O bordão da caixa-preta
O Estado de S.Paulo
19/06/2019
19/06/2019
Boa parte do meu livro sobre a era Dilma
publicado em 2016 foi sobre o BNDES. Perdia conta de quantos artigos escrevi
sobre o banco. Só para esse jornal, devem ter sido mais de 20 ao longo de
vários anos. Para sublinhar o ponto, em artigo publicado no dia 9 de janeiro
desse ano, intitulado“Oque pode avançar ?”, escrevi esse trecho :“Sobre o BNDES
em particular, perdia contado número de artigos que escrevi para esse espaço”.
Entretanto, é impossível não escrever sobre o BNDES após a demissão do
presidente do banco, Joaquim Levy, no último fim de semana. É impossível deixar
de escrever sobre o BNDES ante os espantalhos e factoides que o presidente da
República insiste em criar e diante do “bordão da caixa-preta” – não confundir
com o cordão da bola preta – que muitos de seus fiéis seguidores insistem em
repetir como se rezassem o terço da seita bolsonarista. Levy é um técnico
experiente, e como técnico experiente, se recusou a rezar o terço. A oque tudo
indica, essa é pelo menos uma das razões para que tenha sido tratado com rudeza
e falta de profissionalismo pelo presidente no último fim de semana.
E aí, há caixa-preta no BNDES? Como outros
pesquisadores, eu já trabalhei com dados do banco e já interagi bastante com
seu corpo técnico. Em 2015 publiquei um estudo pelo Peterson Institute for
International Economics em que apontava três distorções causadas pelo crédito
subsidiado em abundância: a prática de emprestar bar atopara grandes empresas
debaixo risco deixava para o mercado privado empresas de maior risco, induzindo
aumento das taxas de empréstimos privados para compensar pelo risco adicional
absorvido nos balanços de outras instituições; os repasses opacos do Tesouro
para o BNDES, que criavam passivos para o governo na forma de subsídios – esses
repasses que vigoraram durante os anos Dilma ajudaram a desequilibrar as contas
públicas; a abundância de crédito barato do BNDES forçava o Banco Central a
manter as taxas de juros mais elevadas, pressionado para cima a taxa de juros
real. Calculei que se o BNDES reduzisses eu balanço expressivamente e acabasse
como crédito subsidiado,a taxa de juros real poderia cair empou comais de um
ponto porcentual. Foi oque aconteceu. Par achegara essas conclusões, usei os
dados disponibilizados nosite do BNDES, que passou por profunda reformulação em
2015 como objetivo dedar transparência às suas operações, além de ter acesso
atécnicos do banco, que, com sua generosidade, ajudaram a esclarecer várias
dúvidas. Muitos, na época, expressaram profundo desagrado comas práticas que
haviam predominado durante boa parte do primeiro mandato de Dilma.
Mas, vejam: o BNDES é um banco estatal. Como
banco estatal, ele é um instrumento do governo. Se o governo decidir expandir
o crédito para grandes empresas afim dedar impulso às suas políticas de
campeões nacionais como na época de Dilma, oque o BNDES pode faze ré pôr seus
técnicos para avaliaras operações afim de reduzir os riscos para o banco. O
BNDES, como instrumento do governo, não pode negar uma ordem do governo.
Portanto, se querem culpar alguém pelos excessos cometidos no passado,
inclusive pelos empréstimos aos governos da Venezuela e de Cuba, culpem o
governo que instruiu o banco afa zeros empréstimos, não o banco. É verdade que
antes de 2015 poucos e sabia sobre as operações do BNDES – mas isso se devia à
vontade do governo ao qual o banco está sujeito. De 2015 para cá houve mudanças
na estrutura de governança do banco, além da abertura de seus dados. Basta
entrar no site da instituição. Está tudo lá, disponível para quem quiser ver.
Sem caixa-preta.
Ah, mas o BNDES estava demorando muito para
devolver recursos ao Tesouro? Pois considerem: se o Tesouro foi irresponsável
ao repassar recursos ao BNDES para que pudesse emprestar mais alongo prazo, o
Tesouro, o governo, não podem agora ser irresponsáveis querendo que a
instituição se desfaça às pressas desses recursos. Eles foram usados para
empréstimos de longo prazo, que não têm, por óbvio, liquidez imediata. Portanto,
desfazer os desmandos do passado é bem mais lento e difícil do que se imagina.
Ah, mas o BNDES Par deveria se desfazer de suas ações para pagar o governo mais
rápido. Espera lá. O BNDES Par é uma gestora de recursos, ou o braço de
investimentos no mercado do BNDES. Como toda gestora, o BNDES Partem deter
cautela a ose desfazerdes eu sativos. Sair vendendo ações a qualquer preço é
prejudicial para o preço da ação da empresa em questão, assim como para a
higidez da gestora, e, em última análise, para ado próprio BNDES. Se o governo
apressadinho quiser tudo parajá corre o risco de abalara gestora, o banco, e os
preços das ações de algumas grandes empresas brasileiras sem necessidade. Caso
abale a solidez do banco, adivinhem o que acontece? O BNDES pertence ao governo,
portanto, oô nu sé do próprio governo. T irono pé, ou avelha máxima: a pressa
do co mecru.
Portanto, abaixo o bordão da caixa-preta.
Viva a autêntica Marcha do Cordão do Bola Preta:
“Quem não chora não mama! Segura, meu bem, a
chupeta Lugar quente é na cama
Ou então no Bola Preta”
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