Privatizando os lucros públicos
Além de aumentar as tarifas e desmontar um importante braço logístico do Estado que diminui a desigualdade regional atendendo todos os municípios do país entregando material didático e campanhas sanitárias, a privatização dos Correios entrega ao setor privado uma das estatais mais lucrativas do Brasil - que, só em 2020, lucrou R$ 1,53 bilhão, sendo a empresa pública com um dos melhores retornos à União
Carta Maior
07/08/2021
Jair Bolsonaro tenta manter seu cambaleante governo entregando ao mercado financeiro a agenda econômica liberal privatista e a cada novo escândalo o preço do apoio do chamado Centrão e da burguesia fica mais alto. Não estamos mais na década de 90, não se pode mais entregar as empresas públicas a preço de banana chamando de privatização. O nacionalismo da direita não permite.
Assim como o capitalismo se desenvolveu e se reciclou, os seus jargões também o fizeram. Agora abrimos processos de capitalização, velho eufemismo usado pelo atual governo na privatização da Eletrobras, ou de concessão à iniciativa privada sem prazo de retorno à União estabelecido, como foi utilizado para a entrega dos Correios. Nada do que acontece com a sociedade brasileira parece chocar os agentes do mercado financeiro desde que o calendário de privatização avance, desde que se entregue o monopólio do braço logístico estatal para se tornar monopólio privado.
Ao pensar nos Correios, nos vem a velha e familiar imagem dos carteiros. Apesar de cumprir uma função importante na entrega de cartas e encomendas em todo o Brasil e que, diga-se de passagem, aumentou este serviço ao invés de diminuir com o avanço do comércio eletrônico, e mais recentemente da pandemia. Os Correios cumprem função fundamental de integração do território brasileiro.
Contra a desigualdade regional
O correio público acaba por ser um importante agente de integração territorial e de superação das desigualdades regionais, cuja máxima expressão de capilaridade é a presença de agências próprias em todos os municípios brasileiros, que somam quase 7 mil unidades de postagens e mais 9.196 unidades de distribuição. O correio público, para além de suas funções tradicionais, cumpre um papel importante como um braço logístico do Estado ao integrar todos os municípios numa mesma rede de circulação.
Sua capilaridade e infraestrutura permitem também participar ativamente como operador logístico de programas sociais para atingir os lugares e a população mais pobre do país.
A promulgação das resoluções normativas 2640 (de agosto de 1999) e 2707 (de maio de 2000) do Banco Central, instituindo a figura do “correspondente bancário” no cenário nacional foi o marco inicial que permitiu a criação da marca Banco Postal, autorizando aos bancos utilizarem as agências dos Correios na prestação de serviços bancários básicos à população. Essa medida foi de suma importância para levar os serviços bancários a municípios e territórios que não eram atraentes para a abertura de agências bancárias tradicionais.
É a partir desta capilaridade territorial que toda a população brasileira tem acesso a toneladas de material didático como é o exemplo da maior operação de distribuição de livros didáticos do mundo executada em parceria com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Não só isso, o próprio processo eleitoral só é possível de ser apurado com a agilidade demonstrada desde 1996 pelo processo logístico e interligado que os Correios fazem.
No âmbito das políticas nacionais de saúde, os Correios participam da distribuição de vários materiais, desde cartazes das campanhas do Ministério da Saúde aos postos e hospitais até pequenos equipamentos, materiais cirúrgicos etc. Na complexa etapa da distribuição do circuito espacial produtivo da vacina, muitas delas só conseguem chegar às pequenas cidades, vilas e povoados por meio de um transporte especial providenciado pelos Correios.
Estranha urgência
No momento de pandemia decorrente da Covid-19, momento em que mais precisamos aumentar a velocidade de vacinação da população, é adequado vender o principal braço logístico brasileiro?
A inexplicável urgência na tramitação do Projeto de Lei nº 591/21 que privatiza os Correios esbarra ainda em dispositivos inconstitucionais. Já de início a Constituição é afrontada com a alteração do serviço postal para atividade econômica e não mais como serviço público. Só por isso, não faria sentido sequer a existência desse projeto, que, no meio de uma pandemia, recebeu prioridade na Câmara dos Deputados. Mas os problemas não param aí.
