Para sair da crise,
planos de saúde e ANS
buscam novos
modelos
O Globo
14/08/2016
RIO - Achar uma saída para a crise sem
precedentes no sistema de saúde suplementar, que já tirou 1,6 milhão de
brasileiros dos planos de assistência médica em 12 meses, encerrados em junho,
não é tarefa simples. Iniciativas inovadoras, voltadas à prevenção e outras
especificamente a idosos, têm mostrado que é possível melhorar a qualidade do
atendimento ao consumidor e, ao mesmo tempo, equilibrar as contas das empresas.
Para além do plano de saúde popular, sugerido pelo Ministro da Saúde, Ricardo Barros, a ANS, agência reguladora do setor, discute com representantes de empresas e usuários, desde o ano passado, novos formatos para a área. Debate-se, por exemplo, a mudança da remuneração de prestadores de serviço, que passariam a ser avaliados pelo resultado de seu trabalho para a saúde do usuário. Outra alternativa em discussão é a existência de franquia, como há no seguro de automóveis, para baratear o custo da mensalidade para o usuário.
Para além do plano de saúde popular, sugerido pelo Ministro da Saúde, Ricardo Barros, a ANS, agência reguladora do setor, discute com representantes de empresas e usuários, desde o ano passado, novos formatos para a área. Debate-se, por exemplo, a mudança da remuneração de prestadores de serviço, que passariam a ser avaliados pelo resultado de seu trabalho para a saúde do usuário. Outra alternativa em discussão é a existência de franquia, como há no seguro de automóveis, para baratear o custo da mensalidade para o usuário.
— Hoje, temos uma saúde de altíssimo custo
e baixa efetividade. Precisamos descobrir como garantir, de verdade, que a
saúde seja universal, igualitária e eficiente, com boas perspectivas para
todos. Para a maioria das pessoas, universal quer dizer sem limite, mas a
realidade não é essa. Vamos ter que rediscutir direitos e deveres e o que é
consumo em saúde: é fazer exames, ressonância, ou ter um bom resultado? —
analisa Martha Oliveira, diretora de Desenvolvimento Setorial da ANS.
DE VOLTA AO MÉDICO DE FAMÍLIA
Para Solange Beatriz Mendes, presidente da
FenaSaúde, que representa o setor de saúde suplementar, não há “solução mágica”
que torne o sistema imediatamente sustentável e adequado à realidade
brasileira.
— É preciso entender e discutir seja o
modelo que for: de franquia, coparticipação, individual, popular. O importante
é trazer o consumidor para esse debate. Hoje, ele é apenas um usuário, paga,
não controla. Nesse sentido, a coparticipação pode ser útil para uma mudança de
comportamento, muito mais do que pela colaboração financeira. Precisamos
combater o desperdício. Não é possível que brasileiros tenham mais necessidade
de ressonância magnética do que outros povos — exemplifica.
Algumas iniciativas são citadas por
especialistas e empresas como exemplo. A Unimed Guarulhos, pioneira entre as
cooperativas do grupo, adotou um sistema de atenção básica à saúde, nos moldes
do programa médico de família. No primeiro ano de implantação do projeto, em
2012, a cooperativa reduziu em 63% a utilização do pronto-socorro e em 35% o
custo assistencial. E, desde então, os custos têm se mantido abaixo dos
verificados antes da implantação do sistema.
— Quando o atendimento é promovido de
maneira contínua, com orientação ao paciente, sem desperdícios e com intervenções
clínicas realizadas em tempo hábil, melhoramos a qualidade de vida dos
pacientes, os indicadores de saúde, e, consequentemente, isso gera o equilíbrio
econômico e financeiro dos planos — afirma Cloer Vescia Alves, coodenador do
Comitê de Atenção Integral à Saúde (CAS) da Unimed do Brasil, que incentivou a
adoção da prática pelas suas afiliadas.
