Rombo de R$ 7 bi e denúncias de corrupção levaram à intervenção no Postalis
O GLOBO
5/10/17
Segundo fontes, houve contabilização de ativos podres no balanço por meio de
fundos especiais
RIO, BRASÍLIA E SÃO PAULO - Alvo de denúncias de corrupção, com rombo de mais
de R$ 7 bilhões e contas rejeitadas, o fundo de pensão dos Correios,
o Postalis, sofreu , nesta quarta-feira, intervenção da Superintendência
Nacional de Previdência Complementar (Previc). A autarquia afastou a diretoria
e os conselhos do maior fundo de pensão do país em número de participantes
(418.098) por 180 dias, prorrogável por igual período, alegando descumprimento
de normas de contabilização de “reservas técnicas e aplicação de recursos”. Uma
comissão de inquérito será criada para apurar possíveis irregularidades e seus
responsáveis. Segundo fontes próximas ao Postalis, um dos motivos prováveis
para a intervenção foi a contabilização de ativos podres no balanço por meio de
fundos especiais. Em comunicado divulgado na noite desta quarta-feira, o
Postalis afirmou que os pagamentos de benefícios, empréstimos e demais serviços
aos participantes estão garantidos. E assegurou que o atendimento continuará
normal. A entidade tem R$ 10,26 bilhões em investimentos, 13ª maior carteira
entre os fundos fechados do país.
POSTALIS
Suspeita de rombo maior
Segundo uma fonte graduada da equipe econômica, decidiu-se pela intervenção,
que era vista como o último recurso, porque a empresa responsável por auditar
as contas do Postalis, a Baker Tilly Brasil MG Auditoria Independente, não
aprovou o balanço de 2016. Além disso, apontou indícios de irregularidades nas
aplicações em fundos de investimentos. O relatório da auditoria foi concluído
no fim de julho. Em agosto, as contas foram rejeitadas pelos conselhos
deliberativos e fiscal do Postalis. — O governo decidiu intervir no Postalis
porque a auditoria não certificou o valor dos ativos. A gente acha que o rombo
no Postalis pode ser muito maior — explicou essa fonte. Em dezembro de 2016, o
Postalis criou quatro fundos de investimento do tipo FIDCs-NP (de direitos
creditórios não padronizados). Esses fundos reuniam ativos que o Postalis já
havia lançado como prejuízo no balanço. Só que, concentrados nesses fundos
especializados na recuperação de papéis podres, esses ativos acabaram voltando
para o balanço do Postalis como um patrimônio bilionário. Segundo informações
disponíveis no site da Comissão de Valores Mobiliares (CVM), os quatro fundos
tinham juntos, em agosto, patrimônio de cerca de R$ 1,1 bilhão. Chamados
Postalis Distressed, eles são geridos pelas instituições Jive, Cadence e
Novero, e administrados pela Intrader.
— Essa política foi alvo de críticas tanto do conselho fiscal como do auditor
independente. Eles valiam zero e passaram a valer R$ 1 bilhão, diminuindo o
déficit dos planos — disse uma fonte ligada ao Postalis. — Não se podia atestar
que aquele valor era aquele mesmo.
Essa operação fez o conselho fiscal recomendar, pelo terceiro ano consecutivo,
a rejeição das contas. Pela primeira vez, o conselho deliberativo concordou com
a rejeição das contas do plano de benefício definido, enquanto aprovou com
ressalvas as do plano Postalprev.
Foi nomeado interventor o auditor fiscal da Receita Walter de Carvalho Parente,
que já atuou na mesma função entre 2015 e 2016 no fundo do Serviço Federal de
Processamento de Dados (Serpro). Segundo O GLOBO apurou, os diretores e
conselheiros foram surpreendidos pela decisão da Previc, publicada no Diário
Oficial. Até a noite desta quarta-feira, eles não haviam sido notificados sobre
a indisponibilidade dos seus bens, prevista em casos como esse e que abrange
todos que ocuparam esses cargos nos últimos 12 meses.
“O interventor passou o dia de hoje reunido com os gestores das áreas técnicas
para determinar as novas diretrizes e procedimentos a serem seguidos pela
entidade”, informou ontem o Postalis. O próximo passo da intervenção é realizar
uma nova eleição de conselheiros. Paralelamente, a Previc criará uma comissão
de inquérito para apurar desvios e que, em 120 dias, terá de elaborar um
relatório requerendo punições aos responsáveis. As penas incluem inabilitação,
suspensão e multa. Se houver indício de crime, o caso é encaminhado ao
Ministério Público. O déficit total do Postalis, incluindo o que já está sendo
equacionado, é de cerca de R$ 7,4 bilhões no plano benefício definido.
Aproximadamente R$ 1,1 bilhão ainda não está equacionado.
— Se não fossem os FIDCs, esse valor superaria R$ 2 bilhões — disse uma fonte.
Pensionistas e aposentados do Postalis têm pago contribuição extra de 17,92%
para cobrir o déficit. Outra, de 2,73%, estava prevista para este mês.
Para associação, Previc agiu tarde
O déficit acumulado por todos os fundos fechados de previdência complementar
foi de R$ 77,6 bilhões até junho, 8,2% mais que os R$ 71,7 bilhões registrados
no fim de 2016, informou na quarta-feira a Abrapp, associação que reúne as
entidades. Desse rombo, 88% se concentraram em dez grandes fundos, entre eles
Previ, Petros, Funcef e o próprio Postalis. Na Petros, dos funcionários da
Petrobras, a expectativa é que o déficit atuarial do principal plano atinja R$
27,7 bilhões no fim deste ano.
O Postalis já foi alvo de vários escândalos. Em 2014, foi revelada uma fraude
de R$ 250 milhões relacionada à compra de dívidas de Argentina e Venezuela, o
caso foi investigado pela CPI dos Fundos de Pensão. Em junho deste ano, André
Motta, então presidente do Postalis, renunciou após ser acusado por um
ex-executivo da Andrade Gutierrez, em delação premiada da Lava-Jato, de ter
recebido propina em nome de Rogério Rosso (PSD-DF).
Segundo integrantes da Associação de Dirigentes Eleitos das Entidades Fechadas
de Previdência Complementar, o ato da Previc veio tarde.
— Se tivesse agido lá atrás, tinha evitado muita coisa — afirmou um integrante
da associação.
A entidade vê um vácuo legal para definir em que situações a intervenção se
enquadra. O ato está previsto na lei complementar 110/2001, mas não foi
regulamentado. Ou seja, o governo pode intervir, em tese, desde no
descumprimento do envio de um relatório, até em uma situação de insolvência,
disse um interlocutor.
A associação também reclama da falta de transparência por parte da Previc e
lembra que alguns fundos estão sob intervenção há anos, sem qualquer definição,
como o Capaf (dos funcionários do Banco do Amazonas), o Portus (das companhias
Docas) e o Eletroceee.
— O efeito pedagógico da intervenção se perde porque a Previc não dá
publicidade ao ocorrido e às medidas adotadas para solucionar o problema —
disse um dirigente de fundo de pensão.
Para o presidente da Abrapp, Luis Ricardo Martins, a maior preocupação é com os
beneficiários do fundo:
— Se está acontecendo alguma coisa que levou à intervenção, como fica o
contribuinte? Isso tem que ser esclarecido. A presidente da Associação
dos Profissionais dos Correios, Maria Inês Capelli Fulginiti,
considerou a decisão técnica:
— Não se trata, por enquanto, de insuficiência de reserva e liquidez do plano.
Procurada, a Previc não retornou. Os Correios informaram que não iriam se
manifestar.
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