STF mantém decisão de Toffoli sobre acordo de reajuste de funcionários dos Correios
Com essa derrota, os trabalhadores da estatal devem continuar em greve por melhoria de benefícios
Valor
21/08/2020
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou
maioria para manter uma decisão que suspendeu cláusulas de um acordo sobre
reajuste fechado com funcionários dos Correios pela
Justiça do Trabalho no ano passado. A decisão representou uma derrota para
os trabalhadores, que esperavam um posicionamento da Corte para definir
se permaneceriam em greve. Agora, a paralisação deve continuar.
Em outubro de 2019, o Tribunal Superior do
Trabalho (TST) determinou que o acordo teria duração de dois anos, mas,
ainda no ano passado, o presidente do STF, Dias Toffoli, concedeu liminar
à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), suspendo a decisão do
TST.
Na prática, a decisão faz com que o acordo
tenha validade só por um ano e, como este prazo terminou em agosto, a
categoria vai ter que fazer uma nova rodada de negociação ainda em 2020.
Em julgamento do plenário virtual, a maioria
dos ministros já se posicionou a favor de manter a decisão de Toffoli. Os
ministros têm até às 23h59 desta sexta-feira (21) para se manifestar.
Até agora, votaram nesse sentido, além do
presidente do STF, os ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Alexandre de
Moraes, Rosa Weber e Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Gilmar
Mendes.
A expetativa era de que a greve poderia
chegar ao fim, caso o STF suspendesse a liminar e prorrogasse por mais um
ano as cláusulas decididas na negociação de 2019, mantendo todos os
benefícios previstos.
O vice-presidente Associação dos
Profissionais dos Correios (ADCAP), Marcos César Alves
Silva, criticou a decisão do Supremo, especialmente pelo fato de a Corte
ter cassado uma decisão do TST. “Vai criar um caos social, são pessoas
humildes, a maioria. São benefícios que completam o salário e são muito
importantes”, disse.
Ele também afirmou que as entidades que
representam os funcionários dos Correios devem se reunir no fim de semana
para deliberar sobre a continuidade da greve. Para ele, o fato de ter que
ser realizada uma nova rodada de negociação este ano será prejudicial para
os trabalhadores, porque não há diálogo com o governo.
Sindicatos falam em risco de ‘perseguição’
Entidades que representam empregados de
estatais rebatem tese da Procuradoria-Geral da República para permitir novas
demissões
Estadão
24/08/2020
O julgamento no Supremo Tribunal Federal
(STF) – que deve decidir em breve se as empresas públicas podem dispensar
funcionários sem motivação formal – é acompanhado de perto pelos sindicatos que
representam categorias que estão entre as mais fortes do País. Para eles,
trabalhadores que entraram nas estatais e nas sociedades de economia mista o
fizeram por concurso público, uma modalidade de seleção que visa a assegurar a
isonomia e a impessoalidade.
Por isso, o caminho inverso, ou seja, a
demissão, também precisaria preservar esses princípios, diz o advogado
Alexandre Simões Lindoso. Ele atua para a Federação Nacional dos Urbanitários
(FNU) – que representa empregados da Eletrobrás – e para a Federação Nacional
dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares
(Fentect).
“Há que se ter justificativa pautada no
interesse público para haver desligamento de trabalhadores. Senão, abre-se
possibilidade para que um chefe se vingue de um funcionário que descubra alguma
irregularidade ou substitua um trabalhador mais qualificado por um amigo.
Vários motivos, não os mais nobres, podem dar ensejo a atos que não tenham
fundamento na primazia do interesse público”, afirmou Lindoso.
A presidente da Confederação Nacional dos
Trabalhadores do Ramo Financeiro da Central Única dos Trabalhadores
(Contraf/CUT), Juvandia Moreira, avalia que a demissão sem motivo pode gerar
perseguições políticas e ideológicas de funcionários. “A demissão já é possível
quando há falta grave, mas não pode ocorrer porque o chefe não gosta de você.
