Promotor diz que
estado não fez esforço para
cobrar devedores
O Globo
16/08/2016
16/08/2016
RIO - Enquanto as contas do estado seguiam
para o fundo do poço, ainda em janeiro, o governo do Rio decidiu criar uma
força-tarefa para fechar o cerco aos grandes devedores. Sete meses depois, o
responsável pela Coordenadoria de Combate à Sonegação Fiscal (Coesf), promotor
Rubem Vianna, informa que o trabalho não teve qualquer resultado e nem um real
foi recuperado para os cofres públicos pela tão anunciada Comissão
Interestadual de Recuperação de Ativos (Cira). O promotor afirma que, até hoje,
a Fazenda só realizou uma reunião da comissão (em 29 de março), embora o estado
enfrente dificuldades na arrecadação de impostos e venha descumprindo suas
obrigações devido à crise e ao encolhimento das receitas.
Hoje, os débitos dos 20 maiores devedores
do governo são praticamente suficientes para cobrir o déficit do caixa este
ano: R$ 18,2 bilhões. O levantamento foi feito pela Procuradoria Geral do
Estado (PGE), em resposta a um pedido do GLOBO pela Lei de Acesso à
Informação.
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A dificuldade do estado na cobrança dos
débitos esbarra na morosidade do Judiciário. Os processos se arrastam na 11ª
Vara de Fazenda Pública da capital, a única que tem esta atribuição. Até
dezembro, de um total de 101.258 processos que constavam no acervo geral,
76.677 (77%) estavam paralisados há mais de 90 dias. Apenas 321 processos
tinham sentenças (cerca de 0,3%). O resultado disso, no ano passado, foi um
índice de recuperação de pouco mais de 1%: cerca de R$ 697 milhões.
“NENHUMA PROVIDÊNCIA FOI ADOTADA"
Em tom de desabafo, Vianna diz, em nota,
que a Secretaria estadual de Fazenda, que deveria presidir a comissão, ainda
não fez qualquer esforço para que os trabalhos avancem.
“Desde então, nenhuma providência foi
efetivamente adotada pela Fazenda estadual, tampouco outro encontro foi
agendado, permanecendo, portanto, lamentavelmente, o mesmo quadro que precedeu
e justificou a união de esforços no sentido de equacionar um problema que vem
inviabilizando a atuação do Estado no cumprimento de suas atribuições
constitucionais”, informa o promotor.
A Cira foi instituída um mês depois de
ocorrer um grande mal-estar entre a Coesf e a Fazenda, que cortou o acesso do
MP à base de dados para fiscalização de devedores do ICMS (principal fonte de
arrecadação estadual). A interrupção aconteceu após o MP começar a investigar
as ações fiscais de empresas ligadas ao grupo Petrópolis. Três das
distribuidoras de bebidas da cervejaria, Imapi, Leyroz e Praiamar, acumulam um
contencioso de cerca de R$ 1 bilhão com o estado. As distribuidoras estão sendo
investigadas pela Operação Lava-Jato.
Se recuperados, os débitos dessas grandes
empresas poderiam ajudar a evitar o colapso financeiro, assim como garantir o
pagamento em dia dos funcionários, que têm recebido salário atrasado. O
problema é recuperar o passivo.
Pelo menos R$ 9,5 bilhões dos débitos dos
grandes devedores são considerados pela PGE como de difícil recuperação. Desse
montante, R$ 2 bilhões são atribuídos a empresas supostamente laranjas na
distribuição de combustíveis, sem patrimônio e com sede fantasma. Esses são os
casos da Arrows Petróleo do Brasil Ltda. e American Lub do Brasil Ltda., mais
conhecida como Dinamo.
A Arrows e a Dinamo já foram alvos de
denúncias na Justiça sobre um esquema de empresas de distribuição de
combustível ligadas ao empresário Ricardo Magro, investigado por sonegação de
ICMS. Magro foi preso em junho, acusado de lesar em R$ 90 milhões os fundos de
pensão Postalis, da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ETC), e
Petros, da Petrobras. Ele foi solto após pagar fiança de R$ 4 milhões.
Outras empresas ligadas a Magro também
aparecem na lista de devedores do estado como a Refinaria de Manguinhos e a
Rodopetro Distribuidora de Petróleo. Somadas, as dívidas de ambas chegam a R$
1,3 bilhão, aponta a PGE.
