Correio privado é melhor?
Uol
19/10/19
O governo incluiu oficialmente os Correios no
Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) nesta semana e deu mais um passo
no sentido de desestatizar a companhia.A Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos (EBCT) teve seu passado recente marcado por episódios de corrupção.
Em seu balanço, apresentou resultados negativos seguidamente em 2013, 2014,
2015 e 2016, voltou a recuperar o fôlego em 2017 e, desde então, vem
apresentando dados positivos.Afinal, o que está em jogo quando se fala em
privatizar os Correios e tirar das mãos do Estado o monopólio do serviço postal
no país? Veja, a seguir, qual a situação atual da empresa, que caminhos podem
ser adotados para a desestatização e os impactos positivos e negativos que esta
mudança pode ter para o Brasil.
Antiga e gigante A história do serviço postal
no Brasil tem origem nos tempos da colônia portuguesa, mas a Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos só foi criada em 1969, como uma companhia pública
vinculada ao Ministério das Comunicações.Hoje, os Correios são vinculados ao
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Com a redução no envio de
cartas, a empresa diversificou suas atividades, como mostram os números do
Relatório Integrado de 2018 da estatal:
. Os Correios estão em 100% dos municípios
. 41% dos municípios são atendidos pelo Banco Postal
.Mais de 1 milhão de encomendas são entregues por dia
.Estatal tem 25 mil veículos próprios
.Há mais de 11,7 mil agências de atendimento.
. 41% dos municípios são atendidos pelo Banco Postal
.Mais de 1 milhão de encomendas são entregues por dia
.Estatal tem 25 mil veículos próprios
.Há mais de 11,7 mil agências de atendimento.
Cartas em baixa Com a disseminação de novas
tecnologias, como email e redes sociais, a redução no envio de cartas é uma
tendência mundial.O último relatório integrado dos Correios mostra que, desde
2005, mais de 100 bilhões de correspondências deixaram de ser postadas em todo
o mundo. Em países desenvolvidos, essa redução tem sido de 2% ao ano.Por aqui,
houve uma queda de cerca de 10% no número de cartas enviadas entre 2017 e 2018.
Encomendas em alta
No entanto, movimento oposto é observado no
setor de entrega de encomendas. No primeiro semestre de 2019, o setor de
e-commerce cresceu 12%, comparado ao mesmo período de 2018, de acordo com
relatório da Ebit/Nielsen. Com o aumento das compras pela internet, as entregas
vêm crescendo cada vez mais —inclusive com participação de empresas privadas.O
serviço postal é exclusividade da União, mas não o setor de entrega de
encomendas. Em setembro, por exemplo, a americana Amazon lançou no Brasil o
serviço de assinatura Prime, que oferece, entre outros benefícios, frete grátis
de produtos.Entre 2017 e 2018, a receita dos Correios proveniente do segmento
de encomenda e logística ultrapassou o segmento de correspondências, como
mostram dados da receita da estatal.
O serviço de encomenda, que é o mais
rentável, sempre teve concorrência livre. Nós temos milhares de empresas que
fazem entregas de encomendas, transportadoras, motoboys, empresas grandes, como
Fedex, DHL e tudo mais, porque esse mercado é livre. Maria
Inês Capelli, Presidente da Associação dos Profissionais dos
Correios (ADCAP).
Escândalos de corrupção
A estatal também foi palco de diversos
escândalos de corrupção: desde 2005, com a CPI dos Correios —que foi o estopim
do Mensalão—, passando pela operação Greenfield, que, em 2016, investigou
desvios em fundos de pensão (incluindo o Postalis, dos Correios).Mais
recentemente, a operação Postal Off, deflagrada em setembro, apura esquema de
fraudes que resultaram em prejuízo de R$ 13 milhões para a estatal. Na ocasião,
o presidente Jair Bolsonaro citou a operação da Polícia Federal para endossar a
proposta de privatização dos Correios."Parabéns à Polícia Federal com sua
ação nos Correios. É mais uma prova de que nós devemos afastar o Estado da vida
do cidadão, a não ser naquelas coisas perfeitamente essenciais", disse o
presidente, em uma cerimônia no Palácio do Planalto.
Dança das cadeiras
Em junho, Bolsonaro trocou o comando dos
Correios. O general Juarez Aparecido de Paula Cunha, que ocupava a presidência
da instituição desde o governo de Michel Temer, foi substituído por Floriano
Peixoto Neto (foto), que ocupava a Secretaria Geral da Presidência da
República.A mudança ocorreu após Bolsonaro afirmar que Juarez agiu como "sindicalista"
no Congresso Nacional por criticar uma possível venda da estatal.
