Abrir capital na bolsa é a solução para os Correios?
Exame
30 ago 2017
30 ago 2017
O gigantesco pacote de privatizações do
governo Michel Temer, que vai da companhia de energia Eletrobras à Casa da
Moeda, ganhou mais um ativo em potencial nesta quarta-feira: a Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos. A intenção de abrir o capital da empresa foi
noticiada nesta quarta-feira pela agência Reuters.Segundo a agência, o governo
chegou cogitar colocar os Correios no pacote anunciado pelo
governo na última semana. Por fim, decidiu dar mais tempo aos estudos que o
Ministério das Comunicações está preparando sobre a combalida companhia. Ainda
segundo a Reuters, o governo avalia que abrir o capital traria menos
resistência do que privatizar uma das empresas mais emblemáticas do país, criada
em 1663.
A notícia levantou temores em economistas por
trazer ainda mais complicação a um pacote que já tem 57 ativos anunciados para
ser encaminhado até o final do ano. Poucas horas depois, o ministro da
integração nacional, Helder Barbalho, anunciou que até a transposição do Rio
São Francisco pode entrar no pacote.
“O governo está lançando projeto atrás de
projeto. O plano todo tem cara de factóide. Há muita coisa sendo anunciada, mas
não se tem detalhe de nada e isso tudo traz angústia para o investidor. Como é
possível mostrar interesse nesses ativos se não há nenhuma informação de como o
processo será feito?”, diz Sandro Cabral, professor de estratégia do Insper. “A
intenção é boa. Mas é frustrante que o pacote não tenha saído de maneira mais
organizada. Dá a impressão de que tudo foi feito às pressas sendo que o Moreira
Franco [ministro da Secretaria-Geral e responsável pelo Programa de Parcerias
de Investimento] está lá para isso”, diz o sócio de um fundo de investimentos
que atua no Brasil.
Dentro de um pacote tão grande e disperso, é
natural que ativos interessantes se misturem com negócios que não fazem lá
muito sentido. Em um congresso realizado no último fim de semana pela bolsa
brasileira, a B3, o próprio ministro da Fazenda admitiu que a Casa da Moeda é
um tremendo abacaxi. “A questão é o declínio no uso de selos e de cédulas. Ela
produziu 3 milhões de cédulas há quatro anos, e neste ano vai ser um [milhão].
E a tendência internacional, como sabemos, é para baixo”, afirmou o ministro
Henrique Meirelles.
“O que o governo fez foi apresentar um menu
de privatização como uma forma de testar onde há resistência e onde há
interesse. Obviamente que uma parte vai ser vendida e a outra, não”, diz
Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B.
Nesta equação, apesar dos seguidos prejuízos,
os Correios podem estar no time dos negócios promissores, segundo especialistas
ouvidos por EXAME. Isso, claro, exige pensar no potencial do negócio, e ter
muito, muito estômago.
Qual a saída para os Correios?
Os Correios são uma estatal que parece ter
chegado à exaustão após anos de aparelhamento político, preços de serviços
defasados e falta de investimentos. Apesar do monopólio no setor, a empresa
deve fechar 2017 em seu quinto ano consecutivo de prejuízo. Desde 2013, as
perdas acumulas são da ordem de 4,4 bilhões.
Enquanto estatais como a Eletrobras e a
Petrobras mostraram grandes avanços em sua gestão e no caixa sob o governo
Michel Temer, os Correios permanecem como a grande exceção. Na tentativa de
resolver a situação financeira, a atual diretoria dos Correios adotou um plano
de corte de gastos. A meta é fechar até 350 das 6.470 agências postais e cortar
o quadro de 117.400 funcionários da maior empregadora do país. Um plano de
demissão incentivada, criado no ano passado, teve a adesão de 5.500 servidores
– abaixo dos 8.000 esperados. Segundo a Reuters, a empresa vai reabrir em breve
o plano de demissão. Dessa vez, com a meta de obter o desligamento de 3.000
empregados.
Para Tadeu Gomes Teixeira, professor de
administração na Universidade Federal do Maranhão e autor de um livro lançado
neste ano sobre os Correios, o PDV não é uma medida capaz de solucionar os
problemas da empresa. “O caminho dos Correios é muito mais inovar do que
diminuir a força do trabalho. Com o programa de demissão os Correios diminuem a
sua capacidade de atender cidades mais afastadas e perdem qualidade em seu
serviço. Diminuir a folha de pagamento traz um efeito imediato, mas muito
ínfimo diante dos problemas da companhia”, diz Teixeira.
Além disso, enquanto Eletrobras e Petrobras
têm em seus cargos executivos pessoas renomadas do mercado, os Correios seguem
chefiados por indicações políticas. O atual presidente, Guilherme Campos,
ex-deputado federal (DEM-SP), era presidente do PSD. Campos foi nomeado por
Kassab 21 dias antes da aprovação da Lei das Estatais, que impede que pessoas
que participaram da diretoria de partidos políticos ou da organização de
campanhas eleitorais nos 36 meses anteriores à indicação assumam a direção de
estatais. As oito vice-presidências dos Correios estão ocupadas por
apadrinhados de PDT, PSD, PTB e PMDB.
Diante deste cenário, analistas ouvidos por
EXAME consideram que uma abertura de capital dos Correios poderia ser um choque
importante para a empresa. E, por mais que seu principal negócio – a entrega de
correspondências – se mostre obsoleto em um mundo com serviços digitais,
economistas acreditam que a empresa deve atrair interessados por ter espaço
para crescer em outros segmentos. “O mercado de encomendas, por exemplo, tem
crescido e a rentabilidade no transporte de mercadorias é boa. Dentro dos
Correios já foram feitos vários estudos que mostram outros setores em que a
empresa poderia entrar”, afirma Teixeira.
Uma abertura de capital dos Correios traria o
aporte de recursos necessários para a entrada da empresa em novos segmentos e
também traria uma gestão profissionalizada para a empresa. Um risco grande,
porém, é que locais mais distantes ou violentes deixem de ser atendidos com a
transferência dos Correios para o capital privado – é o que acontece com muitas
transportadoras privadas, que não entregam em todos os CEPs. Para que isso não
aconteça, analistas ressaltam que é importante que qualquer mudança nos
Correios seja acompanhada por um órgão regulador, que a obrigue a prestar os
serviços. E que monitore.
Outros países já privatizaram suas empresas
de entregas, ou abriram o mercado. A Suécia abriu mão do monopólio em 1993, a
Holanda privatizou em 1994 e abriu o serviço para a concorrência em 2009. Na
Alemanha, 79% das ações do Deutsch Post estão na bolsa desde 2000 e o mercado é
competitivo desde 2008. No ano passado, o governo do Japão abriu o capital do
Japan Post e arrecadou 12 bilhões de dólares (o processo de privatização
começou há dez anos).
Soluções pelo mundo não faltam. Resta saber
que ativos do seu cada vez maior pacote o governo conseguirá entregar e que
projetos importantes ficarão pelo caminho.
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