No limite do achincalhe
O ESTADO DE S. PAULO
29/4/17
‘Quanto mais alto o cargo, maiores as tentações’, diz o economista Gil Castello
Branco, da ONG Contas Abertas
Com a Operação Lava Jato, muitas coisas têm brotado dos subterrâneos. Algumas
delas, em forma de raízes fortalecidas pelo medo da prisão e pela maturação do
tempo: as delações premiadas. Tal fenômeno mostra que, de todos os bens
acumulados pelos suspeitos, a liberdade é o mais indispensável. Tão
indispensável que a fidelidade a alguém ao qual se foi muito próximo pula para
o último plano.
As delações do ex-líder do governo no Senado Delcídio Amaral, do casal de
publicitários João Santana e Mônica Moura, marqueteiros de uma campanha do
ex-presidente Lula e de duas de Dilma Rousseff, e dos executivos e
ex-executivos da Odebrecht provam tudo isso. Nenhuma amizade foi capaz de
segurar a intangível busca pela liberdade.
Chegou agora a vez de o ex-ministro Antonio Palocci buscar um jeito de sair da
prisão. Esqueça o partido, esqueça os amigos. Palocci disporia de informações
que poderiam comprometer Lula seriamente com as propinas pagas pela Sete
Brasil, empresa surgida em 2010, cujo plano era construir 29 sondas para o
présal e atrair, até 2020, cerca de US$ 25 bilhões, algo em torno de R$ 80
bilhões. Fundos de pensão pressionados pelo governo federal, bancos estatais e
privados, Odebrecht e Queiroz Galvão investiram na Sete R$ 8 bilhões. Hoje a
empresa está em processo de recuperação judicial.
Palocci foi ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma. Fora do
governo, manteve uma empresa de consultoria influente. Não é nada demais. Como
ex-ministro deveria carregar apenas segredos de Estado e por eles se
responsabilizar. Mas as coisas não são bem assim. Houve no Brasil, nos últimos
tempos, um conluio entre o público e o privado de tal monta que o governo quase
foi privatizado. Parte da própria legislação brasileira está sob suspeita de
ter sido comprada.
Entrar para um ministério pode ser o sonho de muita gente, talvez até a
abertura de portas para a riqueza. Mas é também uma aventura perigosa. O
economista Gil Castello Branco foi cotado para assumir o Ministério da
Transparência logo que se falou na possibilidade de Michel Temer chegar à
Presidência da República. Ele disse não antes que o convite oficial fosse
feito. Castello Branco, da ONG Contas Abertas, foi o primeiro a descobrir que o
governo de Dilma Rousseff havia feito manobras para melhorar os resultados
primários, depois conhecidas por pedaladas fiscais. Resultaram no impeachment
de Dilma.
Especialista em contas públicas, Castello Branco é mais do que credenciado para
assumir uma pasta como a da Transparência. Refugou porque, na opinião dele, o
ministério, qualquer um, é uma máquina de moer homens de bem. Diz ele: “Quanto
mais alto o cargo, maiores as tentações”.
Tudo o que Castello Branco fala é baseado em experiências próprias. Em 1989,
funcionário de carreira dos Correios, ele foi chamado para
tocar uma superintendência que cuidava dos imóveis funcionais. Logo descobriu
que Maria Isabel C. Afonso Pereira mantinha um imóvel em Brasília, mas ficava
lá no Maranhão. Ele requisitou o apartamento de volta para a União. Em pouco
tempo, o governador do Maranhão, Epitácio Cafeteira, ligou para a repartição e
mandou desfazer tudo. Perguntou se alguém ali sabia o que era o C. do nome de
Isabel. Informou então que o C era de Cafeteira. E que Isabel era sua
mulher.
Castello Branco foi exonerado e nomeado para a Secretaria do Patrimônio. Quis
cobrar dos que ocupam terrenos de marinha, da União, uma taxa compatível. Foi
obrigado a sair. Viu o balanço dos Correios pular de negativo para positivo
numa manobra política. Levou o caso ao ministro. Perdeu o cargo. “Ou você se
achincalha, ou tem de ir embora. Eu preferi ir embora e montar a ONG.”
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