A quebra do monopólio postal afetará seriamente um quadro de sustentabilidade que tem permitido aos brasileiros pagar uma das menores tarifas postais do mundo. Hoje os Correios arcam com os custos da universalização, ou seja, com toda a infraestrutura necessária para levar o serviço postal a todo o território nacional. Havendo outros operadores atuando com os serviços de correspondência, que certamente focarão sua atuação nos centros mais desenvolvidos e com maior demanda, o que restará a ser coberto pelo operador responsável pelas regiões mais remotas será extremamente deficitário. Os Correios calculam que o custo anual da universalização chega a R$ 6 bilhões. O resultado disso será a velha fórmula de sempre: mais impostos ou tarifas maiores para os brasileiros. Ou seja, vamos repetir o erro da Eletrobrás que menos de 1 mês depois da privatização já tínhamos anúncios de aumento da conta de energia.
O governo Bolsonaro chegou a usar dinheiro público em campanhas contra os Correios para criar uma fake news da necessidade de privatização de uma empresa pública eficiente e lucrativa. Em 2020, os Correios tiveram lucro líquido de R$ 1,53 bilhão. O resultado superou o de 2019, de R$ 102 milhões.
Os últimos 4 anos seguidos de lucro repetem o histórico dos últimos 20. Entre 2001 e 2020, foram 16 anos de lucro. No total, a empresa acumula resultado líquido positivo de R$ 12,4 milhões e repassou R$ 9 bilhões em dividendos. Os Correios tiveram o terceiro melhor desempenho no retorno de investimento sobre o patrimônio líquido, ou seja, de repasses de dividendos à União segundo o último Boletim das Participações Societárias, devolvendo 69,5% dos valores investidos, à frente da Caixa Econômica (37%), do Banco do Brasil (18,1%), do BNDES (16,9%), da Eletrobras (15,1%) e da Petrobras 913,6%).
A entrega dos serviços postais é o início do desmonte do principal braço logístico estatal. A universalidade do serviço de correio, a distribuição dos fixos postais, os fluxos regionais de correspondências, as funções desempenhadas pelos Correios (não somente postal, mas de serviços financeiros, comerciais e de logística de Estado), sua relevância histórica para o país, sua importância econômica, política e social convidam para uma imperiosa defesa de seu caráter público.
O que está em jogo é inclusive como faremos o processo de reconstrução do país. O governo vendeu os serviços postais, mas o mercado comprou o fim das políticas públicas.
Camila de Caso é mestranda em Desenvolvimento Econômico no IE/Unicamp.
*Publicado originalmente em 'Jacobin'
Correios: a caminho do Senado, efeito da desestatização divide analistas
Efeito da desestatização divide analistas. Para alguns, preço dos serviços vai subir e prejudicar os mais carentes. Para outros, maior concorrência é positiva. Senado vai analisar projeto
Correio Braziliense
07/08/2021
Após a aprovação do texto-base da privatização dos Correios na Câmara dos Deputados, há uma divisão entre quem acredita que a medida pode melhorar os serviços e diminuir preços, com o aumento da competitividade, e aqueles que avaliam que os serviços ficarão mais caros e deixarão de atender aos mais carentes. No Senado, a oposição tentará barrar o texto ou pelo menos “reduzir danos”, alegando que a população mais pobre, que depende de determinados serviços da estatal, será prejudicada e terá de pagar mais caro.
Entre os que defendem a privatização, os principais argumentos são a melhoria dos serviços e a diminuição de preços causada pela maior competição em determinados itens que hoje são monopólio da estatal. A empresa, no entanto, só possui o monopólio postal, para envio de correspondências (cartas). O carro-chefe da companhia são as entregas de encomendas, especialmente as de e-commerce, serviço já realizado por empresas privadas no país.
