terça-feira, 3 de agosto de 2021

Salvem os Correios. Mas da irresponsabilidade do Governo, isso sim.

 

No Brasil da atualidade, instituições e pessoas são sistematicamente atacadas pelo governo, com mentiras que tentam justificar a imposição de decisões absolutamente desprovidas de razão e lesivas à sociedade. Os Correios são uma dessas vítimas.

Enquanto o Congresso Nacional e o Judiciário reiniciavam nesse dia 02/08 seus trabalhos e o chefe do Estado se ocupava em fustigar mais uma vez a Justiça Eleitoral, além de destratar desafetos e opositores no atacado, o Ministro da Propaganda utilizou rede nacional de TV para defender a intenção do governo de privatizar os Correios.

A privatização de uma grande estatal, que atende todos os brasileiros, é, sem dúvida, um assunto relevante, que merece a atenção dos cidadãos. Porém, a forma como esse assunto tem sido tratado até o momento pelo governo mostra exatamente o contrário, indicando que a ação do ministro tem mais o sentido de seguir na trilha de forçar a aprovação de um projeto inconsistente, de “passar a boiada”, para favorecer alguns prejudicando todos os demais, do que de cuidar bem do interesse público.

Inconstitucionalidade

O projeto defendido pelo Ministro da Propaganda é inconstitucional. Para passar a tratar o serviço postal como exploração de atividade econômica, passível de execução pela iniciativa privada, seria necessário modificar a Constituição Federal, que é muito clara em estabelecer que o serviço postal deve ser mantido pela União. Isso está muito bem detalhado na ADI-6635, que tramita no STF, já contando com parecer favorável da PGR à tese da impossibilidade de se fazer a privatização por lei, como intenta o governo. O Ministro sabe bem disso, mas continua mentindo, alegando que projeto é constitucional.

Universalização

O serviço postal é o serviço público mais presente no país. Com agências em quase todos os municípios e em muitos distritos, os Correios já estão bem próximos dos cidadãos. Essa situação é a oposta do que ocorria com as telecomunicações quando se deflagrou sua privatização; naquela época havia demanda reprimida, muitas regiões desassistidas e o preço do serviço telefônico era elevado. No caso dos Correios, temos atendimento capilarizado, cobrindo o país de ponta a ponta, e uma tarifa postal dentre as menores do mundo, apesar das dimensões do país.

No quesito universalização, temos, portanto, uma razão para não mexer nos Correios, que já cumpre bem esse papel, e não o contrário, como tenta sustentar mentirosamente o Ministro da Propaganda.

Estudos e trabalhos técnicos do BNDES e consultorias

O projeto de lei foi entregue pelo Ministro da Propaganda ao governo em outubro de 2020, como noticiou a imprensa. Na ocasião, não se tinha notícia de ter havido qualquer conclusão de estudo técnico que sustentasse o projeto. Tempos depois, já em 2021, o governo divulgou informação de que estudos lhes foram apresentados. Como não antecederam a elaboração do projeto e como tais estudos são ainda hoje uma “caixa preta do BNDES”, inacessível aos cidadãos e até aos parlamentares, só se pode inferir que foram talhados sob medida para sustentar o que já queria o governo a todo custo: vender os Correios.

Numa situação normal de funcionamento institucional, tais estudos seriam públicos, já teriam passado pelo crivo de avaliações e sido validados ou não por outros estudos feitos pelo Congresso Nacional e por outros atores alcançados pela decisão que deseja tomar o governo. No Brasil de hoje, porém, permanecem na caixa preta.

Tramitação do projeto na Câmara

Há mentiras que extrapolam qualquer limite. A afirmação do Ministro da Propaganda de que o projeto foi aprimorado na Câmara é uma dessas. Primeiramente, destaca-se que o projeto não passou adequadamente pelas comissões técnicas da Câmara, pois tem tramitado em regime de urgência para evitar o caminho natural das proposições legislativas. Na única comissão técnica que chegou a apreciar rapidamente o projeto – a CDEICS, foram apresentadas mais de 100 emendas, todas ignoradas pelo relator, que deixou a avaliação dessas para uma futura comissão especial, que não foi instituída. Mesmo assim, a votação do PL consta da agenda da Câmara para esta semana.

Importante destacar ainda que nem os próprios deputados ou suas lideranças receberam até hoje a minuta do relatório que o relator pretende apresentar. O que circulou foi uma minuta entregue extraoficialmente pelo relator ao Ministro da Propaganda, a qual foi prontamente vazada para a imprensa.

