constatada pela presença no Brasil de milhares de operadores, que vão desde as gigantes UPS, DHL e FedEx, até as empresas nacionais, algumas das quais contando inclusive com capital de correios de outros países, como é o caso da Jadlog, que tem boa parte de seu capital em mãos do correio estatal francês.
2. Telefonia e Serviço Postal, diferenças de contexto.
Quando o governo brasileiro encaminhou a privatização do setor de telecomunicações no Brasil, tínhamos um quadro em que o acesso à telefonia era bem difícil, as linhas eram caras, a ponto de serem consideradas como patrimônio a ser lançado no imposto de renda, havia filas de espera para obter novas linhas e muitas regiões desassistidas. A mudança deste cenário dependia de fortes investimentos e o governo entendeu, na época, que seria melhor privatizar o serviço, passando à iniciativa privada a responsabilidade pela realização desses investimentos, em contrapartida ao grande crescimento de demanda que podia ser projetado.
No caso do serviço postal universal, a situação é bem diferente. O preço da carta no Brasil está entre os menores do mundo, apesar das dimensões continentais do Brasil, e o atendimento postal é extremamente capilarizado, interligando todos os municípios brasileiros.
3. A obrigação de a União prestar os serviços postais.
A prestação do serviço postal aos brasileiros é um direito assegurado pela Constituição Federal. Na atualidade, isso é garantido pelos Correios, com suas agências em todos os municípios e diversos distritos e, ainda, com o serviço de entrega domiciliar, que alcança os endereços de todos os brasileiros, de qualquer renda e poder econômico, ou seja, o serviço postal é um dos serviços mais universalizados e democráticos do País. Para modificar isso, será necessário demonstrar à sociedade e ao Congresso Nacional que os brasileiros não serão onerados nem ficarão sem atendimento após uma eventual privatização, ou seja, que não ocorrerá de somente os brasileiros que tiverem renda mais elevada poderem se utilizar desse serviço, a exemplo do que ocorre hoje em Portugal, onde o serviço postal foi privatizado mais recentemente e a sociedade portuguesa vem sofrendo com maiores preços e falta de atendimento.
Importante observar ainda que, enquanto o comércio eletrônico cresce aos saltos, inclusive potencializado pela pandemia, o volume de correspondências, que constitui a área de reserva, vai decrescendo no mundo todo, substituído por comunicação eletrônica. Porém, o fato de o volume de correspondências estar diminuindo não significa que seja zero e nem que esteja perto disso. São entregues no Brasil todo ano mais de 5 bilhões de correspondências e essas correspondências são indispensáveis para o funcionamento das empresas, como no envio de boletos, cartões de crédito e propagandas, e para a troca de mensagens escritas entre as pessoas. Além disso, deve ser considerado o compromisso brasileiro com outros países na entrega das correspondências recebidas do exterior e envio aos demais países das correspondências oriundas do Brasil e destinadas ao exterior.
4. A inexistência de marco regulatório para o setor.
Além de o Estado ser desobrigado de prestar o serviço postal, uma eventual desestatização dos Correios dependeria de prévia aprovação de um marco regulatório para o setor postal. Hoje esse setor não tem qualquer regulação para disciplinar a garantia constitucional ao sigilo das correspondências e às obrigações de qualidade e de preços aos consumidores. Os operadores de serviços de courier, por exemplo, não se submetem a qualquer norma específica, mas tão somente às normas que se aplicam a qualquer empresa e não contribuem, por exemplo, para um fundo de universalização, que seria necessário para custear a prestação do serviço postal em todo o território brasileiro, modelo que foi desenvolvido há mais de duas décadas na União Europeia, por exemplo.
A construção do marco regulatório para este setor da economia exige conhecer toda sua amplitude e ouvir todos os atores antes de simplesmente deliberar.
5. A capacidade de modernização e de investimento dos Correios.
Em 2010, os Correios dispunham de mais de R$ 6 bilhões em caixa. A Empresa enfrentava, porém, dificuldades para se desenvolver como organização. Não podia, por exemplo, constituir parcerias. O Governo Federal montou então um Grupo de Trabalho Interministerial que, depois de estudar em profundidade a situação, propôs modificações de legislação que superavam aquelas dificuldades, autorizando constituição de coligadas pelos Correios, a atuação da empresa no exterior, além de reforçar a possibilidade de atuação em serviços financeiros, em logística integrada e em correio digital. A lei 12.490/11 implementou essas modificações, que se encontram em plena vigência.
Apesar da nova lei, fatos subsequentes impediram os Correios de seguir sua trilha de modernização e crescimento. Integrantes do próprio Governo Federal, especialmente o Ministério da Fazenda, cuidaram de impedir a tão desejada modernização. Primeiramente, o Tesouro Nacional recolheu de dividendos muitos bilhões de reais, numa medida eu ficou cunhada como "pedalada postal", a qual descapitalizou a empresa. Depois, não autorizou as tentativas que se seguiram de constituir coligadas. Mais à frente um pouco, a omissão da área econômica do governo federal trouxe outra grave consequência para estatais grandes empregadoras como os Correios – a abrupta implantação da norma contábil CPC-33, que exigiu a contabilização antecipada de verbas que as empresas só dispenderiam de fato muitos anos à frente e que sempre eram contabilizadas no momento em que ocorriam e não antecipadamente. O governo federal não agiu e deixou que as estatais se virassem como pudessem para se ajustar à nova norma. Correios e Caixa Econômica Federal foram as mais penalizadas; a Caixa, inclusive, teve dificuldades com risco de desenquadramento nas regras de Basiléia. Mas, como banco no Brasil é sempre o melhor negócio do mundo, a Caixa conseguiu superar relativamente bem a situação. Já os Correios, que não são um banco, sofreram um impacto fortíssimo em seu balanço, que originou o déficit até hoje utilizado para tentar justificar a intenção de privatização. Importante lembrar ainda que não se trata de um déficit que vem sendo ampliado, mas sim o contrário, posto que os Correios registraram lucros nos últimos exercícios.
6. O que os Correios poderiam fazer para superar de vez esse desequilíbrio que ocorreu?
Muito simples. Basta lembrar que no último processo de seleção pública de parceiro para o banco postal o Banco do Brasil pagou aos Correios mais de R$ 2 bilhões para ser o parceiro nesse negócio, além das taxas definidas para cada operação realizada. Além do banco postal, há diversos outros segmentos em que parceiros privados podem ter interesse em investir para exploração exclusiva da rede dos Correios. Pode-se pensar, por exemplo, em seguros, capitalização e logística integrada. Cada negócio desse, colocado na perspectiva do tamanho empresarial dos Correios, pode fazer uma grande diferença para qualquer parceiro, como demonstram as mais de 11 milhões de contas abertas para o Bradesco durante os dez anos de parceria com os Correios.
Nada disso ocorrerá, porém, se as autoridades do governo federal prosseguirem atacando sistematicamente a imagem da empresa, desqualificando seus serviços e insistindo no caminho da privatização.
Administrados profissionalmente, os Correios podem ser uma boa fonte de dividendos para o próprio Governo Federal, além de cumprirem seu papel público de universalização do serviço postal. São, assim, um ativo valioso para os brasileiros, que não devem se iludir com as tentativas de depreciação lançadas à mídia para tentar justificar a intenção de privatização.
A ADCAP permanece à disposição para aprofundar qualquer um desses temas ou outros relacionados aos Correios.
Direção Nacional da ADCAP.
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