Por Márcio Allemand, para a ADCAP
No
momento em que se debate a desestatização ou não dos Correios, a ADCAP inicia
com esta matéria um conjunto de entrevistas que pretende realizar com
profissionais destacados dos Correios para saber como enxergam o atual contexto
e as perspectivas para a atividade postal no Brasil.
Marcos
César Alves Silva, atual Vice-Presidente da ADCAP, integrou o conselho de
administração dos Correios por 5 anos. Além disso, exerceu diversos cargos
executivos na empresa e assessorou o grupo de trabalho interministerial que
elaborou a lei de modernização dos Correios (Lei nº 12.490/11). Nesta
entrevista, ele nos fala sobre a Empresa, suas forças e perspectivas.
– Num
mundo cada vez mais integrado por meio da comunicação eletrônica, que papel
você vislumbra para o serviço postal no segmento de comunicação?
A
comunicação eletrônica vem há muitos anos substituindo aos poucos a comunicação
física. Isso vai continuar acontecendo, embora ainda existam situações em que a
comunicação em papel é necessária ou mais conveniente que a eletrônica. Pode-se
mencionar, por exemplo, o caso dos cartões de crédito e dos boletos bancários,
que devem permanecer demandando envio físico, por necessidade ou conveniência.
Assim, a curva de demanda da comunicação física deve continuar em declínio nos
próximos anos; não se trata, porém, de algo que já acabou ou que vai acabar
completamente em breve, como mencionam inadequadamente alguns. Em 2019 foram
entregues pelos Correios no Brasil mais de 5 bilhões de correspondências.
– E na
outra vertente de atuação dos Correios – a logística?
Nessa
outra vertente, a tendência é de franco crescimento. A infraestrutura já pronta
e funcionando dos Correios é uma vantagem competitiva importante. As marcas
Sedex e PAC são extremamente conhecidas e estão disponíveis para envios
destinados a todos os municípios do país. E o próprio crescimento do comércio
eletrônico no país é uma demonstração de que há um bom espaço de crescimento na
quantidade de envios.
– Muitas
das estruturas públicas brasileiras foram postas à prova nesse período de
pandemia, entre elas, os Correios. Como você avalia a importância da estatal
nesse momento específico da nossa história?
A
presença dos Correios em todos os municípios brasileiros é um ativo valioso,
que permite ao governo e às demais organizações e empresas chegarem facilmente
aos domicílios dos brasileiros. Durante a pandemia, muitas empresas tiveram que
recorrer aos Correios para implementar rapidamente operações de comércio
eletrônico e aquelas que já atuavam dessa maneira incrementaram suas vendas,
sabendo que a infraestrutura postal iria escoar a demanda adicional. No Brasil,
os balcões de qualquer empresa podem ser do tamanho do país, graças aos
Correios.
Com
relação à rede de agências, penso que o governo federal poderia ter aproveitado
melhor essa infraestrutura para estar mais próximo dos cidadãos, desafogando,
por exemplo, outras redes que ficaram saturadas, como a da Caixa e a do INSS.
– Os
resultados financeiros dos Correios apontam lucros ou prejuízos?
Embora o
governo federal insista em contabilizar um prejuízo acumulado a partir de 2014,
para sempre poder questionar a viabilidade dos Correios, os resultados da
Empresa têm sido bem positivos.
Nos
últimos 3 anos, por exemplo, os balanços da empresa registraram lucros. Nos
últimos 10 anos idem; sem contar os bilhões de reais que a empresa recolheu de
dividendos ao Tesouro Nacional nesse período.
Assim, os
resultados dos Correios têm sido bem positivos, embora se trate de um serviço
público, que, por definição, deve buscar o equilíbrio e não necessariamente a
produção de lucros para o Estado.
– Os
Correios possuem imunidade tributária recíproca. Isso não desequilibra a
competição no mercado?
A
imunidade a que os Correios fazem jus decorre de lei, estando vinculada à
própria natureza pública da empresa, que é tida como “longa manus” da União, ou
seja, uma extensão da própria União.
Sobre
este tema, considero importante analisar como a empresa devolve esse benefício
para a sociedade. No caso dos Correios, esse benefício vai em forma do custeio
da universalização do serviço postal pela própria empresa e de tarifas módicas
para os serviços sob a área de reserva – cartas, cartões postais, telegramas e
malotes.
Em outros
países os correios apresentam a conta da universalização para os governos, os
quais aportam recursos para assegurar a presença do serviço postal no
território. Aqui no Brasil, quem banca um valor superior a R$ 5 bilhões por ano
para manter agências e distribuição domiciliária nos municípios são os
Correios. O serviço postal é deficitário na imensa maioria dos municípios, mas
o governo não tem que lançar mão de impostos para subsidiá-lo.
Esta
situação da imunidade tributária dos Correios é, portanto, bem diferente de
outras isenções que distorcem o mercado, enriquecendo uns poucos em detrimento
de muitos outros, sem devolver nada para a sociedade, como é o caso da não
tributação de ICMS sobre a venda dos veículos de locadoras de automóveis, em
detrimento de todas as demais empresas que comercializam veículos usados.