Processo não é simples
Segundo a Constituição Federal, cabe à União
manter o serviço postal e legislar sobre o setor. Por isso, uma eventual
privatização dos Correios precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional, por
meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que requer mais tempo de
discussão e votação em dois turnos na Câmara dos Deputados e no Senado.Há
vários caminhos possíveis para uma privatização. É possível transformar a
estatal em uma sociedade de economia mista, com o Estado como sócio
majoritário, ou em uma sociedade anônima composta majoritariamente por capital
privado, até a privatização completa. Para Fabio Pecequilo, sócio da auditoria
e consultoria empresarial Mazars, o processo não é simples.
Quando a gente fala do pacote de desestatização, você tem empresas e empresas. O Correio é a mais complicada das mais complicadas. Eu diria até mais. Além da questão constitucional, você tem também a questão da Previdência dos funcionários dos Correios, que é um dificultador. Fabio Pecequilo, sócio da auditoria e consultoria empresarial Mazars
Quando a gente fala do pacote de desestatização, você tem empresas e empresas. O Correio é a mais complicada das mais complicadas. Eu diria até mais. Além da questão constitucional, você tem também a questão da Previdência dos funcionários dos Correios, que é um dificultador. Fabio Pecequilo, sócio da auditoria e consultoria empresarial Mazars
São 7 fases; Correios está na fase 2
Segundo a secretária Especial do Programa de
Parcerias de Investimentos (PPI), Martha Seillier, o processo de desestatização
é dividido em sete etapas:
. Recomendação da Inclusão no Programa
Nacional de Desestatização pelo Conselho do Programa de Parcerias de
Investimentos
. Inclusão no Programa Nacional de Desestatização por meio de Decreto Presidente da República
. Contratação do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para realização de estudos para desestatização
. Elaboração de estudos pelo BNDES e contratação de consultores, caso necessário
. Com estudo pronto, é submetida a modelagem ao conselho do PPI para aprovação ou rejeição. O estudo abrange tanto aspectos econômicos, como jurídicos e trabalhistas e pode apontar diversos cenários, inclusive a inviabilidade da privatização
. Com estudos aprovados e alterações na regulação feitas, segue-se o processo de leilão (caso seja essa a decisão do Conselho do PPI) para a Desestatização
. Em havendo sucesso no leilão, o ativo é transferido à iniciativa privada.
. Inclusão no Programa Nacional de Desestatização por meio de Decreto Presidente da República
. Contratação do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para realização de estudos para desestatização
. Elaboração de estudos pelo BNDES e contratação de consultores, caso necessário
. Com estudo pronto, é submetida a modelagem ao conselho do PPI para aprovação ou rejeição. O estudo abrange tanto aspectos econômicos, como jurídicos e trabalhistas e pode apontar diversos cenários, inclusive a inviabilidade da privatização
. Com estudos aprovados e alterações na regulação feitas, segue-se o processo de leilão (caso seja essa a decisão do Conselho do PPI) para a Desestatização
. Em havendo sucesso no leilão, o ativo é transferido à iniciativa privada.
Muito chão pela frente
Os Correios ainda estão na fase 2. O decreto
foi publicado no dia 16 de outubro. Agora, vem a etapa de estudos dos possíveis
modelos a serem adotados. Portanto, ainda não é possível definir um prazo para
que o processo seja concluído."O comitê contará com o apoio do BNDES e
consultores especializados para avaliar as alternativas, os desenhos possíveis
de parcerias e consequências no mundo jurídico para, então, voltar para o
Conselho de Ministros e, aí, se ter uma decisão mais clara de como essa
parceria será realizada e em quanto tempo", informou a pasta em nota.
Municípios podem ficar desassistidos, dizem
especialistas
Os Correios estão presentes em todos os
municípios do país. Se passar para a iniciativa privada, uma preocupação é que
locais considerados pouco lucrativos não sejam mais atendidos.Em agosto, em
audiência pública na Câmara dos Deputados, Floriano Peixoto Neto informou que
apenas 342 municípios têm "resultado favorável", e que os outros
5.246 são deficitários.Segundo Tadeu Gomes Teixeira, professor do curso de
Administração da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), localidades que não
apresentem retorno financeiro correm o risco de ficar desassistidas.