O impacto no bolso do consumidor só poderá ser mensurado com a regulamentação. Mas a tendência, segundo especialistas, é de alta nos preços praticados, já que os Correios operam em locais de difícil acesso e alto nível de periculosidade — o que resulta em mais custos com seguros e transporte, que podem, eventualmente, ser repassados aos consumidores.
De acordo com o texto aprovado, a empresa que se tornar dona dos Correios poderá definir preços, condições e reajustes de preços (estes regulamentados pelo contrato de concessão). Para que a universalização dos serviços não seja prejudicada, é prevista a criação de uma “tarifa social” para usuários carentes.
Para Joelson Sampaio, coordenador do curso de economia da FGV EESP, a privatização, por si só, não é suficiente para melhorar os serviços, tudo dependerá da regulação. “É preciso ter regulação para que a empresa consiga manter a oferta de serviços para todos os brasileiros. Cabe ao governo manter esses encargos, não focar só em quem traz maior retorno financeiro”, pontuou.
Ele acredita que ainda não é possível cravar que as tarifas de serviços ficarão mais caras. “A empresa pode cobrar o que ela quiser, até um limite. Hoje muitos serviços públicos são operados por empresas privadas, mas elas não podem cobrar o que querem”, diz ele. Sampaio acredita que o aumento da competitividade pode, na verdade, baratear os serviços.
“O governo vai poder quebrar o monopólio para alguns serviços. Embora a gente tenha concorrência, ainda não é plena. A entrega de conta de luz e água em alguns estados só é feita pelos Correios. Precisamos de mais concorrência, o que pode melhorar os preços, isso é positivo”, opinou o economista.
Já Josilmar Cordenossi, professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, acredita que haverá uma alta nas tarifas de serviços, mas ela não ocorrerá de uma forma generalizada. “Eu acho que vai ter aumento de preços. Alguns serviços têm preço maior, inclusive quando há maior risco de roubo de carga. A entrega de compras feitas pela internet, por exemplo, pode ficar mais cara, porque muitos produtos são caros e frágeis”, afirmou.
Interessados
Cardenossi afirma, no entanto, que a competitividade pode elevar a qualidade dos serviços prestados, e que acredita que as grandes empresas de e-commerce serão as principais interessadas em adquirir os serviços dos Correios. “A venda dos Correios pode atrair interesse de empresas do e-commerce, pode ser interessante ter um canal de distribuição mais forte, dominar esse meio e diferenciar-se dos concorrentes”, afirmou.
Para Cordenonssi, a privatização é positiva. Ele diz ser a favor de toda privatização de serviços que podem ser prestados pela iniciativa privada. No caso dos Correios, argumenta, trata-se de uma “estatal deficitária que consome recursos do Estado”. Alerta, no entanto, que não basta “privatizar e esquecer”, é preciso fiscalizar a empresa que adquirir a estatal.
“Hoje, o Estado tem o papel de regulamentar e fiscalizar a si mesmo. Mas quando ele é regulador e fiscalizador de outro agente, possui mais força, pode fazer cumprir contratos ou ameaçar retirar a concessão da empresa que não cumprir suas obrigações contratuais”, finalizou.
De acordo com o texto aprovado na Câmara, os Correios poderão ser vendidos integralmente. A previsão é de que um leilão seja realizado já no início de 2022. Com isso, uma série de mudanças é esperada, como a transformação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em Agência Nacional de Telecomunicações e Serviços Postais, para regulamentar e fiscalizar os serviços postais.
“A venda dos Correios pode atrair interesse de empresas do e-commerce, pode ser interessante ter um canal de distribuição mais forte, dominar esse meio e diferenciar-se dos concorrentes” Josilmar Cordenonssi, professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Entrevista: “Quem vai ganhar é o consumidor”, diz relator do projeto de privatização dos Correios
Pelo texto aprovado na Câmara dos Deputados, a nova empresa vai operar serviços postais, de forma exclusiva, pelo prazo de cinco anos
O Antagonista
08/08/2021
A Câmara dos Deputados aprovou na quinta-feira última (5), por 286 votos a fator a 173 contra, o projeto de privatização dos Correios. A proposta transforma a estatal em uma empresa de economia mista e transfere para a Anatel a regulação do setor de serviços postais.