Esperamos que o STF tenha bom senso, diante da situação que o País vive”, disse
ela.
Para Juvandia, os bancos públicos não
precisam de mais liberdade para demitir empregados. Segundo ela, mais de 30 mil
funcionários deixaram as instituições financeiras nos últimos anos. “A falta de
empregados se reflete na piora dos serviços. Basta ver as enormes filas na
Caixa relacionadas ao pagamento do auxílio emergencial.”
Entre os empregados da Petrobrás, também há
apreensão em relação ao julgamento, diz o coordenador-geral da Federação Única
dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar.
Para ele, a dispensa deve ser justificada
para impedir que o governo use seu poder para fazer indicações e transformar as
empresas em um “cabide de empregos”.
“É óbvio que o parecer da PGR
(Procuradoria-Geral da República) tem o intuito de ajudar o governo no processo
de privatizações. Esperamos que o STF atue de acordo com sua missão, que é a de
resguardar a Constituição”, disse Bacelar. A venda de estatais e subsidiárias é
uma das principais preocupações da FUP. Quando a Petrobrás vendeu a BR
Distribuidora, 700 empregados foram dispensados, segundo ele. Quem permaneceu
na empresa, perdeu parte da renda e teve de migrar para um plano de saúde
considerado inferior, acrescentou Bacelar.
Procurador-geral aponta ressalvas
O parecer do procurador-geral Augusto Aras autorizando as demissões sem justa
causa nas estatais tem uma ressalva. Para ele, estatais que atuam em regime de
monopólio ou responsáveis pela execução de políticas públicas têm a obrigação
de motivar demissões em ato formal. Essas empresas teriam “privilégios
decorrentes do interesse público que motiva o monopólio” e “restrições de
direito público próprias da administração”. Por essa análise, poucas empresas
teriam de justificar demissões – entre elas, os Correios, detentores do
monopólio postal; Eletronuclear, Nuclep, INB e Amazul, relacionadas ao setor
nuclear; e Casa da Moeda, única autorizada a fabricar dinheiro.
Para Lindoso, mesmo os Correios atuam em
regime concorrencial na área de encomendas. Esse entendimento concederia status
diferenciado para empregados de uma mesma empresa.
No caso específico dos Correios, o STF
decidiu, em 2018, que as demissões precisam ser motivadas por ato formal. Não é
necessário um processo administrativo, mas uma justificativa que possibilite ao
empregado contestá-la. Ainda assim, a categoria acompanha o processo
relacionado ao BB pelo caráter de repercussão geral.
Mercado Livre contrata 60 carretas para entregas e terá mais 90 até dezembro
Money Times
21/08/2020
O Mercado Livre contratou nesta semana 60
carretas para ajudar nas entregas de encomendas, à medida que o maior portal de
comércio eletrônico da América Latina busca meios para dar vazão ao aumento
expressivo das operações devido à pandemia do coronavírus e depender menos de
terceiros.
Os caminhões com capacidade média para
transportar em média 5 mil pacotes cada serão usados entre os 3 centros
logísticos do Mercado Livre no país (dois em São Paulo e 1 na Bahia) e centrais
menores para Rio de Janeiro, Distrito Federal, Goiás, Paraná e Rio Grande do
Sul e mesmo cidades no interior paulista.
Até agora, a empresa usava os caminhões de
forma avulsa e, com a manutenção do elevado nível de encomendas decidiu
“envelopar” os veículos com as cores e o logotipo da companhia, resultado de
contratos firmados nesta semana para operação dedicada.
“Até o fim do ano, devemos estar operando com
cerca de 150 dessas carretas”, disse Leandro Bassoi, vice-presidente do Mercado
Envios, braço de logística do Mercado Livre, à Reuters.