Fora da lógica de mercado
"Numa estatal como os Correios, a sua
lógica —e por isso que ela é estatal— é utilizar os recursos obtidos onde há
lucro nos municípios para atender os pontos periféricos. O que a empresa capta
de recursos nos grandes centros serve para a prestação de serviços em outros
territórios, em outras unidades, em outros municípios que não têm
lucratividade. Essa é a ideia da universalização do serviço. Se a gente não tem
um mecanismo de compensação para a empresa, se for simplesmente pela lógica
mercadológica, não tem porque você atender esses municípios", disse o
professor.Segundo ele, a solução passa por estabelecer contrapartidas para que
regiões não fiquem sem serviço e criar uma agência regulatória do setor postal,
antes de permitir a entrada desses novos operadores privados.Para Fabio
Pecequilo, da consultoria e auditoria Mazars, a privatização do serviço
implicaria em mudanças operacionais que afetariam as regiões que não são
lucrativas. "Se você for pensar no que a iniciativa privada busca, quando
você escuta falar de privatização, você escuta falar de mudar operações, de
tornar o negócio mais leve. É possível que não teria uma estrutura física de
atendimento [tal como hoje]"."E o banco postal? E a questão de envio
de valores? É um outro ativo que está se falando e, aparentemente, não foi
discutido. Se fala numa simplicidade que a que a questão não tem", disse
Pecequilo.
Como ficam os trabalhadores? Em setembro, os
funcionários dos Correios paralisaram parcialmente as atividades durante uma
semana. Além da reivindicação salarial, também se manifestaram contra a
privatização da empresa.No caso de uma estatal ser privatizada, o vínculo de
emprego dos funcionários continua válido, mas, como a gestão passa para o
controle privado, admitir ou demitir funcionários fica a critério exclusivo dos
executivos, que tendem a tomar decisões para aumentar o lucro.A empresa vem
reduzindo seu quadro de pessoal nos últimos anos por meio de programas de desligamento
voluntário de empregados.
Hoje somos pouco menos de 100 mil em função
dos planos de demissão. A nossa preocupação é com o público interno e com o
externo, com a própria população e a sociedade, que, queira ou não, vai ficar
desassistida com a privatização - Maria Inês Capelli, presidente da
Associação dos Profissionais dos Correios
Diferentes tendências Tadeu Gomes Teixeira se
debruçou sobre o assunto em sua tese de doutorado e identificou alguns padrões
no processo de transformação dos sistemas postais em diferentes países, em
especial na União Europeia."No caso da União Europeia, não foi só uma
decisão, foi uma imposição do bloco. As regras do bloco regional fizeram com
que os países adotassem medidas no sentido de uma liberalização de seu mercado,
isso não só no setor postal mas em todos os setores. Ao mesmo tempo, a maioria
dos países caminhou no sentido da privatização no bloco europeu", afirmou
o professor da UFMA. Segundo ele, a tendência é diferente em alguns países em
que a empresa estatal é vista como um representante do Estado em determinados
lugares e em que tem um grande contingente de trabalhadores. "Por isso que
os Estados Unidos mantiveram uma estatal deficitária e, ao mesmo tempo,
companhias privadas em atuação", declarou Teixeira. Aliás, os movimentos
em direção a uma possível privatização dos Correios não são uma novidade no
cenário brasileiro. A primeira tentativa foi feita em 1999, por meio da Nova
Lei Postal, apresentada na gestão de Fernando Henrique Cardoso (marcada por
privatizações como as da Vale do Rio Doce e da Telebras), mas foi derrotada no
Congresso.
Desafio: convencer a população Caso decida
levar adiante o processo de desestatização dos Correios, o governo terá que
buscar formas de convencer a opinião pública.Segundo pesquisa Datafolha
divulgada em setembro, o percentual da população que é favorável à privatização
de estatais aumentou de 2017 para 2019, mas continua sendo minoria: 67% ainda
são contra a venda das empresas, enquanto 25% são a favor. Em relação aos
Correios, 60% são contra e 33%, a favor da venda da estatal —a menor rejeição
entre as empresas citadas na pesquisa (bancos públicos e Petrobras). Eu entendo
que esse anúncio dos Correios é muito mais um balão de ensaio. Vamos ver o que
pensam a a comunidade, a imprensa e especialistas, e quais potenciais grupos ou
interessados poderiam adquirir o tipo de ativo. Fabio
Pecequilo, Sócio da Mazars, auditoria e consultoria empresarial
Direção Nacional da
ADCAP.
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