Privatizações sufocaram poder de compra dos chilenos
Carta Capital
21/10/19
21/10/19
Geração de aposentados pós-reforma da
Previdência no Chile não conseguem fechar as contas do mês Vendido como um
exemplo de estabilidade econômica na América Latina, o Chile enfrenta a maior
onda de contestação já vista desde os anos 1990.
Os protestos que se acentuaram no fim de
semana catalisam anos de aperto financeiro das classes de renda baixa e média,
e se potencializam com a insatisfação de uma geração de aposentados com o valor
baixo das pensões.
A gota d’água foi o aumento de 3,75% do valor
das passagens de metrô nos horários de pico, justamente o mais utilizado pelos
trabalhadores. “Foi apenas um estopim de vários conflitos e tensões que
perpassam o modelo econômico chileno desde a ditadura, em 1973.
Um modelo neoliberal que traz consequências
sociais muito complicadas de serem administradas”, afirma Fábio Borges,
professor de Relações Internacionais da Unila (Universidade Federal da
Integração Latino-Americana).
“É simbólico porque o Chile, por muito tempo,
foi considerado um exemplo na condução econômica, com maior estabilidade e
crescimento. Mas o que essas manifestações demonstram é que essas contradições
estavam presentes, porém, provavelmente por causa do trauma da ditadura, isso
não vinha a público”, diz.
Números invejáveis – mas população no aperto
Com as contas em dia, o desemprego e a inflação sob controle, o país é visto como modelo por governos conservadores como o do presidente Jair Bolsonaro. Olhados isoladamente, os índices macroeconômicos de fato são de fazer inveja: o país cresce acima da média latino-americana, a 2,5%, o índice de desemprego é estável, em torno de 7% – graças a um mercado de trabalho flexível –, e a dívida pública não ultrapassa os 25% do PIB.
Com as contas em dia, o desemprego e a inflação sob controle, o país é visto como modelo por governos conservadores como o do presidente Jair Bolsonaro. Olhados isoladamente, os índices macroeconômicos de fato são de fazer inveja: o país cresce acima da média latino-americana, a 2,5%, o índice de desemprego é estável, em torno de 7% – graças a um mercado de trabalho flexível –, e a dívida pública não ultrapassa os 25% do PIB.
Desde a ditadura, os sucessivos governos
chilenos seguem os preceitos da ortodoxa Escola de Chicago, que formou
economistas como o brasileiro Paulo Guedes. Não à toa, o modelo chileno de
aposentadorias, privatizado e por capitalização, inspirou a proposta do governo
de reforma das pensões no Brasil.
Entretanto, a geração de aposentados
pós-reforma no Chile agora não consegue fechar as contas do mês – os benefícios
chegam a ser de apenas 60% do salário mínimo, ressalta Jorge Muñoz,
especialista em sociologia do trabalho e estudos comparativos entre Europa e
América Latina, da Universidade de Brest, na França.
“Nestes últimos anos, estão se aposentando os
primeiros chilenos que pararam de trabalhar desde a adoção deste sistema. Essa
situação gera, em parte, os protestos atuais, porque os aposentados estão se
dando conta de que o que foi prometido em termos de recursos não foi
alcançado”, indica o professor chileno.
“Desde que o Chile ingressou na OCDE, teve de
entrar nos padrões comparativos da organização e ficou evidente que é um dos
países mais desiguais, incluído na comparação com outros da América Latina. Os
salários são muito baixos, por exemplo”, frisa Muñoz.
“Mais de 50% dos chilenos ganham menos de 400
mil pesos por mês, cerca de R$ 2.800. Parece bom, mas se consideramos o custo
de vida no Chile, que é altíssimo, sobretudo na capital, torna-se uma situação
muito difícil de administrar para a maioria dos chilenos, na vida cotidiana.”
Resultado: o endividamento das famílias
atinge índices preocupantes, com um terço dos adultos sem conseguir chegar no
fim do mês sem contar com a ajuda de um crédito.
“Como toda a lógica econômica girou em torno
das privatizações, muitas pessoas recorrem a empréstimos para terem acesso a
uma educação de qualidade, ou resolver um problema de saúde emergencial”,
pontua Borges.
“O setor financeiro é muito dinâmico, mas em
detrimento a uma estabilidade de renda das pessoas, que ficam vulneráveis em
troca de ter uma condição mínima de vida.”
O professor da Unila avalia que a tensão
social atual coloca em cheque o modelo ultraliberal adotado pelo país, sem que
os problemas estruturais de base não tenham sido solucionados previamente. Essa
situação, sublinha, se repete em outros países latino-americanos.
“Na
América Latina, as políticas neoliberais agravam o problema”, destaca Borges.
“Na Europa, já houve uma etapa de construção do Estado de bem-estar social: em
algum momento, eles atacaram os problemas de desigualdades, viabilizaram os
direitos trabalhistas, à saúde e a infraestruturas. Na América Latina, nós
nunca passamos dessa primeira etapa.”
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