Reforma complementar
O Estado de S.Paulo
Opinião / Helio Portocarrero
30 Maio 2017
Opinião / Helio Portocarrero
30 Maio 2017
A necessária reforma da Previdência Social
terá efeito sobre a demanda por previdência privada. A aceleração do
crescimento do setor deverá acentuar-se em razão da própria reforma.
Na previdência privada aberta e na fechada,
comumente referida como o setor de fundos de pensão, predomina o modelo
institucional de contribuição definida. O risco de mercado é inerente ao modelo
e só pode ser atenuado com a prática dos princípios financeiros de diluição de
risco.
Para o participante individual há outra
categoria de risco: falência do operador. Na previdência aberta, risco de
liquidação da seguradora ou entidade responsável pelo plano. Na ocorrência, o
participante torna-se credor da massa em liquidação e seu crédito não tem
prioridade, secundando créditos trabalhistas e fiscais. Um processo de
liquidação pode perdurar por vários anos e mesmo décadas. O objetivo de
poupança previdenciária estará, então, totalmente prejudicado. Esse risco é
inibidor de competição, implicando taxas de rentabilidade mais baixas para os
participantes.
Essa crítica vem sendo repetida e baseada na
comparação de resultados de investimentos alternativos, ou dos geridos por
operadores de diferentes portes financeiros oferecendo melhores taxas líquidas.
Os grandes grupos financeiros apresentam duas
vantagens comparativas: a primeira, o movimento inercial dos participantes,
para muitos dos quais a aplicação em previdência privada é mais um produto em
sua carteira; a segunda, o afastamento do risco de liquidação, pois, afinal,
esses grandes bancos são too big to fail. Os economistas dirão que a primeira
atitude é irracional. Mas nem mesmo eles poderão criticar a segunda.
Na realidade, o movimento inercial é da natureza
humana, assim como a aversão ao risco. Esta pode ser atendida com
aperfeiçoamento institucional.
Utiliza-se a expressão “blindar as reservas”
com o sentido de destacá-las da massa patrimonial em liquidação. As reservas
blindadas só podem servir à finalidade para que foram constituídas. A reserva é
um valor abstrato que se materializa em seus ativos garantidores. A blindagem
das reservas significa o isolamento dos ativos que as garantem. Só podem ser
utilizados para atender aos direitos dos participantes do plano de previdência.
O risco de liquidação fica, então, dirimido.
No repertório legal brasileiro há um
instituto, o patrimônio de afetação, já utilizado no setor imobiliário, que
pode ser incorporado à legislação que rege a previdência privada. De acordo com
a Lei 10.931/2004, o conceito de patrimônio de afetação é o seguinte: “O
patrimônio de afetação é a segregação patrimonial de bens incorporados para uma
atividade específica, com o intuito de assegurar a continuidade e a entrega das
unidades em construção aos futuros adquirentes, mesmo em caso de falência do
incorporador”.
Acrescentado esse instituto e adaptado à
legislação previdenciária, ocorreria o efeito de blindagem das reservas e,
desde logo, a competição no setor seria incentivada, vindo a permitir a revisão
de taxas de carregamento e administração.
O que nos leva a um segundo fator no
aperfeiçoamento do sistema, no que se refere à previdência fechada. O argumento
a propósito de blindagem de reservas se aplica à previdência aberta, em que os participantes
escolhem os seus agentes. Na previdência fechada, composta de fundos de pensão
empresariais, os gestores dos fundos são designados pela empresa patrocinadora
ou, conjuntamente, por patrocinador e pela coletividade de participantes. É
preciso, então, implementar formas de governança e controle que compensem a
fragilidade intrínseca do modelo. É razoável supor que numa empresa privada se
verifique a solidariedade de interesses de executivos e empregados no bom
resultado da gestão do fundo. Mas não podemos esquecer exemplos contrários,
como o caso da Enron, nos Estados Unidos, e da antiga Varig e seu fundo Aerus,
no Brasil.
No caso de empresas estatais, infelizmente,
há razões para esperar negligência ou mesmo má-fé dos controles internos, como
se pôde observar recentemente no caso do fundo Postalis, dos Correios,
mais lamentável por atingir um público de participantes tipicamente
hipossuficiente. Houve outros casos recentes, como os do Petros e do Funcef, de
cujo corpo de participantes seria de esperar melhor grau de vigilância sobre
seus interesses.
É preciso reconhecer que, no Brasil, a
presença de empresas estatais na economia é importante e assim continuará nos
próximos anos, o que reforça a conclusão de que a eficiência e a equidade do
sistema exigem a presença de algum controle externo efetivo.
O Conselho Monetário Nacional (CMN) impõe
regras de diversificação de carteira de investimentos das entidades de
previdência. A Superintendência de Seguros Privados (Susep) e a
Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), além de suas funções
regulatórias, fazem o acompanhamento das aplicações, respectivamente, de
entidades abertas e fechadas. A Susep é uma autarquia que conta com um corpo de
funcionários de carreira com boa formação profissional e vem aperfeiçoando seus
métodos de acompanhamento com bom grau de eficácia. Infelizmente, não parece
ser o caso da Previc. Qualquer exame atento da carteira do Postalis levaria um
analista a duvidar de seu sucesso, quando não das motivações do gestor.
No caso de uma economia com presença tão relevante
de empresas estatais, é definitivamente essencial um bom sistema de controle
externo. Medidas complementares para o aperfeiçoamento do sistema são simples e
não implicam gastos orçamentários. São medidas de natureza institucional e
resumem-se a duas iniciativas: implementação de um bom regime de blindagem das
reservas de natureza previdenciária e refundação do órgão público supervisor da
previdência privada fechada.
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