Segundo o executivo, os caminhões são
contratados de pequenas empresas de logística espalhadas pelo país. Não há
planos do Mercado Livre de ter uma malha própria, disse ele.
O movimento ocorre em meio à forte expansão
do comércio eletrônico, acelerada desde março com o fechamento do varejo físico
pelas medidas de isolamento social.
A transportadora Braspress acertou no início
do mês a compra de 235 caminhões extra-pesados da Mercedes-Benz para atender
demandas de clientes do comércio eletrônico. E o Grupo Vamos anunciou na
segunda-feira a compra de 1.350 caminhões da Volkswagen, o equivalente a cerca
10% de sua frota atual de aluguel de veículos comerciais de 14 mil unidades.
Gigantes como Mercado Livre e Magalu driblam a dependência dos Correios
A greve dos Correios pode afetar entregas no
comércio eletrônico, mas as gigantes varejistas desenvolveram nos últimos anos
sua própria estrutura logística
Exame
18/08/2020
A pandemia e o aumento do comércio eletrônico
pressionaram toda a cadeia logística – incluindo os trabalhadores dos Correios.
Com aumento da demanda e sem medidas adequadas de proteção e higiene, cerca de
100.000 funcionários da estatal acabaram de decretar greve.
A greve deve afetar as entregas no comércio
eletrônico, já que a estatal é uma das maiores operadoras logísticas para as
compras virtuais. As gigantes varejistas, no entanto, desenvolveram nos últimos
anos sua própria estrutura logística, com integração com suas lojas físicas,
dezenas de centros de distribuição em vários estados e até suas próprias
startups e transportadoras. Como as empresas migraram para outras categorias de
produtos além dos eletrodomésticos, como moda e alimentos e bebidas, ter uma
estrutura ágil é essencial.
Mais recentemente, passaram a realizar essa
logística também para seus parceiros de marketplace, serviço que se
intensificou com a pandemia – afinal, dezenas de milhares de pequenos lojistas
se voltaram às grandes plataformas para vender, com o fechamento temporário de
suas lojas físicas. Essa estrutura aumenta a eficiência das varejistas e
permite realizar entregas em uma fração do tempo.
Magazine Luiza
Em função dos novos hábitos de consumo durante a pandemia, o comércio
eletrônico formal brasileiro cresceu 70,4% no segundo trimestre, segundo o
E-bit. No Magazine Luiza, o comércio eletrônico cresceu 182%, atingindo 6,7
bilhões de reais e 78% das vendas totais no trimestre.
Com o fechamento do comércio, o Magazine
Luiza reforçou sua estratégia de envios de produtos a partir das lojas. Com
essa modalidade, cerca de 35% das entregas totais passaram a ser realizadas em
até 24 horas. Para entregar os produtos de mercado, uma das categorias de maior
destaque no trimestre, mais de 700 das 1.100 lojas físicas foram convertidas em
pequenos estoques para essa categoria.
O parceiro de entrega, a startup Logbee
adquirida há dois anos, recolhe então esses produtos nas lojas para levar às
casas dos consumidores.A Malha Luiza cresceu e passou a reunir 4.000 micro
transportadores e motoristas da Logbee.
O Mercado Livre, empresa mais valiosa da
América Latina, chegou a 5 bilhões de dólares em produtos vendidos no segundo
trimestre do ano. A rede gerenciada pela companhia em todos os países foi parte
central para o crescimento do negócio de comércio eletrônico e para a
capacidade de lidar com o aumento da demanda na pandemia, diz a empresa em sua
divulgação de resultados. Dessa forma, o Mercado Envios enviou 157,5 milhões de
itens no trimestre sem grandes problemas, alta de 124% em relação ao mesmo
período do ano passado. No Brasil, a companhia abriu 18 centros de sortimento,
totalizando mais de 35.
A maior parte dos itens são pagos pelo
Mercado Envios, que tem uma ferramenta para cálculo e pagamento do frete e que
no Brasil trabalha em parceria com os Correios. A participação do Envios é de
96% nas entregas por aqui – no total, a fatia é de 80%.