A dona de casa Tânia Fogaça Bernardo
conheceu o Núcleo de Atenção Primária à Saúde da Unimed Guarulhos através de
sua irmã Kezia.
— Minha irmã é
acompanhada pelo médico de família e está satisfeita. Essa foi meu primeiro
atendimento, e gostei bastante — afirma Tânia, que levou o filho Caio para se
consultar na semana passada.
Para Vanessa de
Souza Silva, também paciente do núcleo, uma das diferenças fundamentais é o
acompanhamento do histórico médico:
— E quando tenho um
problema, ligo e sou rapidamente atendida. A consulta é agendada em, no máximo,
dois dias.
Andrea Gushken,
líder do projeto, diz que não há segmentação por idade ou sexo para participar
do programa:
— O alvo são as pessoas, e não as doenças.
MUDANÇA URGENTE
Num cenário delicado para o segmento, que
levou à quebra da Unimed Paulistana e à crise da Unimed-Rio, o grupo também
investe no modelo médico de família em Vitória, Vila Velha e Aracruz, que somam
27 mil participantes.
A mudança do foco para a atenção primária é
uma urgência, diz Martha, da ANS. Ela conta que, há pouco mais de um ano, a
agência implantou o projeto Parto Adequado, que tem por objetivo reduzir o
número de cesárias desnecessárias. Cerca de 40 hospitais aderiram à iniciativa,
e hoje há outros cem querendo entrar no projeto, que conta com o apoio de 18
operadoras de planos de saúde.
— Tem que ter
atenção básica, mas com articulação da rede. Isso representa uma forma de
operar diferente, como a implementada no Projeto Parto Adequado. Em seis meses,
reduzimos em 20% a internação em UTI neonatal — exemplifica a diretora da ANS.
Maria Inês Dolci, coordenadora
Institucional da Proteste — Associação de Consumidores, que tem participado dos
grupos de trabalho da ANS, reconhece a importância de se encontrar um
equilíbrio para as contas das empresas, mas se preocupa com o fato de que cada
vez mais consumidores são excluídos da saúde suplementar, por razões como falta
de capacidade de pagamento e idade. E mostra preocupação com a pressão
constante das operadoras para uma redução na regulação do setor:
— É imprescindível
ter um modelo economicamente sustentável, mas isso não pode significar
retrocesso de direitos. Sem dúvida, o foco deve ser prevenção, gestão
inteligente e transparência.
Na visão da
professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do
Rio de Janeiro Lígia Bahia, para ser autossustentável, a assistência
suplementar precisa, realmente, investir mais em saúde:
— As empresas
teriam de sair de um modus operandi de competição pela venda de planos e entrar
no mundo da saúde propriamente dito. Até agora, atuam como bureau de vendas. Há
grandes companhias do setor que não investem em pesquisa, inovação tecnológica
de produtos ou de processos de gestão.
O rápido envelhecimento da população é
outro desafio, já que os planos para os maiores de 65 anos são muito mais
caros. De olho nesse público, a ANS vai implementar neste semestre, em 15
hospitais, o programa de atenção básica “Idoso bem cuidado”, focado na
reestruturação da rede de atendimento a essa faixa etária. Foi constatado que,
em muitos casos, o atendimento é inadequado, o que acaba causando problemas,
como intoxicação medicamentosa e internações repetitivas.
Relegados por muitas operadoras, os
brasileiros acima de 40 anos estão sendo alvo de planos específicos para a sua
faixa etária. Caso da Prevent Senior, com mais de 35 unidades próprias em São
Paulo, que focou a sua atividade em planos individuais para este segmento, e já
tem projetos de expansão. Em estudo está a entrada no mercado carioca.
—
Como são pessoas que já têm um histórico, por vezes de problemas preexistentes,
a nossa assistência busca entender qual é a melhor forma de atendê-lo e de
trazer mais saúde e qualidade de vida. E, dessa forma, obtemos um bom resultado
médico, sem onerar demais a mensalidade — explica Fernando Parrillo, CEO da
empresa.
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