Manguinhos é conhecida no mercado de
combustíveis por movimentar uma indústria de liminares no Judiciário fluminense
para não recolher ICMS e, assim, vender combustíveis mais baratos.
Os procuradores avaliam como praticamente
perdidos outros R$ 2,2 bilhões que envolvem massas falidas como Varig, Mesbla e
Cimobras Indústria de Molas BR. Primeira no ranking de devedores do estado, a
Petrobras tem R$ 4,4 bilhões de débitos em discussão judicial.
TÉCNICOS COM AGENDA LOTADA
Evitando polemizar, o governador em
exercício, Francisco Dornelles, disse que o estado aposta na venda na chamada
securitização da dívida ativa para recuperar receitas para o estado. A operação
consiste na venda da dívida ativa, que está na casa dos R$ 66 bilhões, para
bancos privados. O estado espera conseguir cerca de R$ 3 bilhões com a
negociação, que ainda depende do aval do Tribunal de Contas da União. Dornelles
disse que em 2015 houve um volume muito grande de cobranças judiciais e que
considera “extremamente importante” o combate aos sonegadores:
— Quero conhecer as ideias desse promotor e
aproveitá-las, se possível.
Em nota, a Fazenda informa que novos
encontros do Cira não foram marcados devido à“agenda lotada dos técnicos” por
causa da crise do estado e que está tomando providências para que as reuniões
sejam retomadas. A Fazenda afirma que o combate à sonegação é prioridade e que
tem adotado procedimentos como malhas fiscais, cobrança administrativa,
monitoramento de grandes contribuintes e operações volantes, inteligência
fiscal e aumento do número de fiscalizações, entre outros. Segundo a pasta,
mais de mil empresas foram contatadas pelos auditores fiscais do Polo de
Cobrança Amigável da secretaria, o que resultou na negociação de cerca de R$
500 milhões de débitos de ICMS (em pagamentos à vista ou parcelados).
Participam da Cira promotores, auditores da
Fazenda e policiais da Delegacia de Combate a Crimes Fazendários, entre outros.
As empresas citadas questionam os valores
atribuídos como inscritos em dívida ativa pela Procuradoria e afirmam que os
débitos estão sendo discutidos na Justiça. A Petrobras informa que os valores
“representam contencioso judicial fruto da divergência de interpretações da
legislação entre a empresa e o estado”.
A empresa de Correios e
Telégrafos disse que os lançamentos são relativos a ICMS e IPVA, os quais,
tendo os Correios imunidade tributária, não são devidos. A Star One disse estar
em dia com suas obrigações fiscais junto ao estado: “Eventuais discussões
quanto à ilegalidade ou inconstitucionalidade do tributo são discutidas junto
ao poder judiciário”.
A Light informou que a dívida está em
discussão na Justiça. Contudo, a empresa entende que não deve os R$ 555 milhões
mencionados pela PGE. A Nextel afirma que não reconhece o débito reportado e,
portanto, está discutindo a questão administrativa e judicialmente. A CSN
preferiu não comentar o assunto.
A massa falida da Varig respondeu “que
grande parte dos débitos referem-se a créditos de ICMS incidentes sobre
transporte aéreo de cargas e passageiros, sendo certo que já foram proferidas
diversas decisões favoráveis às massas falidas”. Os representantes da Varig
informaram que o Supremo Tribunal Federal (STF) já pacificou entendimento no
sentido de que as sociedades prestadoras de serviço de transporte aéreo não são
contribuintes de ICMS.
O Carrefour informa que cumpre
respeitosamente suas obrigações junto a municípios, estados e União e que
possui discussões administrativas e judiciais devidamente fundamentadas.
A
reportagem não conseguiu contato com Paes Mendonça S.A., Sola S.A. Indústria
Alimentícia, Pritefisa Tecelagem de Fios Sintéticos da Amazônia, Brasal Empresa
Brasileira de Alimentos (Panutri), Didier Confecções Ltda., Cimobras Indústria
de Molas BR, RodoPetro Distribuidora de Petróleo, American Lub do Brasil Ltda.,
Mobilitá Comércio Indústria e Representações Ltda., Refinaria de Manguinhos e
Mesbla Lojas de Departamento.
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