MENOS ESTATAL, MAIS SOCIAL
GS Notícias
17/01/2018
17/01/2018
Com a melhoria dos resultados das estatais em
2017, vem sendo defendida a tese de que estatal que dá lucro não precisa ser
privatizada e que e é possível pensar em novas formas de atuação empresarial do
Estado. Essa ideia está errada. Primeiro, porque recursos públicos são
escassos. O fracasso da Nova Matriz Econômica deixou claro que não existe
almoço grátis. Nossa tradição mostra que nossas estatais compõem o patrimônio
de um grupo de interesse e de políticos que delas se servem e absorvem recursos
que poderiam construir o verdadeiro patrimônio público: escolas e atendimento
médico de qualidade, saneamento e segurança. Nossa carga tributária já é alta,
mal distribuída entre entes federativos, com base num sistema regressivo e
confuso. Sem a redução de despesas, especialmente quando podem ser assumidas
pelo setor privado, será impossível aumentar os investimentos públicos.
Segundo, porque a eficiência na alocação de recursos não se resume apenas a
dados positivos de balanço, mas também ao seu custo de oportunidade. É preciso
analisar seus pares, custos operacionais, custo por empregado, múltiplos de
mercado, dividendos previstos e averiguar se de fato os resultados são
positivos para a União, que apenas representa a sociedade pagadora de impostos.
Muito poucos daqueles que, por ideologia, defendem o controle estatal se
sentem, de fato, donos das ações da empresa, ou pensam qual seria o melhor uso
dos impostos que pagam. Há na nossa sociedade um sentimento subjetivo de
patrimônio público, um misto de nacionalismo e soberania, que não envolve o
cálculo financeiro.
Certamente
não há uma ideia clara de que, para manter o Estado em atividades que o setor
privado pode comandar, recursos deixam de ser alocados naquilo que fala direto
com o bem-estar da população. Esse trade-off não é colocado para a sociedade.
Será que alguém diria ser contra a privatização da Eletrobras se tivesse que
escolher entre o governo capitalizar a empresa com mais de R$ 10 bilhões, além
de deixar de receber outro tanto, ou em investir em setores que garantissem
acesso a serviços públicos para si e sua família? O mesmo raciocínio se aplica
a qualquer estatal, seja Petrobras ou Correios. Terceiro, porque num
país de tradição patrimonialista, na primeira oportunidade se dará a volta da
interferência política. A principal oposição à desestatização da Eletrobras vem
dos parlamentares, que não estão defendendo o futuro da empresa ou do Rio São
Francisco, mas seu feudo. Tivessem de fato tanta preocupação não teriam
assistido de braços cruzados a destruição da empresa nos últimos anos. Há na
nossa sociedade um sentimento subjetivo de patrimônio público, que não envolve
o cálculo financeiro Responsabilidade na administração de recursos públicos não
está tão arraigada na cultura empresarial das estatais quanto o
patrimonialismo. Não fosse a Lei das Estatais dezenas de indicações políticas
teriam ocorrido mesmo neste governo. Na realidade, nem deveríamos precisar de
leis específicas para garantir a conformidade ética na condução dos negócios,
como também não deveria ser necessária a lei das estatais se as sociedades de
economia mista seguissem as regras mestres definidas pela Lei das Sociedades Anônimas.
Tudo que foi descoberto na operação Lava Jato já era proibido antes. E o
primeiro a desrespeitar todas as regras de boa governança foi o próprio Estado,
acionista controlador. Atuando no Conselho de Administração da Eletrobras, tive
o privilégio de participar da mudança benigna na governança de uma grande
estatal ocorrida no último ano e meio. A mesma transformação ocorreu em outras
empresas, o que permitiu que, no seu conjunto, as estatais brasileiras
melhorassem seu endividamento, interrompendo a trajetória perigosa de suas
dívidas, reduzissem o número de empregados, adotassem novas regras de
transparência e conformidade, gerando lucros após anos de prejuízo. Mas na
mesma posição pude também testemunhar os danos causados pelo uso político das
empresas federais. Excesso de empregados, investimentos ruinosos, ausência de
critérios de conformidade, falta de responsabilização por decisões equivocadas
são as consequências da má gestão. Novas leis, ainda que desnecessárias se os
princípios éticos e de gestão tivessem sido seguidos, ajudaram a estabelecer
novos padrões, mas foi a autonomia dada pelo governo aos novos administradores
que fez a real diferença. No entanto, a cultura não mudou de forma permanente.
Um novo governo, ou uma mudança da administração das estatais, pode jogar todo
esse esforço no lixo, como vimos no passado ainda bem recente. Um estatuto pode
ser modificado ao sabor do grupo político da ocasião, uma lei pode ser
revogada, não havendo garantia nenhuma de permanência da boa gestão. Para reduzir
o Estado, bastaria seguir o que está dito na Constituição em seu capítulo Ordem
Econômica, mais especificamente, o que determina que a exploração direta de
atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo. Assim, não
há previsão na nossa ordem econômica para uma "atuação empresarial do
Estado". As funções do Estado estão também estão ali muito bem definidas,
regulação, fiscalização e planejamento. Uma revisão das leis que criaram
estatais num contexto pré-1988, ampliando o programa de desestatização, é o
primeiro passo para uma redução drástica do desperdício de recursos públicos. É
apenas um dos meios, que pode e deve vir acompanhada da reforma da Previdência,
da reforma administrativa e do funcionalismo, da eliminação de programas de
poupança compulsória que sustentam a ineficiência no sistema financeiro
público, da redução do conjunto de incentivos e desonerações e, por fim, da
revisão da própria forma de prestação de serviços essenciais para prover saúde
e educação de qualidade para todos. Em 2018 o debate será em torno do Estado
que podemos ter. A privatização é só uma parte de uma agenda muito mais ampla e
muito mais complexa. Elena Landau é presidente do Conselho da Fundação de
Estudos do Livres
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