O próximo presidente e suas 146 empresas
VALOR ECONÔMICO
25/4/18
Uma vítima do Estado Islâmico. Foi assim que o último presidente dos Correios se
sentiu ao ver a cena de um boneco feito em sua "homenagem" arder
em chamas numa praça de Campinas, no interior paulista.
Colocado no comando da estatal por Gilberto Kassab, onipresente governista,
Guilherme Campos deixou o cargo para concorrer à Câmara dos Deputados,
mesmo com a sua popularidade em cinzas.
Mais ou menos na mesma época, seis vicepresidentes da Caixa Econômica Federal
foram praticamente enxotados porta afora do banco, sob suspeitas de usarem
os cargos no atendimento de interesses particulares e, principalmente, de
seus padrinhos políticos.
Para se salvar da segunda denúncia oferecida pelo Ministério Público, Michel
Temer teve que receber no Jaburu um dos padrinhos políticos mais
bemsucedidos da República. Na lista de pedidos de Valdemar Costa Neto,
presidente do PR, constavam a reabertura do Aeroporto da Pampulha, em Belo
Horizonte, e a exclusão de Congonhas do programa de concessões. O objetivo
era claro: garantir influência e caixa para a Infraero, que é controlada
por seu partido.
Com tantas intempéries, não é de se estranhar a mistura de satisfação e alívio
com que Temer anunciou em um vídeo nas redes sociais a assinatura do
decreto que deu início aos trâmites para a privatização da Eletrobras.
Historicamente cobiçadas por políticos de todos os credos, algumas estatais vêm
se tornando verdadeiros micos, onde a multiplicidade de problemas acaba
superando as vantagens de administrá-las.
Não é à toa que, diferentemente do que se viu em eleições passadas, vários
políticos estão defendendo abertamente as privatizações, mesmo com
pesquisas mostrando que a população ainda é resistente a elas.
Em 2006, o presidenciável Geraldo Alckmin teve que vestir um colete da
Petrobras para se afastar do que mais tarde veio a ser chamado de
"privataria tucana". Dificilmente ele fará algo parecido em sua
segunda tentativa de morar em Brasília.
Quase ninguém o fará, com exceção dos candidatos mais à esquerda. Também é
verdade que a postura infantilizada de demonizar o assunto encontra no
flanco oposto um discurso quase tão precário quanto. Os chamados
ultraliberais entraram no jogo eleitoral deste ano com o discurso de "privatizar
tudo", um factoide que só serve para ilustrar a dimensão do
despreparo para assumirem as rédeas do país.
Apontada por pesquisa recente do Datafolha como a maior preocupação dos
brasileiros, a corrupção foi a trilha encontrada para tornar as
privatizações mais palatáveis. Encolher a máquina pública, diz a tese,
reduz automaticamente a oferta de comida para as aves de rapina.
Faz até algum sentido, mas não é só isso. Estudioso das estatais, o professor
do Insper Sérgio Lazzarini lembra que as privatizações podem abrir
oportunidades para grandes negociatas, como se viu em um passado não muito
distante. O maior problema, contudo, é a complexidade dos
processos,ignorada solenemente pelos devotos do Estado raquítico.
"E os empregados? E o fundo de pensão? E o passivo contingente? Para cada
caso desses, tem que fazer tanta coisa estruturada que quem chegar aqui e
falar que vai privatizar desse jeito não conhece o assunto", explica
Fernando Soares, titular da Secretaria de Coordenação e Governança das
Estatais, ligada ao Ministério do Planejamento.
No cargo há quase dois anos, Soares recebeu a missão de analisar todas as
possibilidades de privatização. Elas não são poucas, de fato, mas é bom
que o próximo presidente não se iluda com a capacidade de torná-las
realidade.
"Não é só questão de apoio da sociedade. O passo a passo disso é quase
heroico. Surgem tantos problemas e tantas dificuldades que, quando você
vence tudo, gastou dois anos na privatização de uma empresa".
Sozinho, o processo de capitalização da Eletrobras consome praticamente toda a
capacidade operacional da administração pública nessa área. Mesmo se o
governo quisesse, não conseguiria tocar nenhuma outra privatização
relevante em paralelo. A ausência de privatizações durante os 13 anos do governo
petista resultou em toda uma geração de técnicos sem expertise no assunto,
especialmente no BNDES, que é o órgão responsável pela coordenação do
Programa Nacional de Desestatizações.
A redução do número de empresas estatais, hoje são 146, está diretamente vinculada
à equação fiscal. Se é verdadeira a necessidade de uma readequação do
Estado à realidade de suas receitas, o debate sobre as privatizações se
faz obrigatório no processo eleitoral deste ano. Indispensável que a abordagem
se dê em bases menos grosseiras, que mirem tanto a inutilidade de algumas
estatais quanto o papel social de outras.
Quando o próximo presidente assumir, a Eletrobras ainda não será privada.
Projeções mais otimistas apontam para um desfecho do processo no meio de
2019. Quando a privatização for concluída, o governo terá se livrado não
só da empresa, mas de suas 38 subsidiárias. No ano passado, o grupo apresentou
um prejuízo de R$ 1,72 bilhão.
A tendência atual é de que o enxugamento de estatais continue, podendo cair
para menos de 100 empresas no médio prazo. Não é só por meio da venda que
se pode diminuir o peso delas para o Estado. Alternativas como liquidação,
extinção, abertura de capital e joint ventures devem estar permanentemente no
radar.
Aprovada em 2016, a Nova Lei das Estatais representou um avanço importante, ao
colocar mais entraves às indicações políticas. Se não barrou completamente
a entrega das empresas aos afilhados, a legislação ajuda a qualificar um
pouco mais as indicações.
Apesar de mais problemáticas, as estatais continuam sendo um filão considerável
para o fatiamento político do Estado, como se pôde ver na tentativa
recente de privatização da Casa da Moeda. O governo engavetou a ideia após
protestos do PTB, que segundo uma fonte do Planalto se abrigou na estatal como
os personagens do seriado espanhol "La Casa de Papel".
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