Mais do que fazer a logística de suas
próprias entregas, as empresas estão oferecendo esse serviço também para os
vendedores em suas plataformas de marketplace – gerenciando os estoques e
envios a partir de seus próprios centros de distribuição. No Mercado Livre,
empresa puramente voltada ao marketplace, esse serviço chegou a 17% do total de
envios no Brasil – chegando a 20% até o final de junho. Como consequência, as
entregas no mesmo dia e no dia seguinte melhoraram. Além das agências de
Correio, o Mercado Livre tem 1.300 lugares em que os vendedores podem depositar
as suas encomendas.
A Via Varejo chegou a 5,1 bilhões de reais em
vendas totais no comércio eletrônico. No segundo trimestre, as vendas online
foram responsáveis por 70% do faturamento total. Para realizar essas entregas,
a empresa passou de 60 para mais de 380 mini centros de logística, que reduzem
o tempo de entrega e cortaram mais de 50% no custo do último braço da
logística. O plano é chegar a mais de 500 até o próximo trimestre, com presença
em todas as cidades em que a Via Varejo tem presença física.
A empresa passou a lidar com mais de 70.000
pedidos por dia no trimestre – mais de duas vezes o total de pedidos
processados por dia no quarto trimestre do ano passado, mesmo com a Black
Friday e o Natal. A Asap Log, startup de logística adquirida recentemente, não
opera apenas as entregas da Via Varejo – 10% de suas entregas são feitas para
terceiros.
A Via Varejo realizou uma oferta de ações
para captar 4,4 bilhões de reais – um terço desses recursos serão destinados à
tecnologia e à logística.
B2W
A Lets, plataforma de entrega da B2W, faz 30% das entregas no mesmo dia e 58%
das entregas em até 48 horas, tanto para vendas próprias quanto para parceiros
do comércio eletrônico. A empresa é dona da Americanas.com e Submarino.com.
Para entregas ainda mais rápidas, a empresa
tem o ship from store para produtos de vendedores locais, que entrega em até 2
horas produtos a partir de 4.000 Lojas Americanas ou lojas de vendedores
parceiros.
O consumidor também pode pedir para retirar
seus produtos em 9.075 pontos em todo o Brasil. Essas parcerias incluem postos
de conveniência da BR Distribuidora, shoppings da BR Malls e Multiplan e 1.000
restaurantes do McDonald’s.
A partir de sua divisão de logística, a
Let’s, a B2W tem 17 centros de fulfillment em oito estados. Cerca de 908
vendedores tem seus estoques operados pela plataforma, através da qual todo o
processo logístico, do estoque ao transporte e atendimento, é operado pela B2W.
A B2W também tem um serviço de entregas no estilo Uber: a Ame Flash tem 20.000
entregadores independentes cadastrados em 700 cidades.
O grevismo nos Correios
Privatizar a estatal é um imperativo para o
futuro da ECT
Gauchazh
24/08/2020
A nova greve na Empresa de Correios e
Telégrafos (ECT), a 10ª em nove anos, lembra uma paralisação deflagrada em 2015
pelos motoristas de táxi de Mumbai, na Índia, contra a chegada dos aplicativos
de transporte. Sem os populares táxis da cidade, a população em peso passou a
usar o transporte por aplicativos, em um movimento que acelerou a adoção do
sistema alternativo e contribuiu para ampliar as dificuldades dos taxistas.
No Brasil, a sequência de paralisações nos
Correios tem o condão de levar os usuários, entre os quais milhares de
empresas, a deixar de lado a incerteza do funcionamento da estatal e se voltar
para o crescente número de serviços privados de logística. Por erosão da
eficiência e das greves sem fim, os Correios perderam clientes em profusão nos
últimos anos. Com a pandemia, quando o comércio eletrônico registra um salto,
cria-se agora mais um abismo difícil de ser revertido. Como a entrega de
mercadorias não pode parar, as empresas de logística particulares ganham de
presente novas fatias de mercado, realimentando ainda mais a corrente a favor
da privatização dos Correios – exatamente o ponto central que a nova greve
pretende combater.
