Estatais federais podem perder até R$ 380 bi em ações judiciais e administrativas
O Globo
28/01/2019
28/01/2019
Números incluem perdas em processos
trabalhistas, tributários e cíveis
BRASÍLIA - As principais estatais federais —
Petrobras, Eletrobras, Correios, BNDES, Banco do Brasil
e Caixa Econômica Federal — correm o risco de perder mais de R$ 380 bilhões em
processos que correm na Justiça ou administrativamente. Desse total, R$ 71
bilhões são considerados perdas prováveis. Isso significa que esses valores são
praticamente dados como perdidos e precisam ser provisionados (reservados) no
balanço financeiro das empresas.
O restante equivale a perdas possíveis, com
menor chance de se confirmar ou, se isso acontecer, com pressão sobre o caixa
das estatais num prazo mais longo. Nesses casos, não há provisão nas
demonstrações financeiras. Os números incluem perdas potenciais com ações
trabalhistas, tributárias e cíveis e se referem ao terceiro trimestre de 2018,
último dado disponível.
As estimativas de perdas tendem a diminuir o
valor de mercado dessas companhias, uma vez que os investidores precificam esses
passivos. Isso significa que, em caso de privatização da estatal ou de suas
subsidiárias, por exemplo, os lances podem ser menores para compensar os riscos
judiciais, o que diminui a arrecadação para os cofres públicos.
Mesmo assim, especialistas apontam que as
seis empresas continuam a ser o “filé mignon” entre as estatais e dificilmente
sofreriam uma perda de interesse por parte do mercado, caso o ministro da
Economia, Paulo Guedes, leve adiante um amplo programa de privatizações.
Maior estatal brasileira, a Petrobras também
acumula o maior passivo judicial. A empresa tem R$ 24,2 bilhões reservados para
processos considerados como de perda provável. O valor total das perdas
possíveis e não provisionadas, porém, é quase dez vezes maior e chega a R$ 208,6
bilhões.
A empresa já reservou dinheiro para encerrar
uma ação coletiva consolidada perante a Justiça de Nova York, nos EUA, por
causa da Operação Lava-Jato, e uma série de processos relacionados à cobrança
de royalties, descumprimento contratual relacionado à construção de plataforma,
indenização por ação de desapropriação de área e multas aplicadas pela Agência
Nacional de Petróleo (ANP).
A maior parte dos processos não provisionados
da petroleira está ligada a questões fiscais. Apenas um caso, movido pela
Receita Federal, pode resultar numa perda de R$ 44,4 bilhões. A ação discute a
incidência de alguns impostos sobre remessas para pagamentos de afretamentos de
embarcações.
Um dos maiores processos trabalhistas do país
também perturba a Petrobras, e pode resultar num débito de R$ 22,4 bilhões. O
Tribunal Superior do Trabalho (TST) já decidiu, no ano passado, a favor dos
trabalhadores em uma discussão sobre pagamento de adicionais, mas a decisão foi
suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e agora aguarda a apreciação do
plenário da Corte.
Em nota, a Petrobras afirmou que faz um
detalhamento das principais ações com risco possível e a situação de cada uma
delas. Também ressaltou que segue normas internacionais de contabilidade para o
registro e divulgação das contingências.
Na Eletrobras, cuja privatização está em
análise no governo, o montante de perdas potenciais ultrapassa R$ 100 bilhões.
A estatal explicou em seu próprio balanço que a maior parte é de processos que
discutem a correção dos empréstimos compulsórios, que gerava recursos para a
expansão do setor elétrico desde os anos 1960. A cobrança seria extinta em
1977, mas foi prorrogada até 1993. Por lei, os consumidores poderiam depois
converter os valores pagos em ações da estatal.
Já os Correios têm a maior parte do seu
passivo judicial e administrativo de R$ 2,9 bilhões relacionada a débitos
trabalhistas. São reclamações de indenizações, horas extras, descaracterização
de jornada de trabalho, adicional de função, representação e outros. Ações de
cobrança movidas por fornecedores também preocupam a empresa, que informou
prestar esclarecimentos sobre a parte judicial de recursos provisionados no
próprio balanço.
Entre as instituições financeiras públicas, o
Banco do Brasil tem uma perda possível e provável de R$ 25 bilhões. As maiores
contingências são autos de infração lavrados pelo INSS visando ao recolhimento
de contribuições incidentes sobre abonos salariais pagos nos acordos coletivos
de 1995 a 2006, e verbas de transporte coletivo e utilização de veículo próprio
por empregados. O banco informou que cumpre rigorosamente as normas do Banco
Central para provisionamentos, e que os valores previstos em seu balanço para
prováveis perdas serão diluídos ao longo do tempo, podendo ser assimilados pela
organização.
‘Risco Brasil’
Com possíveis perdas de R$ 16,2 bilhões, a Caixa Econômica Federal foi acionada por empregados, ex-empregados e terceirizados por planos de cargos, acordos coletivos, indenizações e benefícios. No balanço, a empresa afirma que vem executando uma política de conciliação judicial e extrajudicial. O BNDES tem o menor valor de valores em discussão na Justiça: R$ 1,5 bilhão, segundo seu informe contábil.
Com possíveis perdas de R$ 16,2 bilhões, a Caixa Econômica Federal foi acionada por empregados, ex-empregados e terceirizados por planos de cargos, acordos coletivos, indenizações e benefícios. No balanço, a empresa afirma que vem executando uma política de conciliação judicial e extrajudicial. O BNDES tem o menor valor de valores em discussão na Justiça: R$ 1,5 bilhão, segundo seu informe contábil.
Sérgio Lazzarini, professor de estratégia do
Insper e estudioso das estatais, aponta que as possíveis perdas são resultado
do chamado “risco Brasil”, que afeta as empresas de forma generalizada.
Legislações complexas tanto na esfera trabalhista quanto tributária, por
exemplo, criam incertezas e obrigam os gestores a gastarem tempo e dinheiro
para lidar com esses problemas:
— Esse é um risco geral das empresas
brasileiras, dívidas fiscais e trabalhistas altamente incertas. Empresas de
grande porte como essas próprias estatais, entretanto, têm departamentos
internos preparados para disputar esses valores na Justiça. Infelizmente, faz
parte do “risco Brasil”.
Lazzarini reconhece que, no caso das
estatais, as perdas podem agravar ainda mais o resultado das contas públicas.
Na maioria das estatais, a União é única acionista. No entanto, é pouco
provável que o impacto ocorra de uma única vez:
— Na margem, sim (pode agravar o resultado
das contas públicas), mas é improvável que todo esse valor seja devido de forma
imediata, dado que existem processos de contestação.
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