Privatização vai acelerar em
2020,diz Mattar
Valor
20/12/2019
20/12/2019
Previsão é sair de 120 companhias, mas caso ocorra a venda da
Eletrobras total
pode superar 300 negócios
Salim Mattar: “É
ético o governo não ter gaze no hospital mas ter R$ 100 bilhões em
participações de empresas? Não seria melhor vender esses R$ 100 bilhões e fazer
saneamento básico?”
O secretário especial
de Desestatização do Ministério da Economia, Salim Mattar, disse que o processo
de privatizações ganhará velocidade em 2020. Hoje a União tem participação em
627 empresas. Em 2019, conseguiu sair de 67. No ano que vem, o governo quer
deixar de estar em mais de 120 empresas. Mas o número pode saltar para mais de
300 se sair a venda da Eletrobras e suas cerca de 210 subsidiárias. Ele
acredita que o Congresso autorizará a privatização no primeiro quadrimestre do
ano. Um dos maiores entusiastas do plano de redução do Estado defendido pelo
governo, Mattar admite que o processo neste ano foi lento, reflexo da curva de
aprendizado da atual equipe econômica e das amarras que o Estado impõe para
dificultar a desestatização. Por isso, promete apresentar ao Congresso em
fevereiro projeto que cria o chamado “fast track” (via rápida) das
privatizações.
Na lista de metas a
cumprir em 2020 está se desfazer de participação direta minoritária da União em
57 empresas. Até 2022, a ideia é que o BNDESPar deixe de participar de todas as
empresas. Mas Mattar não se mostra otimista com o ritmo para venda dos
Correios. Em entrevista ao Valor, Mattar ressaltou que tudo será feito de forma
gradual e com muita cautela, principalmente no caso das participações do
BNDESPar em empresas abertas. Ele frisou que Caixa Econômica Federal, Banco do
Brasil e Petrobras não serão vendidos no atual governo. Com a venda de
participações pela BNDESPar, Mattar destacou que o banco vai pagar pelo menos
R$ 100 bilhões para o Tesouro Nacional em 2020. Esse dinheiro será utilizado
para abater dívida, o que, espera, resultará em menos gastos com juros e mais
destinação de recursos para áreas prioritárias: segurança, saúde e educação.
Defendeu que a pauta
de costumes mais conservadoras não atrapalha o avanço da agenda econômica mais
liberal pois andam de formas separadas no Congresso. Mattar disse já se sentir
à vontade em Brasília e mora com a família em uma casa no Lago Sul. Ressaltou
que não tem pretensões políticas e que essa experiência no governo será a
primeira e última. Leia os principais trechos da entrevista:
Valor: Como foi este
ano na sua área de redução do Estado, que carrega a marca do governo?
Salim Mattar:
Primeiro, queria dizer que estão diante de um ser estranho na Esplanada. Quando
os empresários vêm para o governo, normalmente é para o Legislativo. Empresário
vir com a minha posição, como um secretário de Estado para cuidar de um objeto
específico, no caso desestatização, não é uma coisa muito normal. Não tenho
pretensão de vida política. Em governo, eu diria que essa experiência com o
ministro Paulo Guedes deve ser minha primeira e última. Vi chance de ser feito
um bom governo conservador liberal. Pela primeira vez no Brasil teria uma associação
de conservadores com liberais no governo.
Valor: Qual a
principal diferença entre atuar no serviço público e iniciativa privada?
Mattar: O governo é
gigantesco e, por isso, moroso. Essa lentidão é contrapartida oposta ao que
acontece na iniciativa privada. A tomada de decisão privada é muito mais
rápida. Mas entende-se que no governo as coisas têm que ser mais cuidadosas.
Essa lentidão faz parte do processo de governos. Não é uma coisa do governo
brasileiro.
Valor: Essa agenda
liberal está avançando a contento?
Mattar: Está
avançando a contento. A reforma da Previdência mostrou profundidade e essa
agenda pode ser explicitada no risco Brasil, na bolsa, no dólar, na confiança
na economia, no PIB, na taxa de juros. Eu acredito certamente que nos quatro
anos de governo Bolsonaro/Guedes a economia vai ter uma grande retomada. O
presidente Bolsonaro será reconhecido como estadista ao longo de seu governo
devido à essa recuperação de uma economia absolutamente esfrangalhada e uma
tônica dos costumes em que, temos que entender, 57,7 milhões de brasileiros
deram a ele esse mandato.