Os Correios já foram uma das empresas mais
confiáveis e admiradas no Brasil, a começar pela simpatia da população pela
tradicional figura do carteiro. No entanto, ao longo de uma série de governos a
empresa foi sendo apropriada por grupos políticos que, de um lado, estenderam aos
mais de 100 mil funcionários e suas famílias benefícios impensáveis na
atividade privada, como um adicional de férias de 70 % e plano de saúde que
inclui pais e mães. De outro lado, foi no primeiro governo de Lula que a ECT se
transformou em epicentro do episódio do mensalão. Aparelhada e ocupada por
alguns dirigentes que se comportavam como salteadores, a empresa foi perdendo o
brilho e o vigor, enquanto os concorrentes privados, mais leves e eficientes,
avançavam celeremente no disputado território da logística.
o se eleger, o presidente Jair Bolsonaro
prometeu dar curso ao processo de privatização da estatal e chegou a trocar um
presidente que, com a missão de vender a empresa, logo se habituou às regalias
do cargo e passou a colocar a iniciativa para escanteio.
A atual administração conseguiu melhorar a
performance econômica da empresa, que já não produz prejuízos bilionários mas
ainda se confronta com a resistência ao corte de benefícios e com uma
ineficiência estrutural diante de um mundo que já não depende mais de cartas
para se comunicar. Apenas de março a junho, por exemplo, o Procon de São Paulo
registrou um crescimento de 398,5% nas reclamações contra a empresa em relação
ao ano passado.
Apesar de os Correios ainda manterem alguns
serviços de razoável qualidade e de estarem presentes, por via direta ou
indireta, em todos os cantos do Brasil, a velocidade de transformação imposta
pela disrupção digital não é compatível com a condição da empresa como um
mamute estatal que vive em um passado que não existe mais. A preparação da ECT
para a venda, com largos benefícios para a sociedade, que utiliza seus serviços
e é chamada a pagar a conta de suas ineficiências, é um imperativo. Contra ele
levanta-se parte dos funcionários, contrariados por um saneamento financeiro
que inclui a suspensão do acordo coletivo, referendado na sexta-feira pelo STF.
Além de cortar benesses, é preciso transformar profundamente a empresa para a
privatização e a competição no ecossistema digital.
O caso da Embraer é exemplar. Estatal, a empresa
deu início à moderna indústria aeronáutica brasileira, mas nesta condição não
lograva incorporar as mudanças e inovações necessárias para enfrentar a
concorrência internacional, e os prejuízos foram se acumulando. Privatizada, a
Embraer adotou práticas de gestão modernas, identificou novas oportunidades,
desenvolveu aeronaves de reconhecida qualidade e conquistou mercados. Ganharam
seus colaboradores e o resto do Brasil, que deixou de canalizar os impostos de
todos para financiar eventuais prejuízos de uma empresa diante das oscilações
de mercado. Aos Correios pode suceder trajetória similar à da Embraer, e até
sonhar com mercados estrangeiros. Mas o governo precisa concretizar logo a
privatização, porque, a cada greve, a empresa vai perdendo mais territórios em
um mercado crescentemente competitivo.
Por que o projeto de privatização dos Correios não faz sentido
A greve dos trabalhadores por direitos
esquenta debate sobre a venda da estatal
Brasil de Fato
23/08/2020
Há seis dias, os trabalhadores dos Correiros
seguem a greve contra a retirada de direitos e risco de vida
dos funcionários durante a pandemia do novo coronavírus. De acordo com a
categoria, em todo o país são cerca de cerca de 70 mil trabalhadores que
aderiram a mobilização, o que representa 70% de adesão a paralisação.