Pelo texto aprovado na Câmara (que ainda terá de passar pelo Senado), a nova empresa vai operar serviços postais, de forma exclusiva, pelo prazo de cinco anos. A exclusividade inclui serviços como atendimento, coleta, triagem, transporte e distribuição de cartas no território nacional e expedição para o exterior de carta e cartão postal.
Segundo o relator da matéria, deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA), a privatização dos Correios deve abrir espaço para um serviço postal mais eficiente. “Com o investimento privado, a tendência é tornar mais eficiente esse tipo de serviço [postal]. Principalmente em relação às entregas de compras feitas pela internet”, disse o parlamentar em entrevista a O Antagonista.
Leia os principais trechos da entrevista:
Qual foi a maior dificuldade que o senhor teve ao longo da tramitação do projeto? Foi o lobby dos sindicatos? Do funcionalismo público?
Na realidade, não tivemos muitas dificuldades porque sempre estivemos abertos ao diálogo, ao debate. É claro e evidente que eles têm o posicionamento deles e nós temos que respeitar isso. Em plenário tivemos um bom embate com a oposição, mas de forma respeitosa. Eu acho que a política, a democracia, ela é feita de convergências e de divergências. Eu abri diálogo com sindicatos, com outros setores da economia e isso fez com que a gente pudesse construir um relatório que hoje viesse a culminar com 286 votos em plenário.
O que vai mudar a partir de agora? O cidadão vai conseguir sentir a diferença nos serviços postais?
Hoje, a Empresa Brasileira de Correios é deficitária em virtude de não ter investimentos em tecnologia. Agora, com o investimento privado, a tendência é tornar mais eficiente esse tipo de serviço. Principalmente em relação às entregas de compras feitas pela internet. Hoje, você tem esse déficit na entrega do serviço em relação à concorrência.
No projeto, ficou estabelecida a estabilidade para os servidores atuais por um período de 18 meses e a manutenção de agências em locais remotos. Quais foram os objetivos destas iniciativas?
Estamos vivendo uma pandemia sem precedentes e uma preocupação é a questão do emprego. Nós precisávamos garantir essa estabilidade aos servidores por 18 meses até para dar tranquilidade para aqueles que pretendem se inserir no plano de demissão voluntária (PDV). No PDV, eles vão poder aderir cento e oitenta dias após a desestatização ou privatização, garantindo aí 12 meses de indenização, 12 meses de plano de saúde, entre outros benefícios. Além disso, eles também terão a garantia de uma requalificação para uma reinserção no mercado de trabalho ou mesmo para continuar prestando serviços para a nova concessionária, que vai administrar o sistema postal brasileiro.
É possível falar que, finalmente, o serviço postal brasileiro será modernizado?
A gente tem que respeitar a história dos Correios e o que ele sempre representou para o nosso país. São mais de 300 anos, mais de três séculos que ele presta esse tipo de serviço e que vem dando essa contribuição ao Brasil. A Empresa Brasileira de Correios é uma estatal estratégica, tanto no sistema logístico quanto na economia brasileira. Então, a gente não tem a menor dúvida de que o nosso país vai ganhar muito abrindo o mercado para investimentos em um sistema postal mais eficiente. Quem vai ganhar é o consumidor, com uma tarifa mais equilibrada e justa. Vamos ter uma tarifa social que vai beneficiar as pessoas de baixa renda, com uma cobrança mais acessível. Assim, essa população vai poder também usufruir do serviço postal. Isso foi outra novidade que nós trouxemos para o projeto.
Ainda dá pra evitar a privatização dos correios?
Meteoro Brasil
06/08/2021
O governo Bolsonaro conseguiu uma vitória importante e fez a privatização dos Correios ser aprovada na Câmara dos Deputados. Agora, tudo depende do Senado. Será que ainda é possível reverter a tragédia?
Assista no link: https://www.youtube.com/watch?v=QN3ObyWwRN0
Sidney Rezende sobre a privatização dos Correios: "O debate deveria ser mais público"
Direção Nacional da ADCAP.
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