Valor: O sr. não acha
que essa pauta conservadora gera conflito e reforça a lentidão na agenda
liberal?
Mattar: Não. Andam
separados. Em todos os países, as pautas mais conflituosas para a sociedade são
as conservadoras. Isso é normal em qualquer país. A nossa democracia é madura,
plena, e nós estamos vendo isso na implementação de uma pauta conservadora nos
costumes e liberal na economia. É ridículo dizer que a democracia estava em
risco. Estamos assistindo à implementação de uma pauta conservadora nos
costumes e liberal na economia”
Valor: Qual o balanço
da sua secretaria?
Mattar: Encontramos
694 empresas que são de controle direto da União, ou seja, estatal, ou
subsidiárias das estatais ou coligadas. A Petrobras tem 56 subsidiárias e 78
coligadas. A BNDESPar tinha participação em 40 empresas de capital aberto e em
72 de capital fechado. Das 40 de participação, ela já vendeu algumas. Tem ainda
umas 30 participações. Em outubro de 2018, em Belo Horizonte, antes do segundo
turno em um hospital público grande, inaugurado recentemente, não tinha gaze
para cirurgia. Naquele momento que não tinha gaze, a BNDESPar tinha mais de R$
100 bilhões de participação em boas empresas. Eu pergunto para vocês? É ético o
governo não ter gaze no hospital, mas ter R$ 100 bilhões em participações de
empresas? Não seria melhor vender esses R$ 100 bilhões e fazer saneamento
básico nas periferias de bairros de cidades pequenas? Nos últimos dez anos, o
governo colocou R$ 160 bilhões em estatais dependentes, aquelas que não param
de pé e precisa de subvenção anual. Mais R$ 30 bilhões em empresas que são
superavitárias, mas que precisam de caixa para continuar investindo. São R$ 190
bilhões. Não seria muito melhor o governo investir em saúde, educação e
segurança que ter um fundo de aplicação em ações?
Valor: O que fazer
para acelerar as privatizações?
Mattar: Estou
surpreso com o apoio dos órgãos de controles à privatização. O apoio de CGU
[Controladoria-Geral da União] e TCU à privatização. O TCU está querendo criar
uma célula especifica para nos ajudar a acelerar o processo na hora que receber
nossas demandas. Temos o apoio do TCU e do Congresso. Inúmeros senadores e
deputados com quem já estive apoiam essa pauta e reconhecem que 694 empresas é
inadmissível. Temos investimentos inclusive em empresas de palha de aço e de
detergente. Eu pergunto: o que leva governo brasileiro a ter participação numa
empresa de detergente e palha de aço? Ou seja, nós nos perdemos.
Valor: O governo está
tendo dificuldades para privatizar a Eletrobras no Congresso....
Mattar: Quem falava
ali era o Senado. O Maia [presidente da Câmara, Rodrigo Maia] está muito mais
otimista. Nós estamos numa democracia. Eles [Senado] estão dando um recado. Não
quero entrar muito na pauta política porque meu negócio é mais desestatização.
Valor: Mas qual é o
recado?
Mattar: Acho que o
Senado quer ser mais ouvido. Mas anotem aí: a Câmara dos Deputados e o Senado
vão aprovar a capitalização da Eletrobras. O Parlamento demonstrou na reforma
da Previdência que tem sensatez, responsabilidade e está sensível aos grandes
temas brasileiros e reconhece a pauta que elegeu o Bolsonaro.
Valor: Quando deve
ser aprovada? Ainda em 2020?
Mattar: Sim em 2020.
Posso arriscar que isso deve acontecer, possivelmente, no primeiro
quadrimestre. Estou muito confiante. A Eletrobras precisa de R$ 14 bilhões por
ano, nos próximos cinco anos, para manter o market share dela. Ela consegue ter
R$ 3 bilhões, então precisaria de R$ 11 bilhões do governo por ano. Não faz
sentido. Nós precisamos fazer mais saneamento básico, precisamos de mais
segurança.
Valor: O governo está
negociando alguma coisa para convencer a bancada do Nordeste?