Estão entre os pontos em que houve cortes: o
tempo de licença-maternidade de 180 dias para 120 dias; o pagamento de
adicional noturno e de horas extras; a indenização por morte; o auxílio para
filhos com necessidades especiais e o auxílio-creche.
Para a categoria “o ataque aos direitos” e a
redução, de forma unilateral, de 70 dos 79 pontos do acordo coletivo, após a
empresa obter liminar na justiça, tem uma “linha direta” com a privatização da
estatal, pautada pelo governo Bolsonaro desde o início do governo. Como explica
o secretário-geral da Federação dos Trabalhadores em Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos (Fentect), José Rivaldo da Silva, o objetivo por trás dos
ataques seria "tornar a empresa mais leve, porque rentável já é. Mas
diminuir todo o passivo trabalhista para privatizá-la, entregar à iniciativa
privada a empresa mais barata, sem compromisso em assumir os correios poder
demitir, pagar indenizações menores aos funcionários”.
A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP),
aliada do governo Bolsonaro e da privatização da estatal, chegou a afirmar em
um vídeo nas redes sociais crítico aos trabalhadores que antes da privatização
dos Correios é preciso “melhorar para vender”.
Nesse cenário voltaram aos noticiários
através de declarações do governo federal, apoiadores e mercado as intenções de
privatizar a estatal. Em meio a tantas versões sobre as razões para a venda dos
Correios, o Brasil de Fato se debruçou sobre algumas delas para explicar o que
está em jogo no serviço postal brasileiro.
Correios não têm capacidade financeira?
O diretor da Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos (ECT) e general da reserva do Exército, Floriano Peixoto, em
entrevista a revista Veja em julho desde ano afirmou:
“Alguns benefícios estão sendo cortados
porque a empresa não tem capacidade financeira nem condição de sustentar
perante a sociedade a preservação deles em um momento tão difícil”
Segundo o economista do Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clovis
Scherer, os dados do relatório administrativo da empresa mostram que só em 2019
ela teve receita líquida de R$ 18,356 bilhões. E registrou lucro líquido de R$
102,121 milhões. A empresa fechou 2019 com 99.443 funcionários, ante 105.349 no
ano anterior (-5,61%).
Para ele, o resultado positivo nas contas
operacionais é porque houve um bom resultado entre receitas e despesas ligadas
a operação da empresa "do lado dos gastos principalmente de salários,
benefícios, encargos sociais".
"Não existe nenhuma explosão de gastos,
nenhum desequilíbrio, muito ao contrário. Nos últimos dois anos, temos
resultados num patamar de gasto com pessoal, inclusive em cargos sociais,
inalterado dentro da média histórica”, explica.
Correios dão prejuízos?
Descontado o custo dos produtos e serviços
prestados, o lucro bruto aumentou em mais de R$ 200 milhões nos últimos dois
anos, atingindo R$ 2,7 bilhões em 2019.
Os números contradizem também o argumento do
presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que em janeiro deste ano disse:
"Até o próprio Correios, que a gente
quer privatizar, mas tem dificuldade. O monopólio, que, até o ano retrasado,
deu prejuízo. A gente pretende. Se pudesse privatizar hoje, eu privatizaria”.
Com o aumento da demanda de compra on-line em meio a pandemia a estimativa é
que a empresa tenha um lucro ainda maior este ano. De acordo com o
secretário-geral da Fentect, a estatal teve um aumento do volume de entregas de
mais de 30%.
Outro ponto levantado por Silva é que
diferente de outras estatais, a empresa se sustenta e não é dependente do
Tesouro Nacional.“O governo não põe recursos, a produção toda feita pelos
trabalhadores”, declara ele.