– Em
algumas ocasiões, a qualidade do serviço postal brasileiro é colocada em xeque.
Como você vê essa situação?
Nesse
quesito de qualidade do serviço tem havido períodos de alta e de baixa.
Normalmente, a qualidade operacional nos Correios cai quando a direção se
descuida e deixa faltar os principais recursos para a operação – pessoas e
transporte. Por mais que se automatize o processo de tratamento de carga, são
sempre necessários esses recursos básicos – pessoas e veículos – para que as
encomendas e correspondências cheguem a seus destinos e sejam entregues.
A
ausência de concurso público por muitos anos tem pressionado muito a operação,
especialmente quando confrontada com a mudança do perfil de carga – aumento da
quantidade de encomendas e a redução de cartas.
De
qualquer forma, e falando também como cliente dos serviços dos Correios, pois
atualmente ajudo a cuidar de um pequeno e-commerce, as transportadoras em geral
e os Correios também têm enfrentado algumas dificuldades com a pandemia. Como
dependem de pessoas para carregar e descarregar caminhões, para dirigi-los etc,
essas empresas estão suscetíveis a problemas, como, por exemplo, afastamento de
pessoal por COVID-19. E nem sempre conseguem substituir as pessoas imediatamente,
o que às vezes ocasiona gargalos operacionais. Posso dizer, ainda, que tenho
visto um grande esforço de todos eles para superar tudo isso e continuar
abastecendo nossas dispensas e fazendo funcionar o comércio eletrônico.
– O
governo federal tem declarado sua intenção de privatizar os Correios. Qual sua
opinião a respeito?
Considerando
que no Brasil o mercado de encomendas expressas é extremamente desregulado, até
demais, não vejo nenhum sentido em pensar em privatizar os Correios, uma
empresa que sobrevive com seus próprios recursos e cobre lacunas que
comercialmente não interessam aos operadores privados, servindo até mesmo de
infraestrutura para esses operadores utilizarem para complementar os serviços a
seus clientes.
Abrir o
mercado de distribuição de cartas vai favorecer a quem? O brasileiro já paga
uma tarifa dentre as menores do mundo, apesar das dimensões continentais do
país. E as cartas e encomendas chegam a todos os municípios. Para estabelecer
um paralelo, quando se discutiu e implementou o processo de privatização das
teles, apenas uma fração dos brasileiros tinha acesso à telefonia e as linhas
eram caras e raras. Exatamente o oposto do que ocorre com o serviço postal, que
é econômico e universalizado no país.
Além
disso, a natureza pública do serviço postal permanece presente, como elemento
importante de cidadania e de integração nacional, justificando plenamente a
presença do Estado.
– Em
termos de dimensão do negócio, você considera que os Correios possam crescer
num mundo globalizado e digital?
Não tenho
dúvida disso. Os Correios são uma grande empresa, mas que pode ser muito maior,
como são os correios de vários outros grandes países. E isso é algo natural,
considerando o tamanho do país e sua liderança no continente. Os Correios são
uma pequena fração do que podem vir a ser, se forem adequadamente
administrados, num contexto em que o governo federal compreenda a importância
da empresa e de seu desenvolvimento, para alavancar a economia do país.
A Lei nº
12.490/11 abriu possibilidades de desenvolvimento empresarial que ainda não
foram devidamente aproveitadas, especialmente por meio de parcerias com
empresas privadas. Entre outras coisas, os Correios podem constituir coligadas,
atuar no exterior e explorar serviços de comunicação digital, financeiros
postais e de logística integrada. E tudo isso pode ser feito mantendo a
natureza jurídica de empresa pública.
– Que
outro correio seria uma boa referência para o Brasil?
O correio
francês me parece ser a melhor referência, considerando as características
brasileiras. Trata-se de um correio estatal que tem uma posição de destaque no
mercado de encomendas e que se desenvolveu muito na Europa e em outros
continentes. No Brasil, uma subsidiária do correio estatal francês acabou de
adquirir a Jadlog, na qual já tinha participação acionária relevante.
– Considerando, então que os
Correios permaneçam como empresa pública, o que deveria ser feito para
fortalecer a estatal?
Algumas coisas são fundamentais:
–
encerrar de vez as discussões sobre privatização da Empresa, pois a incerteza
quanto a isso tem impedido a organização de evoluir e diminuído
consideravelmente seu valor;
–
profissionalizar a gestão, pois não dá para imaginar que para presidir uma
empresa do porte dos Correios sejam escolhidos presidentes de partidos
políticos ou militares da reserva; as posições de direção precisam ser ocupadas
exclusivamente por executivos que tenham larga experiência e entendam em
profundidade o negócio postal, escolhidos tecnicamente por suas qualidades e
não por “quem indica”;
–
estabelecer com a direção técnica um contrato de gestão, com metas de curto,
médio e longo prazos, que sejam também aprovadas no Congresso Nacional;
– o
governo federal, especialmente o Ministério da Economia, não recolher
dividendos em excesso, congelar tarifas em período eleitoral ou interferir
indevidamente na gestão da Empresa.
É bem simples. Os Correios não
são um problema para o Brasil, mas sim parte importante da solução.
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