Mattar: Temos que
entender que o Congresso é soberano. Eles podem aprovar uma lei para direcionar
os recursos para o Norte e Nordeste ou seja lá para onde for.
Valor: Qual a
orientação para o BNDESPar? Zerar a participação em empresas?
Mattar: Temos hoje carteira
no BNDESPar de R$ 110 bilhões, a maioria das empresas é listada. Certos
comentários eu não posso fazer. Não está nos planos desse governo manter um
hedge fund ou manter carteira de investimento robusta como temos hoje. Temos
que ser cuidadosos nesses desinvestimentos. Será feito de forma cuidadosa e
gradual. Vender participações da BNDESPar é o mais fácil ativo a ser
desestatizado. Os Correios vão demorar muito tempo.
Valor: Dá para dizer
que o BNDESPar vai zerar sua carteira ao longo do governo Bolsonaro?
Mattar: Vai zerar ao
longo do governo Bolsonaro. Esses R$ 110 bilhões até o fim do governo serão
zerados, e os recursos serão usados para reduzir dívida. Se reduzo dívida, pago
menos juros e sobra mais dinheiro para investir. Com a venda de ativos, o BNDES
por exemplo, poderá devolver ao governo em IHCD [Instrumento Híbrido de Capital
e Dívida]. Já devolveu este ano R$ 123,5 bilhões de empréstimos.
Valor: Quanto o BNDES
devolverá ao Tesouro no ano que vem?
Mattar: No ano que
vem, no mínimo, R$ 100 bilhões. Nós desalavancamos o banco público. Ele fica
mais cuidadoso nos investimentos, devolve dinheiro e nós reduzimos a dívida.
Valor: O presidente
Bolsonaro concorda com a agenda de redução do Estado, mas se mostrou contra a
privatização de Caixa e Banco do Brasil. Recentemente saiu notícia de que o BB
seria privatizado. O sr. tem esperança de convencer o presidente a vender essas
empresas?
Mattar: Eu tenho
muito trabalho. Eu tenho 627 empresas. Tenho três anos pela frente. Conseguimos
diminuir só 67. Nestes três próximos anos, não haverá privatização de Banco do
Brasil, Caixa Econômica Federal e Petrobras. Não vou tentar [convencer o
presidente].
Valor: Dá para
reduzir para quanto a quantidade de empresas?
Mattar: Não faz
sentido ter essa quantidade de empresas. Esse governo está sendo zeloso. Então
a União ter ações de Unibanco, Light, Santander, não faz sentido. Ter ação da
Vivo? Os governos anteriores se perderam na quantidade. O número de empresas
será reduzido substancialmente. Não devo falar sobre Petrobras, Banco do
Brasil, que são empresas listadas. Estamos estimulando vender subsidiárias.
Fechamos a CorreiosPar. Valor: Existe uma meta de vendas para 2020? Mattar: No
mínimo, vamos dobrar esse número [de 67 empresas vendidas em 2019]. No governo
PT foram criadas 90 estatais. No primeiro ano, nós reduzimos 2/3 das empresas
que o PT criou. Isso é geométrico. Se vender no ano que vem a Eletrobras, que
tem 210 empresas, já baixa 210. Até o fim do governo Bolsonaro, todas as
empresas da BNDESPar serão vendidas. As participações da União queremos fazer
em 2020. O Parlamento demonstrou na reforma da Previdência que tem sensatez,
responsabilidade e é sensível aos grandes temas”
Valor: Vender as 57
participações minoritárias da União em 2020?
Mattar: Algumas vamos
ter dificuldades em vender por problemas de justiça. Mas vamos vender quase
todas. Essas empresas valem hoje cerca de R$ 2,5 bilhões
Valor: Como vai fazer
com as empresas de capital fechado, principalmente da BNDESPar?
Mattar: Você colocou
o dedo na ferida. A negociação é um a um. Tem muita coisa malfeita que vamos
ter que ver.
Valor: O governo
chegou bem audacioso, falando em R$ 1 trilhão em privatização. O sr. acha que
foi um erro de discurso?
Mattar: Não foi R$ 1
trilhão de privatização. Deu um ruído de informação. Quando cheguei aqui,
nossas estatais valiam R$ 1 trilhão. Nós vendemos um tanto. Então devem valer
agora uns R$ 900 bilhões. Algumas não serão vendidas durante este governo.
Valor: O ministro
Guedes disse recentemente que seria anunciada uma privatização de R$ 250
bilhões. Qual é a empresa?
Mattar: Dentro do
nosso portfólio de empresas, estamos descobrindo coisas. O ministro disse que
tem empresa que pode valer R$ 250 bilhões. O fato é que tem que ser feito algum
arcabouço jurídico para que isso possa acontecer. Isso ainda está em gestação
dentro do ministério e eu não posso adiantar nada. Não posso dizer quem é.
Valor: E o cenário
para privatização dos Correios? Já saiu o pedido para os estudos da
modelagem...
Mattar: Os Correios
vão ser privatizados por orientação do presidente. Porém, estão no PPI
[Programa de Parceiras de Investimentos] para fazer “estudos”. Isso não
significa privatização dos Correios. Se fosse para ser privatizado, estaria no
PND [Plano Nacional de Desestatização]. Nós só temos certeza que vai ser
privatizado quando entrar no PND. Se não estiver, está em conversa. Poderá ser
ou não. Os Correios são uma empresa do ministério setorial de telecomunicações.
As cinco do ministério da Economia estão no PND.
Valor: E a Emgea e a
Casa da Moeda? Há interessados?
Mattar: A Emgea está
prevista para ser privatizada no mês de julho, e a Casa da Moeda, em dezembro
de 2020. Há interessados do Brasil e de fora. Mas não posso falar quem. Imagina
uma Casa do Moeda do Brasil que pode produzir passaporte para todos os países
da região. Poucos países têm casa da moeda.
Valor: Como está o
fast-track? O projeto não foi enviado ainda..
Mattar: Inundamos o
Congresso Nacional [com envio de projetos]. Então nós vamos mandar isso em
fevereiro. Não posso adiantar. O que é o fast-track? É uma forma de vender mais
rápido essas empresas. É um arcabouço jurídico de forma a facilitar a venda de
empresa e não gastar tanto tempo como gastamos no passado. Nós queremos um
formato que, em vez de gastar 2,5 anos, vamos diminuir esse prazo. O projeto já
está pronto. A redução [de tempo para privatização] será substancial. Queremos
reduzir pela metade.
Valor: Tem alguma
coisa neste ano que o senhor faria diferente?
Mattar: Foi um ano de
aprendizado para nós que viemos de fora. Em 2020, todos os nossos projetos
serão acelerados porque agora temos um melhor conhecimento do funcionamento do
governo. Nós ficamos focados na reforma da Previdência até agosto. Não faria
nada de diferente. Nós seremos mais ágeis pela curva do aprendizado. O que
fizemos foi certinho.
Valor: Foi noticiado
recentemente alguns ataques à área do sr. e que o presidente teria cobrado as
privatizações. Isso aconteceu?
Mattar: Por isso
temos o fast-track. No governo FHC gastaram-se 30 meses para poder vender cada
empresa. Teve empresa que gastou seis anos. E em nosso governo já estamos com
20 meses para vender. Então detectamos que há um problema de lentidão do atual
processo que vai pelo PPI, PND e BNDES. O fast-track vai acelerar. Valor:
Pretendem acabar com o FI-FGTS [braço financeiro do Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço]? Mattar: Somente duas empresas deram lucro. As outras, prejuízo.
Ainda não discutimos o que vai acontecer. É discussão para o próximo ano. Mas,
o mecanismo FI-FGTS mostrou-se economicamente inviável, contraproducente e
oneroso para o cidadão.
Valor: Não teme que
com tamanha redução do Estado o Brasil fique sem braço para enfrentar momentos
de crise e dificuldades?
Mattar:
Para enfrentar dificuldades, é preciso ter caixa e situação de país boa com
CDS, inflação, juros baixos, confiança, PIB crescendo entre 2,5% e 3% no ano
que vem, entre 3% e 3,5% em 2021 ou até 4% em 2022. Valor: Quando o país pode recuperar
o investment grade? Mattar: É possível no final de 2020. As agências estão
cautelosas, mas a economia brasileira vai bombar em 2020. Estou sendo otimista?
Talvez pelo crescimento da economia. Estou esperando 2,5% a 3% ano que vem. Em
2021, espero crescimento acima de 3%.
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