Impacto para os trabalhadores
Se comparado com ano retrasado, o valor de
despesas com salários, honorários e benefícios cresceu apenas 0,1% em 2019,
mas, segundo o levantamento do Dieese, para os trabalhadores os cortes nos
direitos podem representar de 43% a 69% de rendimento no final do mês. O que
para Scherer é uma liquidação do acordo coletivo, que pressupõe os benefícios
como complemento do salário, em uma atitude “extremamente irracional e
irrealista”.
“Além de não promover ajuste salarial
causando uma perda no poder aquisitivo dos trabalhadores, elimina o anuênio, a
gratificação de férias, que fica limitada a legislação que é um terço, não vai
garantir o vale alimentação e/ou refeição que os trabalhadores têm hoje. Só ai
gera uma perda de renda e poder de compra que ultrapassa R$ 800 para cada
trabalhador”, calcula.
Por exemplo, um trabalhador como carteiro,
atendente ou operador de triagem que ganha uma média de um rendimento líquido
de R$ 4.058 com esses benefícios, com a proposta da empresa o valor
líquido cairia para R$ 2.860. Uma perda só para ele de R$ 1.2 mil com a
inexistência do acordo. O que significa uma renda de quase 43% na remuneração
líquida desse trabalhador ou trabalhadora.
No caso de um trabalhador assistente
administrativo cuja a média de remuneração bruta é R$ 2.300, a perda também é
de R$ 1.200 aproximadamente, o que significa uma perda de 69% na sua
remuneração líquida com esses benefícios.
Por isso, o representante da federação
reitera que a categoria não está fazendo greve por benefícios, mas pela
manutenção dos direitos estabelecidos pelo acordo coletivo, inicialmente
previsto para valer até 2021. Para ele o pedido é apenas que o "governo
pague, o que já paga".
Ninguém lê mais carta?
“Qual a dúvida em privatizar os
Correios? Ninguém escreve mais cartas”, afirmou o ministro da Economia, Paulo Guedes,
ao defender a inclusão da estatal no Programa de Aceleração de Privatizações
(PAP).
O dirigente da Fentect afirma, no entanto,
que segundo dados da empresa, que mais de 48% da receita corresponde ao
monopólio postal de envio de cartas e os outros 52% a entrega de encomendas,
aberta a livre concorrência.
Monopólio dos Correios
Silva já responde outro argumento utilizado
frequentemente para justificar a privatização a exemplo, do que disse o
deputado federal Marcel Van Hattem (Novo/RS) durante audiência pública sobre os
Correios:
“Uma empresa monopolista estrangula qualquer
possibilidade de concorrência”
O monopólio dos Correios se limita apenas ao
serviço de cartas e está previsto na Constituição para a garantia do direito ao
serviço postal de todos os brasileiros. Já o serviço de encomendas, como Sedex
e PAC, está aberto para o livre mercado, ainda sim, de acordo com os dados da
estatal, apresenta bons resultados.
Scherer alerta que a privatização das áreas
competitivas da empresa pode matar todo o conjunto de serviços que são
prestados, inclusive, aqueles do monopólio. “Você não vai montar uma estrutura
no Brasil inteiro para entregar carta se não tiver junto outros tipos de
serviços que justamente viabilizem economicamente o funcionamento da empresa, ela
não vai ter receita suficiente para arcar com a tarefa de entregar cartas no
Brasil inteiro”, explica.
Logística
A questão vai de encontro a outra fala do
parlamentar gaúcho: “Não é em virtude de ser estatal que as coisas chegam nos
longínquos do Brasil”
O fato é que o interesse de grupos privados é
apenas por agências que abrangem capitais ou grandes municípios, que apresentam
serviços superavitários, deixando de lado as agências localizadas em cidades
onde a atividade não é lucrativa. Mais uma vez cabe lembrar que essas
localidades são atendidas exclusivamente pelos Correios e, o mais importante,
sem aporte de recursos da União.