Corrupção – Mensalão e Postalis

Na linha de procurar macular a imagem dos Correios, para tentar justificar para a população a privatização, ainda que isso signifique depreciar o ativo, o Ministro da Propaganda mencionou a ocorrência do mensalão e dos rombos no Postalis, questões impertinentes ao assunto privatização e inadequadamente colocadas no contexto. O chamado mensalão alcançou inúmeros órgãos públicos, empresas privadas e parlamentares. E as apurações realizadas mostraram que o foco de corrupção detectado nos Correios era bem pequeno no quadro geral e foi prontamente sanado na ocasião. E quanto ao Postalis, como diversos outros grandes fundos de pensão brasileiros, registrou no passado perdas expressivas associadas a má gestão, não se tratando de um caso peculiar, como intenta fazer parecer a argumentação.

Resultados de 2020

Ao mencionar apenas os resultados de 2020, ignorando que os balanços dos Correios desde 2017 registraram superávits, o Ministro da Propaganda tenta iludir a audiência, passando a impressão de que só agora, no atual governo, os resultados foram positivos. Além disso, o Ministro da Propaganda sabe, mas não diz, que os déficits apontados nos balanços dos Correios em anos anteriores se deveram a decisões e omissões dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento, hoje reunidos no Ministério da Economia, e não a outros fatores, como problemas na gestão da Empresa.

Investimentos

Até alguns meses atrás, o governo utilizava a argumentação de que os Correios precisavam ser vendidos porque davam prejuízo. Essa argumentação mentirosa era usada sistematicamente, apesar de os balanços da empresa mostrarem o contrário e de o Ministério da Economia conhecer bem as causas dos déficits havidos no passado.

Com o resultado de 2020 superando R$ 1,5 bilhão, tiveram que buscar outra argumentação, pois ficaria ainda mais evidente que estavam mentindo. Surgiu, então, a argumentação de que os Correios não teriam condições de fazer os investimentos necessários no futuro e, por isso, precisariam ser vendidos. E a cifra de R$ 2,5 bilhões por ano foi lançada da mesma forma que outras informações – sem detalhamento ou fundamentação.

Mesmo que tal cifra seja verdadeira, é de se imaginar que os Correios, com uma infraestrutura já montada e em pleno funcionamento, incluindo uma frota que recebeu recentemente mais de 7.000 veículos zero km, tenha plena condições de fazer os investimentos necessários a seu desenvolvimento. Além disso, a lei nº 12.490/11 abriu portas para os Correios se desenvolverem por meio de parcerias com a iniciativa privada, o que pode não só evitar que a Empresa precise fazer alguns investimentos como até viabilizar a entrada de recursos diretamente no caixa, como, por exemplo, no caso do Banco Postal, uma parceria que rendeu na última seleção pública havida um montante de R$ 2,8 bilhões. Trata-se, portanto, de uma mentira surgida para substituir outra.

Cartas e Encomendas – mudança do perfil do tráfego

O volume de cartas vem declinando e o de encomendas aumentando. Isso é fato. Ocorre, porém, que isso não é fato novo. Acontece há décadas e os Correios têm se ajustado à mudança de demanda. O envio de correspondências ainda se aplica hoje em muitas situações e isso continuará acontecendo, ainda que em volumes decrescentes. Não há novidade nisso e nada aí que justifique a privatização.

Crescimento dos Correios

O crescimento dos Correios depende de boa gestão e de visão de longo prazo. Casos recentes de privatização no setor, como o de Portugal, mostram que o operador privado busca, na verdade, extrair o máximo de lucro possível no menor tempo, para distribuir dividendos a seus acionistas. Para isso, vale fechar agências, demitir pessoal, aumentar preços e piorar a qualidade do serviço. Após a privatização, o correio português não avançou para ser um grande player mundial, mas sim produziu lucros para seus acionistas e insatisfação para a população e para as empresas que dependem do serviço postal. Não procede, portanto, a afirmação de que a privatização seja necessária ao desenvolvimento dos Correios. O exemplo do correio estatal francês está aí para demonstrar bem isso.

Sobrevivência dos Correios

Os Correios sobreviveram bem a 358 anos de história e vislumbram hoje um cenário promissor para seus negócios, com o crescimento explosivo do comércio eletrônico. Podem sobreviver muito bem se o Congresso Nacional fizer seu papel e não se iludir com as mentiras produzidas em série para tentar justificar essa má ideia e sua urgência. Esse caminho tem potencial para prejudicar muito os brasileiros e beneficiar tão somente especuladores e banqueiros, concentrando ainda mais a renda no país. Os brasileiros não precisam pagar mais essa conta; precisam ser salvos da irresponsabilidade do governo. E o Congresso Nacional e a Justiça podem fazer isso.


ADCAP – Associação dos Profissionais dos Correios

 

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