O dirigente da Fentect reitera: “A
privatização para os trabalhadores é a demissão e para a população é o aumento
das tarifas e não ter a certeza que quem mora em determinada regiões de poder
receber o que comprar via internet, porque vai ficar muito caro e inviável você
mandar encomendar por quem for operar no mercado privado, que só visa o lucro.
Não tem subsídio, ou então o governo vai entregar o filé para iniciativa
privada ou tentar assumir minimamente o atendimento e o direito das pessoas a
ter um acesso à correspondência”.
Falta de qualidade?
Além do serviço postal, os Correios servem
como banco postal, entregam vacinas, realizam o ENEM, exportam e importam,
levam informação, emitem documentos, entre outros. Muitos desses serviços não
geram lucros, apesar da empresa ser sim lucrativa. Contudo, mesmo assim são
feitos, já que por serem uma empresa pública.
Silva destaca que a posição estratégica dos
Correios na logística integrada no país inteiro ficou evidente na pandemia e
pode, inclusive, ser um diferencial na distribuição da vacina da doença, por
exemplo.
Em 2019 a empresa ganhou o Prêmio ABComm de
Inovação Digital 2019, um dos mais relevantes do e-commerce brasileiro,
organizado pela Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) e em
2020, venceram o World Post & Parcel Awards, prêmio internacional
considerado o ‘Oscar’ dos correios de todo o mundo.
Para a categoria, o resultado poderia ser bem
melhor não fosse o enxugamento da empresa que diminui e envelhece a estrutura
física, prejudica as condições de trabalho, derruba a qualidade quanto a
rapidez e garantia das entregas. Desde 2011 não há concurso e contratação e ano
passado o general Floriano Peixoto chegou a comandar um Programa de Demissão
Voluntária (PDV). Mas a quarentena imposta pela pandemia criou condições para o
lucro crescer ainda mais, visto que o comércio eletrônico e o volume de
encomendas cresceram.
“Galinha dos ovos de ouro”
Ano passado o total de receitas, 22,1% vem de
serviços de Sedex e 21,3%, do PAC. Havia 11.124 unidades de atendimento, sendo
6.071 agências próprias e 5.053 terceirizadas. Para o economista a área das
encomendas é justamente onde a empresa mostra que é competitiva e pode ser “a
galinha dos ovos de ouro”.
“Nós temos bons números principalmente no
segmento de encomendas, que é muito rentável. A empresa tem uma operação
lucrativa no segmento de encomenda e também na logística. Isso é fundamental,
principalmente, agora que nos vamos observar todo esse desenvolvimento do
comércio digital. É um momento que tem interesse econômico em comprar a empresa
pode pegar uma galinha dos ovos de ouro”, pontua Scherer.
Guedes no mesmo pronunciamento acaba
evidenciando que há grande interesse no mercado na empresa:
“Por que tem que demorar tanto? Tem oito
caras querendo comprar [os Correios]” - disse.
O interesse se dá porque os Correios executam
uma atividade estratégica e comércio digital cresce em importância, como avalia
o representante do Dieese. “Entregar a logística do Brasil com seu principal
operador a um agente privado é uma decisão que tem que ser ponderada do ponto
de vista estratégico do futuro. O Estado brasileiro perderia completamente a
capacidade de influenciar uma cadeia que no futuro vai ser tornar predominante
pelas tendências que já estamos vendo, como a Amazon”, ressalta.
Outros países fizeram movimentos no sentido
de fortalecer e expandir a atuação das suas empresas postais, inclusive, com
atuação internacional e não enfraquecer. Por exemplo, França, Holanda e a
Argentina, que reestatizou o serviço postal.
Não a toa, o dirigente sindical enfatiza que a luta contra a privatização faz parte da luta dos trabalhadores. “É uma empresa que pode ser gigante no Brasil, não pode abrir mão de uma empresa dessa”. Na rede representantes da categoria e diversas organizações, puxam o movimento, definido como suprapartidário, Correios, orgulho de um país inteiro em defesa da estatal.
Direção Nacional da ADCAP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário